Para quem tem arara como vizinho, rotina de "despertador" é privilégio
Em meio a cidade, campo-grandenses convivem com araras, "vizinhos do barulho" nada inconvenientes, pelo contrário, trazem encanto
Antes mesmo que ocupássemos os terrenos da Capital, elas já se encontravam por aqui. O que era cenário de pura mata e cerrado agora se trata de uma "selva urbana". Mas se o campo é grande mesmo, então ainda tem muito espaço disponível para dividirmos essa "vizinhança" toda. E para quem mora ao lado delas – as araras – não há privilégio maior do que conviver com o pé na natureza e ainda ganhar de brinde um "despertador analógico" raiz.
"Amamos ter elas como vizinhos. Não é nenhum incômodo. Achamos legal, tiramos foto, ficamos a observá-las. É lindo demais", afirma o publicitário Pedro Fenelon, de 55 anos.
Há mais de 25 anos morando na região próxima à Via Park, entre a avenida Mato Grosso e o Shopping Campo Grande, antes por ali não tinha nada: era mais mato e fazenda. "Tanto é que encontrávamos preás, capivaras e outros animais ao nosso lado, ainda mais quando o muro daqui de casa era aberto", relembra.
Mas as "vizinhas do barulho" só chegaram na região lá pelos anos 2000, quando ele e sua esposa plantaram uma palmeira no terreno por questões paisagísticas. Outras residências também seguiram o exemplo. Em uma propriedade maior, quase como uma chácara no meio da cidade que antes servia de espaço para festas e agora virou igreja, um ipê frondoso virou o "point" das aves, na esquina do bairro.
"Tem de tudo um pouco. Periquitos, papagaios… mas o principal mesmo são as araras. Pelo menos umas 20 ficam 'paparicando' por aqui. É o happy hour delas", brinca Pedro.
Para Cláudio Rubbo, bancário de 58 anos, realmente não há melhor despertador. "Eu que acordo cedo é até agradável. Sempre do mesmo jeito, acaba que nunca perco o horário! E olha só, daqui há pouco recomeça a sinfonia delas", apontou para o céu. Eram quase 17h, e foi possível escutar seus gritos exagerados.
A natureza que aqui permanece deu seu jeitinho de se adaptar. Professora universitária, doutora em biologia da conservação e presidente do Instituto Arara Azul, Neiva Guedes conhece bem todo esse ritual. Inclusive, o motivo delas estarem aí se trata justamente no final dos anos 90, quando passaram por uma escassez de alimento e retornaram à Cidade Morena.
"Campo Grande tem muitas espécies frutíferas do cerrado e outras introduzidas, então as araras acabaram ficando por aqui e colonizando a cidade, o que virou um verdadeiro centro de reprodução e dispersão. Hoje temos o privilégio de conviver com elas e mais 400 espécies de aves, vários répteis e mamíferos", esclarece.
Pelo trabalho no Instituto Arara Azul, Neiva revela que cadastram e monitoram mais de 300 ninhos espalhados pela Capital. "E se eu não estiver errada, mais de 700 filhotes de araras canindés nasceram nestes ninhos monitorados. São inúmeras residências, empresas e locais públicos em que as araras fazem seus ninhos. Mas também já encontramos araras anilhadas aqui em Campo Grande que, dois anos depois, foram parar em Aquidauana", acrescenta.
Geni Asato, aposentada de 57 anos, não é vizinha de muro com as araras, porém acha um privilégio receber elas no bairro a chamar atenção. "Vivemos numa cidade com essa maravilha, que é poder curtir o verde da natureza em meio ao urbano, em paz. É encantador dar de cara com as araras, então não tem menor problema", considera.
Ninho de amor – A bióloga Neiva explica que nessa época do ano elas até ficam mais "sumidas" porque se trata do final do período reprodutivo. "Os pais estão com seus filhotes e os bandos maiores buscam comida. Por elas não terem uma rotina fixa, isto é, de ficarem pousadas num só local, vagueiam pela cidade".
Atrações turísticas, as araras viraram símbolo de como é viver em Campo Grande. Para ela, é possível sim mantermos esse equilíbrio ecossistêmico. "Ninguém consegue sobreviver numa redoma, no concreto absoluto. Assim como nós, seres humanos, as populações das aves também estão aumentando. Então, é uma arte aprendermos todos a conviver com a natureza no entorno", opina.
Segundo a bióloga, a forma que mais podemos ajudar é sempre manter os troncos de palmeiras mortas disponíveis para as araras, além de plantar espécies de arbustos/árvores frutíferas. Ainda, evitar que animais domésticos (gato e cachorro) perturbem ou ataquem elas.
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