Programação gratuita é chance de conhecer outros parques da cidade
No Vida Nova todo mundo tem uma história com o Parque Tarsila do Amaral, seja de amor ou de ódio.
Quantos parques de Campo Grande você conhece? Por incrível que pareça, ainda tem gente que acha que só existe um parque em toda a cidade. Se 2018 passou e você só ficou andando em círculos pelo Parque das Nações Indígenas, saiba que você está perdendo de conhecer outros lugares que têm quase os mesmos atrativos e talvez fiquem até mais perto da sua casa.
De 26 de dezembro a 25 de janeiro, o projeto “Férias no Parque” vai levar atividades recreativas a cinco parques da capital. E para mostrar que Campo Grande tem mais parques do que a maioria das pessoas imagina, o Lado B vai até os bairros mostrar esses parques e as histórias que as pessoas têm com eles. Vem com a gente!
O primeiro parque escolhido para receber o evento é o Tarsila do Amaral, que fica na divisa entre o bairro mais feminista de Campo Grande e o Vida Nova III, na região norte da cidade. Na véspera do natal, dia 24, foi até difícil encontrar moradores nas ruas para falar sobre o parque, mas com pouco tempo de caminhada pelo bairro encontramos algumas histórias de pessoas que viram a região crescer e a construção do Parque Tarsila do Amaral, chamado por eles apenas de “poli”, por ser um centro poliesportivo.
Sobre a programação especial no parque, Maykon Botelho, de 18 anos, que trabalha na barbearia em frente ao poli, não bota muita fé: “só acredito vendo”, diz ele, em tom de brincadeira. Mas admite que o parque vez ou outra recebe alguma ação - “direto eles colocam cartaz aí, divulgando algum evento que vai ter”.
O barbeiro diz que o parque é a programação de lazer do bairro, onde as pessoas vão se encontrar e passar o tempo, sair um pouco da rotina. “Depois do almoço, todo dia o pessoal cola aí, até as 21h tem gente no parque”. Mas o poli não é só lazer - ali acontecem projetos sociais como o Bombeiros do Amanhã, que Maykon participou quando criança. “O parque já ajudou muita gente. Tem projeto aí antigo que as mães colocam os filhos pras crianças não ficarem na rua”, relata ele, que mora no bairro “quase a vida inteira”.
Na barbearia, os jovens indicam Dona Rose, a presidente da associação de moradores do Residencial Vida Nova III: “ela mora ali na rua da caixa d’água, é só perguntar lá pela Dona Rose, que todo mundo conhece”. Eles estavam falando de Rosemeire Souza, de 48 anos. Apesar de ser a representante do bairro, nem ela estava sabendo da programação especial de férias prometida pela Prefeitura, e ficou feliz ao receber a notícia: “olha que bênção! Tudo que tem ali a comunidade participa - hidroginástica, pilates, aeróbica, o projetos dos bombeiros - porque aqui na vila o que as crianças têm é o parque. Tirando o Poli é molecada na rua”, explica ela.
No dia 24 encontramos Dona Rose preparando cestas de natal, que foram entregues a famílias carentes da região. Ela e a presidente do Clube de Mães do Vida Nova, Beatriz Bucker, de 58 anos, fizeram uma ação entre amigos que no ano passado distribuiu o presente para 16 famílias. Esse ano elas conseguiram montar 23 cestas com as doações que arrecadaram, e ainda vão conseguir doar brinquedos para as famílias com crianças. Elas contam que a ação é surpresa para quem recebe, e que elas conseguiram saber da situação dessas famílias pelas assistentes sociais que atendem o bairro. “Se a gente for atender o bairro todo, a gente não dá conta. Então escolhemos pessoas com câncer em fase terminal, deficientes, vítimas de derrame, pessoas que não conseguiriam ter uma ceia de natal, sabe”, explica ela, que espera conseguir atender ainda mais gente em 2019: “ano que vem, se Deus quiser, vamos conseguir ajudar 30 famílias!” determina.
Sobre a ideia de distribuir as cestas, Dona Rose nos conta que tudo começou com uma experiência que ela teve na própria rua onde mora. “Tem uma vizinha aqui no bairro que cria os netos e tem uma menina especial de 25 anos. Quando eu cheguei na casa dela, no ano passado, ela estava fritando pelanca pras crianças e guardando a carne para ceia de natal deles. Quando eu vi aquilo, partiu meu coração. Daí eu reuni vários amigos, várias lojas daqui do bairro, cada um doou um pouco e assim a gente consegue ajudar essas famílias. A gente entrega no dia 24 porque se entregar antes, quando chega no dia do natal a família não tem o que colocar na mesa, é bem difícil a situação”, relata.
Percorrendo as ruas do bairro, chegamos a um campo de futebol feito de terra batida onde encontramos o aposentado João Pereira, de 62 anos. Lenda viva do bairro, ele ensina futebol no Vida Nova há várias gerações. Atualmente atendendo cerca de 70 crianças em sua escolinha, ele já ensinou os primeiros passos do futebol a crianças que hoje são jogadores profissionais espalhados por toda parte. Quando é perguntado sobre a mensalidade das aulas “antes de qualquer taxa, eu cobro o respeito do seu filho”, diz ele aos pais que o procuram para matricular seus filhos na escolinha de futebol.
Seu João explica que o campinho de terra onde eles jogam resiste há décadas reunindo quem busca no esporte um refúgio para a dura realidade da região. “Primeiro veio esse campo aqui, de terra. Depois veio o poliesportivo. Mas o campo lá já está desativado, não dá pra usar. E aqui a gente continua usando, fazendo nosso campeonatinho”, conta.
Esse ano eles fizeram a 11ª edição do já tradicional campeonato do Vida Nova, disputado entre o time dos casados e o time dos solteiros. Esse ano a experiência falou mais alto e não teve jeito: placar de 5 x 4 pros casados, que vencerem a disputa. João diz que o campo não recebe só gente do Vida Nova, mas reúne os bairros da região norte toda.
Um dos talentos descobertos por João é Hércules Soares. Afastado dos gramados por conta de uma lesão no joelho, ele jogou em times como o SERC, de Chapadão do Sul, o Novoperário, e o União ABC, clube onde se aposentou. Hoje, sem poder voltar aos campos como jogador, ele pensa em dar aula de futebol no bairro, onde começou sua carreira no mundo da bola. “tô fazendo um curso do Sindicato dos Treinadores de São Paulo, e quando eu tiver meu certificado eu penso sim em dar aula aqui no bairro. O futebol foi uma coisa que me ajudou muito. O amor dessas pessoas foi uma coisa que salvou minha vida. Tive oportunidades que se não fosse o esporte, eu não teria. Não só de oportunidade, mas de visão de vida, de mundo mesmo. E tudo começou aqui nas escolinhas de futebol da vila”, conta ele, que com 13 anos saiu de MS para jogar profissionalmente no Paraná e depois em São Paulo.
E a escolinha do Seu João também já exportou jogadores até para fora do Brasil. É o caso de Edil Barros, de 28 anos, que hoje é jogador do Concordia Elblag, time europeu do extremo norte da Polônia. Vivendo no país há mais de dois anos, ele diz que só aprendeu o idioma graças à namorada que conheceu lá. Quando fala da namorada, Edil lembra que jogou no time dos solteiros, e brinca que vai ter de se explicar quando voltar à Polônia no fim das férias.
Apesar das condições em que atua na Europa, com uma estrutura completa à sua disposição, ele confessa que sente falta do estilo de vida que tinha aqui no Vida Nova e dos campinhos de terra que. “Lá não tem nada disso que a gente tem aqui. Porque independente da situação que a gente vive, o brasileiro dá um jeito de se divertir. A gente tem uma alegria que lá não tem. Lá não pode nem andar sem camiseta, é muito diferente. Pra mim, lá é só trabalho mesmo, eu prefiro aqui. Lá é tudo bonito, tudo profissional, mas eu prefiro aqui. Jogar no campo de terra, me sujar todo, como eu fazia antes”, admite ele.
Edil agradece ao futebol de bairro e à Seu João, por mostrar a jovens como ele, o caminho do sucesso. “Se não tivesse isso aqui, a gente não sabe onde estaria essa rapaziada aí hoje”, e critica a ação da Prefeitura, que segundo ele, só aparece no bairro uma vez por ano: “isso daí não adianta muita coisa, assim uma vez por ano. A gente precisa de coisas durante o ano todo”, argumenta.
Assim como o Tarsila do Amaral, o próximo parque a receber a ação da Prefeitura é o Ayrton Senna, do Aero Rancho, nos dias 2, 3 e 4 de janeiro. Se você mora nas redondezas, fique ligado que o Lado B vai passar por aí pra contar o que tem rolado no bairro e conhecer as suas histórias.