Para quem vive em barraco, melhor presente de fim de ano foi "benzetacil"
Ao fechar 2023, pedreiro, mecânico e donas de casa tentam achar algo de bom diante da vulnerabilidade
Apesar de sonharem com mesa farta de Réveillon e presentes de Natal para toda a família, moradores da Comunidade Esperança, no Bairro Jardim Noroeste, passam dezembro como se os dias fossem “como qualquer outro”. A vulnerabilidade fala mais alto.
José Valdemir de Souza, de 48 anos, se feriu trabalhando e não consegue serviço há seis meses. O pedreiro conta que passou a noite de Natal sozinho e sem uma refeição especial. “Se tivesse como, nós iríamos fazer, mas como não tem, a gente não faz, mas é como Deus quer, né? A vontade de fazer a gente tem, se tivesse trabalhando a gente ia fazer, o que falta é o mais importante que nós gosta, né? Dinheiro”, disse.
Desde que machucou o pé, ele tem apenas benefício que recebe do Governo Federal, pelo Mais Social. Agora é torcer para que em 2024 as coisas mudem. "Hoje eu não tenho (festa). Talvez ano que vem, quem sabe? No dia do Natal eu já tive um presente de Deus, uma benzetacil”, finaliza brincando sobre antibiótico que precisa tomar.
Conforme divulgado na primeira semana de dezembro em pesquisa da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), em Mato Grosso do Sul, no ano de 2022, cerca de 134 mil pessoas viviam mensalmente com R$ 303,00, o que equivale a um quarto de salário mínimo per capita.
Outras 517 mil pessoa vivem com renda de até meio salário mínimo por integrante, o que dá cerca de R$ 606,00. Apenas 8,1% das pessoas responderam que sua família recebe mais de três salários mínimos per capita. Outros 3,9% recebem mais de cinco salários mínimos por pessoa.
Mas a pesquisa também aponta que o índice de extrema pobreza, pessoas que vivem com menos de R$ 10,46 por dia, diminuiu em 2022, indo de 4% para 2,7%. Apesar da redução para a família Claudenir da Silva, de 48 anos, ceias de fim de ano ficam apenas no sonho da família.
Nossos presentes vêm de fora, as coisas estão muito caras. Sempre a gente sonha com coisas boas, né? Mas é difícil as coisas, a gente trabalha e ganha pouco. Se eu tivesse condições eu faria [festa]. É tão bom, né? Mas as coisas hoje tão muito caras, então a gente só agradece pela saúde que a gente tem e aproveita a família toda junta”, contou Claudenir.
Há dez anos, Claudenir divide a casa de madeira improvisada com suas filhas e netos. As diárias em obras vão para comprar os alimentos para casa. Por isso, ela conta que em sua família não há nenhuma tradição de fim de ano
“Acaba passando como uma data normal, só mais uma. Geralmente, vem gente de fora pra doar as coisas, né? Geralmente eles doam várias coisas, alimento, roupa, brinquedo”, relata.
A poucos barracos de distância, pequenos consertos de motos em casa ajudam Adilson Salazar a garantir renda para sobreviver. Em seu barraco moram a esposa e sete filhos com idades entre 7 a 17 anos. A família é beneficiária do Bolsa Família, porém o valor é suficiente apenas para comprar o básico da cesta básica.
Sempre alguém vem e faz uma gracinha. Aí ajuda muito a gente isso aí também. As crianças não sentem tanta a falta porque eles costumam vir com presentes. Aqui eles ganham muita coisa”, relata Adilson sobre ajuda que só aparece quando o ano termina.
Apesar de a maioria dos moradores afirmar que não fez nada para comemorar o Natal, Rosilene Dourado, de 29 anos, tem a família para festejar, por isso a data nunca passa batido. “A nossa família todo final de semana a gente se reúne, mas Natal é um dia mais especial ainda. A gente espera meia-noite e depois vara a noite”.
Com família grande, Priscila Dourado, de 31 anos, vinga com cada integrante dando uma coisa. A intenção é que as crianças cresçam guardando boas recordações, apesar das dificuldades durante o ano todo
“Presente fica mais difícil porque se for pra comprar pra um tem que dar pra todos, só a minha mãe tem 12 netos, daí você pensa. Eu mesmo tenho 7 filhos e a outra tem 4, daí não tem como dar presente. A gente vai ali na lojinha de 20 comprar uma roupinha pra um e pra outro, engana. As mães ficam a Deus dará, mas os filhos ficando arrumados é o que importa. Depois eles podem falar que todo ano minha mãe comprava uma coisa boa pra mim ou todo ano tinha comida gostosa, o importante é se reunir”, diz.
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