Com carreteiro e cabeça de boi, encontro reforça tradição e amor pelo chamamé
Encontro foi ensaio especial de grupo que se prepara para o 2º Festival de Chamamé, que será realizado do dia 19 a 23 de setembro.
Amor e tradição são palavras que justificam a devoção de casais, todas às terças e quintas-feiras, pelos encontros de chamamé em um bilhar na Rua Pedro Celestino. Pés riscando o salão e o melhor da música raiz na caixa de som dão ritmo para que o grupo possa ensaiar, trocar experiências e confraternizar com sabor regional do carreteiro.
Mas além da dança animada, nesta última terça-feira, o destaque da noite foi a cabeça de boi, assada durante 22 horas, servida como um dos pratos pantaneiros preferidos dos chamamézeiros.
Criada em Miranda, a administradora Zulinei Medeiros Acosta, de 50 anos, uma das organizadoras do encontro foi só elogios à carne que, além de macia, tem sabor de infância. "Essa carne é do tempo dos meus pais. Antigamente, eu saboreava a cabeça de boi pelo menos uma vez ao mês, inclusive, no café da manhã".
Além de sabor, o prato é tradição, explica Zulinei. "Isso é uma cultura nossa, uma comida essencial para os pantaneiros. Numa carneada em fazenda, não se desperdiça a cabeça de boi. É uma pena que na nova geração não se saiba a importância e o sabor que essa carne tem", diz.
Assim como a administradora, todo mundo aproveitou o momento para trocar experiência em busca de aperfeiçoar os passos. O encontro tem sido frequente para garantir boa desenvoltura dos casais no 2º Festival de Chamamé, que será realizado em Campo Grande de 19 a 23 de setembro, com artistas regionais, da Argentina e Paraguai que completam uma programação intensa de dança e música.
"Os casais fazem parte do Instituto do Chamamé em Mato Grosso do Sul. O grupo é recente, somos 10 casais em que um foi convidando o outro apaixonado pelo ritmo. Mas além de se apresentar, o que gente ganhou foram amigos e uma nova família", diz Zulinei.
A dança que contagia tem gerado muita expectativa. Ramão Marcondes, de 73 anos e a esposa Ana Maria, de 66 anos, estão ansiosos para o grande dia. "Pra gente é um momento muito importante porque o chamamé é mais que uma dança, é um estilo de vida, é que nos mantém sadios", diz Ana.
Dos 46 anos de casados, todos foram comemorados com o ritmo dançante, lembra Ramão. "Chamamé é algo incrível, só quem dança sente. Eu morei em Cuiabá e lá tinha um clube chamado Saionara, com grandes encontros do chamamé. Naquele tempo, tinha a luz negra em que a gente ia com a camisa branca e fazia um verdadeiro show na pista de dança. É algo que a gente nunca vai esquecer".
Mas se houvesse tempo, Ramão e Ana admitem que dançariam todos os dias. "Por ele, toda segunda-feira estaríamos no Clube da Amizade dançando. Sabe aquela conversa que homem não dança? Aqui não existe", brinca a esposa.
O companheirismo é semelhante com Maria Hilda Araújo de Oliveira, de 68 anos e o marido Peralta Alce Toribio, de 63, um dos casais participantes do grupo de chamamé. "Dançar me eleva ao céus. E ele é um exímio dançarino, baileiro", declara Maria.
Ela conta que aprendeu o chamamé na infância quando ainda morava na Fazenda Cristal, em Rio Brilhante. Já o marido é paraguaio e trouxe toda influência do país vizinho para a dança sul-mato-grossense. Hoje, o desafio dos dois é passar o conhecimento adiante. "É uma pena que o chamamé não se ensina nas escolas, tudo o que a gente sabe veio de família, então a gente tentar ensinar como se dança de verdade".
Apesar dos 91 anos, dona Silvéria de Souza, encarou a pista de dança como todo mundo e foi a inspiração da noite. "Eu amo dançar, dança é tudo", justifica.
Na memória de quem aprendeu, emoção também foi ver Enir da Costa Oliveira, de 86 anos, dançando com o filho após uma trajetória de ensinamentos sobre chamamé em Mato Grosso do Sul. "Ela tem 70 anos de chamamé pra contar. Deu aula para praticamente todo mundo aqui. Toda vez que ela dança a gente fica emocionada", diz Rejane Erídes Seichinel, de 58 anos, filha de Enir.
Também contagiado pelo ritmo e amor a cultura sul-mato-grossense, o diretor do Instituto Cultural Chamamé MS, Marcio Nina, considera os encontros importantes para promover a cultura dançante. "O chamamé é a expressão visível de um filosofia de vida que permaneceu por mais de 100 anos e significa a vida de campo do povo sul-mato-grossense. É impossível ouvir o chamamé e não imaginar todas as características do nosso Estado".
Para o evento no próximo mês, o que não falta é empolgação. "Este ano reunimos forças e vamos realizar um evento com projeção nacional. Serão cinco dias de evento com mais de 50 atrações de músicos locais, internacionais e grupos dançantes".
Dirigido por Ricardo Martinez e Cristina Duarte, integrantes e diretores do Instituto, os ensaios ocorrem todas as terças e quintas no Edicel’s Bilhar, na rua Pedro Celestino, 318.