Se fosse aqui, como seria o caso de “estupro culposo”?
O caso gerou muita revolta em mulheres e ativistas levando a hashtag #EstuproCulposoNãoExiste ao trending topics do Twitter
A decisão judicial que absolveu réu pelo estupro da influencer Mariana Ferrer deu o que falar nesta terça-feira (3), depois de divulgação de vídeo da audiência. O caso gerou muita revolta em mulheres e ativistas levando a hashtag #EstuproCulposoNãoExiste ao trending topics do Twitter e gerou uma série de questionamentos nas redes sociais.
A expressão "estupro culposo" foi usada pelo jornal The Intercept em reportagem para resumir o caso e explicá-lo para o público a tese de "erro de tipo" em caso de estupro de vulnerável, o que levou a absolvição.
A polêmica começou a circular depois que o empresário foi absolvido e os vídeos da audiência mostram diálogos humilhantes direcionados à vítima.
Mas, e se isso acontecesse aqui?
Repercutimos o assunto com a galera de Campo Grande.
O que é mais assustador para a psicóloga Talita Akamine, de 26 anos, especialista em Psicanálise, é o ambiente em que Mariana foi colocada durante julgamento. “Esse lugar da audiência, onde você está buscando algo que é justo, não pode ser um lugar de humilhação”, explica.
Sobre a absolvição, ela avalia como inaceitável. “A mulher tem essa característica enraizada dentro da nossa cultura como um todo, onde nós sofremos violência todos os dias e de todos os tipos. Eu como mulher consigo falar isso, que corremos o risco de violência de todos os lados. A mulher tem uma fala que é sempre desmerecida e silenciada. A gente tem que ir contra tudo isso".
Falando de Campo Grande, ela acredita que a cultura machista ainda se faz muito presente. “Por mais que já estamos visualizando vários grupos lutando pelos direitos, ainda há uma discrepância no sentido de escuta dessas mulheres vítimas de abuso. É algo que realmente me deixa muito mal como pessoa e me fortalece como profissional. Precisamos oportunizar espaços de fala para essas mulheres".
Na opinião da advogada Livianne Alcântara, de 32 anos, esse caso deveria, no mínimo, ser tratado com mais respeito e humanidade. “Particularmente, aqui no Estado, dificilmente veríamos a conduta do juiz de forma tão omissa em relação à realização da audiência. Claramente o advogado extrapolou em suas prerrogativas e não foi contido”, opina.
Pela sua experiência na área jurídica, Livianne acredita que os juízes sul-mato-grossenses, teriam posturas mais incisivas, percebendo a hora de agir. “Não vejo aquela cena, ocorrendo em nosso judiciário, que tem vários programas de proteção à mulher".
Na maioria das discussões, a alegação de “erro de tipo”, mencionada como “estupro culposo”, e encerrado desta maneira, além de inaceitável, aparece como precedente para a impunidade. A advogada concorda. “Esse tipo de ‘entendimento’ abre precedentes. Os crimes sexuais em si já são difíceis de serem trabalhados, muitas vezes a questão da falta de provas e as situações as quais a vítima vai passar para conseguir provar, faz com que muitas desistam. Infelizmente, esse tipo de sentença, abre precedentes para mais casos de impunidades”, diz.
A jornalista Yorrana Della Costa e idealizadora do projeto Papo de Vênus, que valoriza a sexualidade e emancipação de feminina, acha que se fosse com ela o caso teria acontecido da mesma maneira. "Dados de 2016 mostram que 97% dos casos de estupro não resultam em condenação. E não é de hoje que encaramos o machismo do poder judiciário, negligente", argumenta.
Em sua opinião, o caso de Mariana, assim como todos os casos de estupro deveriam ser analisados e julgados pelo viés de gênero, "com profissionais adequados para fazer esse julgamento", explica. "Se na sociedade patriarcal nós não possuímos voz e somos constantemente desacreditadas, diante de qualquer denúncia de violência, o judiciário precisa encontrar outros métodos de medir os fatos esses casos, então. Se nossa palavra não vale de nada, a cultura do estupro que vivemos na sociedade deve ser, de alguma forma, a prova que se precisa para analisar esses casos", defende.
Aos 23 anos, Bárbara Santana Gonzalez, estudante de Publicidade e Propaganda, conta que sofreu agressão física do ex-namorado. Ela foi à justiça, mas ouviu que não havia o que fazer pela falta de embasamento, o caso foi arquivado. Ao ler e acompanhar a repercussão do caso de estupro da promotora de eventos, a estudante se diz impotente. “É muito louco isso, você fica impotente. Se fosse aqui, fico pensando se acontecesse o pior, certamente tentariam avisar a justiça, mas, ninguém iria atrás”.
Para o presidente da OAB de Mato Grosso do Sul, Mansour Elias Karmouche, a conduta do advogado do caso de Mariana Ferrer foi exagerada e passível de punição. “O advogado tem que ser livre dentro de sua defesa, mas existe uma linha que não pode ser ultrapassada. Se o profissional partir para algum tipo de ofensa, estará sujeito sim à punição”.
Nas redes sociais, a delegada de Mato Grosso do Sul, Bárbara Camargo, gravou vídeo na noite de ontem sobre a decisão judicial. Segundo Bárbara, o termo que viralizou não aparece no texto do magistrado, mas está nas alegações finais do promotor do caso, para defender que não haveria como punir o réu.
De acordo com a delegada, a sentença absolve André Aranha com base em outro entendimento jurídico controverso, esse sim existente, o chamado "erro de tipo", no qual se enquadraria o acusado. Ele teria transado com Mariana, estuprado segundo a acusação, sem saber que ela estava dopada e essa versão foi aceita tanto pelo Ministério Público quando pelo julgador.
Ainda conforme descrito, o crime, com esse viés, seria um tipo "culposo". Como não é aceito pela lei brasileira para o estupro, sempre doloso, a decisão foi de inocentar o acusado. Ainda cabe recurso.
A Corregedoria Nacional de Justiça abre procedimento disciplinar para avaliar comportamento de magistrado de Santa Catarina que permitiu ataques verbais do advogado do réu contra a jovem que fez a denúncia. A OAB vai investigar possíveis desvios éticos do defensor.
(Colaboraram Lucas Mamédio e Marta Ferreira)
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