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Comportamento

Prefeito diz que Quinta Gospel é de Deus e pastor sugere "Quarta da Macumba"

Ângela Kempfer e Aline Araújo | 15/08/2014 10:10
Show da cantora Cassiane na noite de ontem (Foto: Marcelo Victor)
Show da cantora Cassiane na noite de ontem (Foto: Marcelo Victor)

Se depender da administração municipal, não tem nem choro nem vela vermelha. A turma evangélica que assumiu a prefeitura de Campo Grande deixou claro na noite de ontem que a "Quinta Gospel" tem dono, mesmo gastando dinheiro público no pagamento de cachês e estrutura para os shows. O prefeito Gilmar Olarte subiu ao palco antes da apresentação da cantora Cassiane para defender a exclusividade do evento. “Ninguém vai tentar misturar! Ela é evangélica. É de Deus”, bradou aos 4 cantos.

O assunto virou polêmica por algumas vezes desde que foi criado na administração passada. Primeiro, por colocar dinheiro público em evento religioso, o que não pega bem para um "estado laico", ou seja, teórica e moralmente sem qualquer relação com nenhum Deus ou credo. Depois, por vetar outros tipos de religião, como as de linha espírita.

A diretora-presidente da Fundação Municipal de Cultura, Juliana Zorzo, responsável pelo veto na semana passada à cantora de Tecnomacumba, Rita Ribeiro, também falou sobre o assunto ontem à noite. “Essa prefeitura tem posicionamento e nós não deixaremos nada mudar isso”, admitiu sobre a legião de fiéis que dominou a administração.

O coro foi engrossado pelo pastor Domício Júnior, da 1ª Igreja Batista. Ele ajudou a inflamar a plateia contra a tentativa de outras religiões, dizendo que considera um ataque o simples fato de artistas de outras doutrinas tentarem espaço na Quinta Gospel. Depois, também virou a mira para a imprensa.

“Sites e pessoas mal intencionadas estão tentando destruir o espaço que foi conquistado por alguns legisladores para o público evangélico”, disse ao lembrar da força da bancada evangélica na Câmara, que conseguiu aprovar o uso de orçamento municipal para a Quinta Gospel.

Na argumentação do pastor, “a umbanda tem a linha muito fraca. Vem desde antes de Cristo, logo não é cristã e nem evangélica, ou seja, não é gospel”, afirmou, demonstrando que a proposta de mudança na lei, para ampliar a abrangência da Quinta Gospel, também terá resistência forte.

Cleiton e Caludenice acham que evento deveria ser amplo. (Foto: Marcelo Victor)
Cleiton e Caludenice acham que evento deveria ser amplo. (Foto: Marcelo Victor)

Incisivo, o pastor instruiu o público a não dar ouvidos à mídia e reforçou, categoricamente, que o evento financiado com dinheiro público por meio da Fundação de Cultura é e sempre será destinado apenas ao público evangélico.

“Esse foi um direito que os nossos legisladores conquistaram para a gente. Se a umbanda ou candomblé querem um dia para eles, que os legisladores deles façam o projeto da Quarta da Macumba. Agora não venham mexer no que nós conquistamos. Glória a Deus irmãos!”, terminou.

O evento na Praça do Rádio Clube não estava cheio. De chegada, antes de todos os discursos inflamados, ainda era possível encontrar pessoas com vontade de ampliar a Quinta Gospel, para envolver outras religiões.

O militar Cleiton Ferreira, de 21 anos, e a namorada Claudenice Cardoso, de 17, não consideram problema em ser um espaço para todos.

“É a opinião de cada um. Todo mundo é livre para acreditar no que quiser e a praça é um lugar de todos, então deveria ter de qualquer religião”, afirmou Cleiton.

Pastor usou a palavra para defender exclusividade da Quinta Gospel.
Pastor usou a palavra para defender exclusividade da Quinta Gospel.
Pai e filho tem religiões diferentes e defendem diversidade. (Foto: Marcelo Victor)
Pai e filho tem religiões diferentes e defendem diversidade. (Foto: Marcelo Victor)

A família Telles, por exemplo, dá uma aula de como é possível respeitar as diferenças religiosas, começando dentro de casa. O pai, Diógenes Telles, de 56 anos, é católico. Já o filho Júlio César, de 23, é evangélico da comunidade cristã El Shaddai. Mesmo que em diferentes caminhos, eles comungam da opinião de que não haveria problema um grupo de outra denominação religiosa, mesmo que não seja cristã, se apresentar no evento.

“Eu não conheço o trabalho dela (tecnomacumba), mas acho que no dia viria assistir quem gosta”, pontuou Júlio. Ele também lembrou do caso da banda Católica Rosa de Saron que já se apresentou na Quinta Gospel. “No dia do show deles, tinha gente que nem era convertido. Vi gente bebendo, fumando e todo mundo veio porque gosta deles.” Diógenes ensina: “É só ter respeito e tem espaço para qualquer religião se apresentar. Não tem porque proibir”.

Depois do pronunciamento do pastor e da equipe da prefeitura, passou a ser difícil falar com alguém, principalmente, por eu ser representante da mídia tão atacada no palco.

A auxiliar administrativa Patricia Paula, de 23 anos, aceitou conversar para emendar a conversa do pastor. “Se é gospel, é para o público evangélico. Não tem que misturar”. Ela estava acompanhada pelo “irmão” de igreja, Max Nogueira, de 31 anos, que tem como profissão “servo do senhor”.

Ele acredita que a solução do impasse seria criar outro dia para atender outras religiões. “Tem que abrir outro espaço, outro dia da semana, porque são culturas diferentes e se fizerem no mesmo dia, o público evangélico acaba perdendo espaço.”

E haja dinheiro público para sustentar tanto show religioso nesse tal "estado laico".

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