Loja parece só farrapos, mas resiste com pilha de sapatos abandonados
Com mais de 50 anos de história, dono morreu, mas filho não desiste da sapataria que rende R$ 400 por mês
Os instrumentos de trabalho na sapataria do seu Silvano continuam exatamente como o tempo em que o trem deixava passageiros durante todo o dia em Campo Grande. Mas agora o lugar parece abandonado, apesar do filho seguir firme no ofício do pai, falecido no ano passado, vítima de complicações da diabetes aos 80 anos. A fachada entrega a decadência total de uma história contada por Everton Godói e de dezenas de sapatos esquecidos e empoeirados, mantidos no alto de uma prateleira antiga.
“Uso as mesmas coisas que ele usava. Nem sei quantos anos tem, mas quando nasci já existia. Tem mais de 50 anos”, diz o filho.
O martelo, o molde de ferro, prateleiras e todo resto do mobiliário e aparelhagem seguem se deteriorando, como a lona na fachada, que traduz onde chegou o negócio que tinha tudo para ser tradição campo-grandense, pela longevidade. Encardida, a lona está totalmente rasgada em tiras pelo vento, com letras que sumiram 100%.
Mas Everton não desanima, e não tem nenhuma vontade de “largar mão do lugar”, mesmo ganhando no máximo R$ 400 por mês com o serviço. A água está cortada "há muito tempo, por falta de pagamento", diz, mas ele não tem filhos nem esposa, não paga aluguel e, além da alimentação, o único gasto são os R$ 40 de luz. “A água eu peço aos amigos e todo mundo ajuda”.
Inaugurada em 6 de setembro de 1914 e com o último passageiro desembarcando em 1996, tudo foi piorando na vida da família Godói aos poucos. Mas depois que os trilhos deixaram a cidade de vez, o sapateiro Silvano e o filho foram assistindo vizinho por vizinho decretar falência.
Hoje, a portinha de 1,20 metro de largura, antes movimentada pelo entra e sai de clientes que precisavam arrumar mala ou um sapato, é uma das duas lojas que sobrevivem na rua Calógeras, entre a Antônio Maria Coelho e a Maracaju. E nem sempre você encontra aberta, porque admite que exagera na bebida.
Apesar da decepção a cada porta fechada, Silvano Godói era “do tipo gente boa”, diz o filho, que cresceu entre botas, sapatos e bolsas sob conserto. “Ele estava sempre alegre, porque aqui era tudo loja, um fluxo de gente, um lugar cheio de vida. Agora é um lugar morto. Só sobramos nós dois”, aponta o filho para a Selaria do Florêncio, do outro lado da rua.
A mãe ainda vive, tem outra filha, mas Everton resolveu viver na sapataria.
Filho único por parte de pai, a sapataria ficou de herança. Nos fundos, o quarto também é o que sobrou do tempo. Uma cama de madeira e e um varal que serve de guarda-roupas. De família paraguaia, pai e mãe vieram de Pedro Juan Caballero. Por isso o sotaque do filho continua forte até hoje.
Homem de 30 anos, que desde criança aprendeu que precisava trabalhar dia e noite nas fazendas e na construção civil, ele garante ser uma pessoa do bem e faz a propaganda para quem precisa colar uma sola, arrumar alguma peça de couro... “São R$ 20 para trocar saltinhos e R$ 25 para costurar um tênis, por exemplo”.
Everton abre a porta amarela enferrujada lá pelas 8h e fecha às 17h, na Calógeras 2698. No dia da entrevista, por exemplo, tinha só dois pedidos para entregar, que renderiam R$ 50.
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