Quarto intacto fala pela mãe que perdeu filho de 26 anos para a covid
Em quarto intocado, mãe fala o que ficou do filho João, que tinha síndrome rara e não resistiu ao vírus
Na contramão da ordem natural da vida, Andrea Regina da Costa, 53 anos, viveu um dos momentos mais difíceis para uma mãe: o enterro de um filho. João Guilherme foi diagnosticado com uma síndrome rara ainda bebê, tinha uma expectativa de vida curta segundo os médicos, mas aos 26 anos foi o novo coronavírus que o levou dessa vida.
Após quadro de pneumonia e complicações da covid-19, ele partiu em menos de 7 dias. Sem nem poder se despedir do filho – tanto no hospital quanto no caixão fechado –, foi assim que Andrea viu seu "anjinho", como ela carinhosamente o chama, voar para longe.
"Parece que ele ainda vai voltar. Continuo com uma interrogação aqui dentro do peito porque não tive a chance de dar um último beijo e abraço no meu filho querido. Pior coisa é a dor da despedida forçada, mas então sem nem o rostinho dele ou poder tocá-lo… nossa! É um sentimento que me rasgou ao meio", relata a mãe.
"Anjinho" de Andrea não só porque subiu aos céus – como ela acredita fielmente –, mas porque com 1,46 de altura e pesando aproximadamente 105 quilos, João Guilherme era pura bondade, conta. "Ele era um jovem muito sorridente, com uma alegria diferenciada, verdadeira. Por onde ele passasse já fazia amigos. Para ele, todo mundo era seu amigo, do bem. Sua inocência era meu maior medo enquanto mãe, dele se machucar no caminho, mas também era um motivo de orgulho", diz.
A obesidade e baixa estatura de João eram uma das características da síndrome de Prader-Willi, doença genética rara que também provocou um quadro de deficiência intelectual no jovem (dificuldade de fala e cognição), além de hipotonia pulmonar (diminuição do tônus muscular) que, no caso, tinha sua origem na disfunção cerebral.
Mesmo com as adversidades da condição, o rapaz se formou no ensino médio e até pouco antes da pandemia acontecer João se encaminhava para o segundo ano de um curso técnico na Associação Pestalozzi de Campo Grande, no intuito de estar apto a ingressar no mercado de trabalho.
"Meu maior medo era eu ir embora dessa vida antes dele e deixá-lo sozinho. Mas agora que ele foi na minha frente, está doído demais. Mesmo eu estando ciente que a probabilidade dele ir primeiro era mais alta, a ficha ainda não caiu aqui em casa", confirma.
Mesmo com o curto tempo de vida, 26 anos foram suficientes para João Guilherme curti-la de forma entusiasmada. Viajou, conheceu, descobriu. "Ele era fanático pelo Corinthians e amava falar de futebol com os outros. Tivemos a chance de levá-lo para conhecer o Itaquerão. Foi uma temporada muito feliz, pois foi sua primeira vez em muitas coisas, desde andar de avião, de metrô, até conhecer o estádio dos seus sonhos", descreve a mãe.
A última viagem da família foi para o litoral, outra coisa que até então João desconhecia: o mar. Fora o "timão", ele também dividia o amor do futebol ao lado da pescaria. "Sempre que podia, saía com o pai e juntos iam pescar. Eram as duas coisas que ele mais gostava na vida".
Por onde o filho passou, Andrea conta que ele deixou sua marca. "Do seu jeitinho, João era um querido com todos. Confesso que como mãe às vezes eu mesma esquecia das suas dificuldades. Por mais que ainda estamos procurando uma resposta para o que aconteceu, vem muita lembrança boa do tempo vivido ao seu lado", admite.
A covid atacou João de forma fatal. Na família, Andrea foi a única a não pegar a doença, diferente do seu atual marido e do sobrinho – ambos que contraíram o vírus. No momento, o esposo continua internado mas já com previsão de alta. Por mais que todos ali entendessem a gravidade da pandemia – principalmente por causa das comorbidades do menino –, não imaginavam que seguir os protocolos à risca seria insuficiente.
"Na semana anterior à sua morte a gente estava aqui dentro de casa todos juntos comemorando o aniversário do meu sobrinho. Na sua alma de menino, a pandemia era um 'bicho papão' que ele tinha muito medo. Tanto é que sempre me alertava: 'não pode sair sem máscara, mamãe'", recorda Andrea.
Independente da deficiência de João, ela garante que ser mãe de um só filho por 26 anos foi muito pouco tempo – mas, pelo menos, uma jornada especial. "Demorei alguns anos para ter um filho. Quando nasceu, veio a surpresa da síndrome. É claro que enquanto mãe de primeira viagem me passou diversas incertezas, dúvidas se eu seria capaz. Mas conforme os anos foram passando, foi o próprio João quem me ensinou que era o contrário, ele é quem seria capaz".
Para Andrea, mesmo a covid ter entrado em sua casa sem ser convidada e tirado sorrateiramente a vida do seu único "anjinho", a lembrança que fica são todas as boas memórias cultivadas a dois. A última delas, a de uma 'despedida' sem cara de adeus, quando João estava prestes a entrar na UTI (unidade de tratamento intensivo). Ele disse:
Te amo, mamãe. Deus está comigo, mas está contigo também".
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