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Comportamento

No primeiro 12 de junho sem Tião, cartas do passado são alento para Rô

Depois de perder o marido com câncer, Rosana releu todas as cartas e publica todo mês uma delas no Facebook.

Paula Maciulevicius Brasil | 12/06/2021 14:43
Trecho da primeira carta enviada por Tião, em outubro de 1984, mês em que os dois se conheceram. (Foto: Arquivo Pessoal)
Trecho da primeira carta enviada por Tião, em outubro de 1984, mês em que os dois se conheceram. (Foto: Arquivo Pessoal)

As cartas datadas entre os anos de 1984 até 1988 contam a história de amor entre Rosana e Tião, e são o maior exemplo que o casal deixou aos filhos. Com trechos apaixonados, de um lado e de outro, Tião escreve de Araçatuba endereçado a Campo Grande, para Rô, e ela responde entre corações e juras de amor eternas.

A primeira correspondência trocada, ao que tudo indica, partiu de Sebastião Ferreira Simões, no dia 29 de outubro de 1984. Nela, Tião, apelido pelo qual Sebastião sempre foi chamado, conta da viagem de volta, não tão boa, porque o trem atrasou.

Era uma tarde quente, e ele pontua que escreve às 15h40, enquanto está em uma fazenda. Sentado enxerga os campos verdes, ouve os pássaros cantarem no jardim, enquanto pensa nela, Rosana.

Apaixonados desde 1984, casal se despediu ano passado, depois que um câncer levou Sebastião. (Foto: Arquivo Pessoal)
Apaixonados desde 1984, casal se despediu ano passado, depois que um câncer levou Sebastião. (Foto: Arquivo Pessoal)

"Pensando no seu jeito doce de falar, nos seus gestos carinhosos, nos seus pequenos olhos a me olhar, e em toda simpatia que transborda de você".

Ali naquela primeira folha de caderno, Tião diz que lutou para não cair aos encantos de Rosana, mas foi nocauteada no primeiro round. "É incrível, mas começou a tocar uma música do Menudos, "Doce Beijo". Toda vez que eu ouço, lembro de você no mesmo instante".

Ainda na carta, Tião se mostra inseguro de todo o amor que sente, e pergunta o que ele representa para a amada. "Uma aventura? Uma paquera a mais?" e justifica que precisa aber porque é um homem muito romântico, mas que também tem os pés no chão. Instruindo para que Rosana "vire" a folha, no verso, ele deixa a proposta no ar. "Se achar que vale a pena me escrever, me responda nessa carta com uma foto sua".

A resposta veio a esta e mais pelo menos 36 cartas que os filhos separaram e enviaram ao jornal para surpreender a mãe neste primeiro dia 12 de Junho sem o eterno namorado.

Dia dos Namorados era comemorado também por correspondência. (Foto: Arquivo Pessoal)
Dia dos Namorados era comemorado também por correspondência. (Foto: Arquivo Pessoal)

Apaixonados pela história que deu origem à família Wosniak Simões , os filhos do casal Karine e José Henrique quiseram que a mãe relembrasse todas as juras de amor feitas pelo pai.

"Eu e meu irmão achamos essa forma de homenagear os dois, esse amor, que hoje é tão raro de se encontrar,  foi uma forma de manter viva a história e esse amor, e aquecer o coração de nossa mãe,  nesse primeiro dias dos namorados sem o seu eterno amor", justifica Karine.

Sebastião morreu aos 56 anos, de um câncer e este é o primeiro Dia dos Namorados de Rosana sem ele. As cartas ficam dentro de uma caixa, na portinha da cômoda da mãe, e depois que o pai morreu, os filhos a viram relendo uma por uma.

"Todo mês ela posta uma no Facebook, todo dia 28, que foi quando ele faleceu", explica Karine.

O casal guardava todas as cartas, acredita a filha, que era para nunca esquecer o que escreviam e como começou a história deles.

Sebastião e Rosana se casaram em fevereiro de 1988, e continuaram trocando cartas. (Foto: Arquivo Pessoal)
Sebastião e Rosana se casaram em fevereiro de 1988, e continuaram trocando cartas. (Foto: Arquivo Pessoal)

Sebastião e Rosana se conheceram no mês da primeira carta, em outubro de 1984. Ele morava em Araçatuba, interior de São Paulo, e ela aqui na Capital. A distância entre eles era de 482 quilômetros e muitas das vezes percorridas em viagens de trem. Pelas cartas, Tião narra várias idas e vindas, atrasos, e histórias.

Eles matavam as saudades pelas correspondências, também porque não era sempre que Tião conseguia telefonar. Em um dos relatos enviados à amada, ela conta que não encontrou orelhão e não conseguia ir até a Telesp fazer a ligação.

Em menos de dois anos o casal namorou, noivou e se casou, no dia 6 de fevereiro de 1988, e nem depois do casamento deixaram de trocar cartas. Até porque, Tião morou durante um tempo ainda longe de Rosana e trabalhava em uma fazenda.

"Sempre foram um casal unido e apaixonado, enfrentavam tudo juntos, passaram por dificuldades financeiras, por perdas, mas sempre um ajudando ao outro", conta a filha Karine.

Sebastião foi servente de pedreiro, trabalhou em fazenda, até conseguir entrar para a Polícia Militar, se aposentando como sargento, enquanto a mãe trabalhava em escritório de contabilidade.

Casal junto dos filhos Karine e José Henrique. (Foto: Arquivo Pessoal)
Casal junto dos filhos Karine e José Henrique. (Foto: Arquivo Pessoal)

Na memória da filha, todo aniversário de casamento surge a cena deles presenteando um ao outro e saindo para comemorar. "Sempre foram um casal unido para tudo, parceiros, nas tarefas domésticas,  na criação dos filhos, nos cuidados com os filhos. Ele que nos levava ao pediatra e participava das reuniões da escola, já que minha mãe trabalhava o dia todo, e ele por escala. Era um homem, filho,  pai, sogro, avô e profissional exemplar", diz Karine.

Os dois amavam viajar para a praia, festas, dançar, tomar cerveja, comer churrasco e ele, principalmente, assistir a um jogo do Palmeiras. "Ele viveu intensamente, realizou sonhos, alcançou metas, teve um neto, por tempo curto, mas soube aproveitar cada segundo", admira a filha.

Em 2019, veio a confirmação de que Sebastião estava com câncer, um medo já enfrentado pela família depois de perder tanta gente para a doença. No entanto, os filhos e a esposa tinham a certeza de que Tião ficaria aqui ainda por muitos anos.

Já casados, em 1988, foi Rosana quem escreveu esta carta, 33 anos atrás. (Foto: Arquivo Pessoal)
Já casados, em 1988, foi Rosana quem escreveu esta carta, 33 anos atrás. (Foto: Arquivo Pessoal)

Descoberto bem no início e com chances de cura enormes, ele começou o tratamento e em seguida veio a pandemia, o que distanciou o casal dos filhos. "Ele estava reagindo bem ao tratamento, até que começou a aparecer em outros lugares. Vieram cirurgias, ele foi inchando, perdendo o apetite, mas a princípio estava tudo bem", recorda a filha.

Depois de uma semana internado, o quadro se tornou irreversível e ele veio a falecer numa UTI. "A morte do meu pai doeu muito na gente. Ele era muito amado, querido, divertido, mas ninguém sentiu mais que a minha mãe. Era seu amor, sua vida, seu parceiro", explica Karine.

Rosana, a mulher para quem Sebastião escreveu todos os meses de 1984 a 1988 ainda encontra motivos para se levantar e seguir. Quem a conhece, sabe da alegria contagiante que só a Rô tem. "Ela vem se reerguendo. Ele sempre estará vivo em seu coração, pensamento e lembranças. É como ela mesma diz: 'esse amor é de outras vidas, e ainda irão se reencontrar'".

Casal renovou os votos em segunda festa de casamento. Rosana segue acreditando que por ser um amor de outras vidas, ainda vai reencontrar Sebastião. (Foto: Arquivo Pessoal)
Casal renovou os votos em segunda festa de casamento. Rosana segue acreditando que por ser um amor de outras vidas, ainda vai reencontrar Sebastião. (Foto: Arquivo Pessoal)


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