Últimos da família, irmãos vivem juntos para cuidar casa de madeira
Casal comprou terreno por cinco mil cruzeiros na base da economia e venda de arroz
A casa de madeira marcada de tinta azul resiste em uma das esquinas do Bairro Santa Carmélia. Construída em 1975, ela foi lar de um casal de lavradores que realizaram o desejo de só saírem dali para ‘morar’ no cemitério. Eles se foram, mas os filhos ficaram para cuidar da residência que guarda lembranças de décadas atrás.
Durante a tarde, os irmãos Jorge Ferreira, Anésia Ferreira e Maria Aparecida aproveitam a tarde na sombra da varanda porque dentro de casa o calor é demais. Enquanto isso, Darci Ferreira cuida dos afazeres domésticos na lavanderia.
Além dela e Jorge, as outras irmãs são as únicas que não moram na residência. Maria tem a própria chácara em Jaraguari, mas quinzenalmente passa uns dias com os irmãos em Campo Grande. Já Anésia mora numa casa praticamente ao lado da construída pelos pais Francisco e Laura.
É Anésia quem conta a história dos pais e da casa que foi erguida com muito esforço pela família. Antes de chegarem no bairro, eles moravam na fazenda Água Branca onde os pais trabalhavam. Sem casa própria, os pais economizaram por mais de três anos para comprarem o terreno no Bairro Santa Carmélia.
Na época, segundo Anésia, o pai Francisco também conseguiu juntar cinco mil cruzeiros vendendo arroz. “Isso aqui foi com ‘caminhonada’ de arroz que meu pai comprou. Em cada colheita ele guardava um pouco porque tinha outras despesas, então demorou bastante para juntar o dinheiro”, recorda.
Francisco faleceu há 28 anos, aos 73 anos, devido a um derrame. Viúva, Laura continuou morando na casa com os filhos até partir há três anos, aos 95 anos. No tempo que esteve ali, Anésia fala que a residência fez a mãe muito feliz.
“Ela gostava daqui, ela sonhava em mudar antes do meu pai comprar. Ela só não veio antes porque as crianças eram pequenas e pagar aluguel seria difícil”, conta.
Apesar da diferença de tempo entre uma morte e a outra, Francisco e Laura realizaram o desejo comum de permanecerem na casa de madeira até o fim da vida. “Meu pai e minha mãe falavam: ‘Só saio daqui se for no caixão’. Foi isso que aconteceu”, afirma Anésia.
Sem pressa de cumprir a mesma sina dos pais, os irmãos seguem aproveitando a casa de madeira que conserva a mesma estrutura há 49 anos. “Essa é madeira antiga daquela peroba rosa. Isso já não acha mais”, revela Jorge durante a conversa.
A cor azul é uma entre muitas que já coloriram o tom natural da peroba. Conforme uma cor desbota, os irmãos dão um jeito de colocar outra no lugar e assim vai. O quintal demarcado por paletes também é bem cuidado com a grama aparada, árvores pequenas e flores de todas as espécies. Uma das mais especiais é a primavera, que é uma das lembranças que Laura deixou antes de partir.
Recordações é o que não faltam para Anésia, Jorge, Maria Aparecida e Darci. Apesar do tempo que passou, Anésia não esconde a saudade que os pais deixaram na casa. “Tem muita lembrança, é muito difícil, meus pais eram muito unidos com a gente. É uma separação muito doída que Deus nos deixou”, diz.
Mesmo assim, eles seguem adiante no lugar que também proporciona muitas coisas boas, como as tardes de conversa na sombra da primavera e o arroz doce que Maria sempre faz para agradar os outros irmãos.
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