No look de Carnaval, meninas jogam fora paranoias com o corpo e opinião alheia
No calor de Campo Grande e com a movimentação nos bloquinhos o importante é se sentir bem independente do "tipo" de corpo.
Depois de décadas escondendo o próprio corpo, julgando e comparando com o da modelo na capa da revista, a mulherada mostra que a escolha do look do Carnaval não é só questão de criatividade e tendências da moda. No calor de Campo Grande e com a movimentação nos bloquinhos, elas priorizam o conforto e jogam fora as paranoias com celulite, gordurinhas e opinião alheia.
Gicélia Jesus da Silva, de 24 anos, não participa da festa há alguns anos, mas em 2019 não pensou duas vezes na hora de se arrumar para sair de casa. Ainda tímidas no bloquinho, ela e a amiga Graziela do Sacramento, de 23 anos, optaram pelo estilo básico do short curto e “blusa fresquinha” em nome do conforto, uma escolha que “sempre trás uma certa paranoia com estrias, celulite e alguns quilinhos a mais”, segundo Graziela, mas que não pode impedir que a roupa vire uma obsessão.
Conforto também foi a principal preocupação de Victória, de 22 anos, que foi acompanhada de um grupo de amigos. “Estava pensando só em conforto, porque nós vamos andar, subir e descer e no fim do carnaval a maquiagem derrete e você parece um palhaço”, conta. Em relação ao tamanho do short, ela e as amigas encaram como uma questão de amor próprio.
“Ninguém tem 100% de autoestima, por isso com quem você vai é muito importante. Se você já tem uma autoestima mais delicada, quer usar uma fantasia que não vai fazer você se sentir confortável, a solução não é deixar de usar o que você gosta, é ir com os amigos. Sempre vá com pessoas que você confia e se sente bem, porque a pior coisa que você pode tentar fazer é se arriscar sozinho. Você vai ficar muito frágil. Também não vai escutando que porque é carnaval você tem que usar short curto, vai do jeito que você quiser, a roupa é sua”, afirma.
Já Ingridy Soares, de 17 anos, é um pouco mais ousada e trata a escolha como uma questão de “caráter”, fazendo da fantasia de Carnaval um meio termo entre a própria personalidade e as causas nas quais acredita. Em destaque na roupa, dessa vez estava a bandeira LGBTQ+ e um cropped feito para quem não tem medo de decote e nem de mostrar a barriga. “Eu acho que a galera do carnaval empodera muito isso, porque você gente de tudo quanto é tipo, de vários tamanhos e etnias, com roupas e gostos diferentes”, diz.
Nária Santos, de 21 anos, e a amiga Virgínia Farias, de 26 anos, fizeram as próprias fantasias depois de quase um ano planejando o outfit, elas contam que assim que acaba o Carnaval, já começam a procurar tendências para usar no próximo em busca de “novidade e custo benefício”, levando sempre em conta a liberdade.
“Eu acho que nessa questão da roupa, muito mais que o próprio corpo, estar mostrando mais ou menos, o que pesa mais é a questão do olhar dos homens, o assédio que faz parecer que você é um pedaço de carne no açougue”, afirma Nária.
Para as amigas, se sentir à vontade para sair e deixar a paranoia com a roupa curta em casa é um processo. “Não é tanto pela gente, é pelo outro. A mulher às vezes te julga mais, mas isso também já está diminuindo. Hoje eu vejo essas meninas com saia de tule e short por baixo, eu fico pensando que ela poderia mostrar mais, que talvez ela queira, mas tem medo ou não se sente confortável para fazer isso”, diz.
Em alguns pontos, Virgínia confessa ainda estar trabalhando. “Eu vim de meia porque ainda não estou totalmente feliz com o meu corpo mostrando celulite, ano passado eu vim sem meia, mostrando um pouco, mas cobrindo um pouco também. Questão de peso eu não ligo, eu estou andando aqui e me sentindo maravilhosa”, conta.
Elas concordam que a questão do Carnaval é também sobre liberdade para usar roupas curtas que não fazem parte do dia-a-dia. Pela caráter lúdico da festa, as fantasias permitem a criação de personagens que são menos julgados em meio a multidão.
“Precisa de coragem e um filtro para ignorar certos comentários, ignorar o julgamento das pessoas, vamos ouvir muitas coisas sempre, mas se eu estivesse de short eu também iria ouvir, se eu estivesse de calça eu também iria ouvir, porque a pessoa que mexe está mexendo porque você é mulher, porque está ali e ele quer chamar a atenção”, explica Nária.
Melissa Vieira, de 16 anos, e Vitória Vieira, de 20 anos, têm o mesmo receio que Nária e Virgínia, mesmo não sendo parte do mesmo grupo. “Nossa maior preocupação é a hora de ir embora, porque sempre têm os meninos que acham que estamos de gracinha e entendem a nossa roupa como um convite, quando na verdade você só está usando aquilo que te faz se sentir bonita, porque é a sua imagem o que realmente importa”, afirma Melissa.
Vitória também enfrentou os próprios monstros na hora de escolher a roupa, ela entende que aceitar o próprio corpo não é um processo fácil, mas acredita que é necessário coragem para ser livre e se amar como realmente é. “Você precisa pensar cara, eu estou bem assim e dane-se os outros e foi isso o que eu fiz”, conta.