Tragédia fez aniversário do bairro São Conrado mudar para outubro
De favela para bairro, o local nasceu em setembro de 1974, mas moradores mudaram data com medo de uma 3ª Guerra Mundial
Marcado por tristeza, o 11 de setembro é um dia que desde o ataque às torres gêmeas do edifício World Trade Center, em 2001, mudou a vida de moradores do bairro São Conrado, em Campo Grande. Quando escutaram a tragédia no noticiário, muitos, acreditaram que era o início de uma catástrofe. “Estava trabalhando quando chegou uma pessoa falando do desastre e pensei que haviacomeçado a 3ª Guerra Mundial”, lembra o morador Henos Segovia, que há 41 anos vive na região.
O dia amanheceu feliz, mas acabou triste após terroristas sequestrarem quatro aviões e lançarem dois contra as torres, causando a morte de aproximadamente três mil pessoas em Nova Iorque. Por aqui, o bairro completava 27 anos e a data que era motivo de alegria, deixou todo mundo em pânico.
Por conta da tragédia, os moradores se reuniram e decidiram mudar a comemoração para outubro. “É um dia simbólico, marcado pela tragédia. Era criança e estava jogando bola quando soube, também pensei que estivessem começando uma guerra. Por isso, conversamos com os moradores e mudamos a comemoração”, explica Robson Ximenes, 29 anos.
Agora, 18 anos após o ocorrido, os moradores voltaram a sorrir e resolveram se organizar para realizar a primeira festa de aniversário do São Conrado, que acontece neste sábado (19). O evento vai comemorar os 45 anos do bairro que nasceu a partir da antiga Favela Marimbondo, em 1974, como consta no livro Ata da Associação dos Moradores do São Conrado.
“Tudo começou com uma favela, onde hoje é a rua Praia Grande. Não existia rua e eram poucas as casas”, comenta Teco. Apenas uma trilha feita por carroças dava acesso ao local. “Nem taxi entrava aqui, mas evoluímos e agora estamos a 12 minutos do Centro”, diz Teco.
Ele mudou-se com a família para o bairro quando tinha um ano de idade e hoje, 41 anos depois, lembra nitidamente da região. “Era mato, colonião e meu pai fez uma tapera para morarmos lá”, relata. Eles ficaram na favela por alguns anos até a condição melhorar e conseguirem comprar uma casa mais ao centro. “A gente faz fronteira com a Base Aérea e lembro de sair de casa e ver os soldados deitados no chão, treinando. Via eles camuflados e até me assustava. Tinha uns cinco anos na época”. Com o passar dos anos a favela “acabou”.
Por conta da base, os militares tinham influência na região e alguns foram homenageados com nomes de ruas, como; General Ângelo Frulegui da Cunha; Mojor José Pinto; Rua Coronel Athos P. da Silveira; Tenente Flávio José de Carvalho; Major Juarez Lucas de Jesus; Sargento Jonas Sérgio de Oliveira. “Os antigos contam que são os nomes de soldados que morreram após um helicóptero militar cair aqui. Mas, não sabemos o motivo e nem quando isso aconteceu”, relata o morador Teco.
Antes de se tornar bairro, a região era destinada para plantação e por conta disso, o mato tomou conta do local por muitos anos. Na época, não tinha energia e as estradas por onde as carroças passavam eram tomadas por brejos. O bairro parecia um cenário de filme, que foi gravado num pântano e a aparência fez surgir a lenda do lobisomem.
“Era terrível. Todos os lobisomens do mundo existiram aqui no São Conrado”, brinca Teco. Ele conta como a lenda começou. “Tínhamos muito medo, pois era só matagal e as carroças passando. Diziam que lobisomem gostava de atacar cavalos”, recorda.
Foram tantos fatos marcantes que deixaram saudades. Só quem é morador raiz frequentou a festa “Paquera” no Tiziu. O encontro acontecia aos domingos, na lanchonete Pop da Dona Luzia. Colocavam uma caixa de som na varanda, reunia a galera e quem estivesse afim de alguém falava para o locutor. “Ele dizia no microfone que fulana estava de olho em você”, lembra Teco.
Outra coisa que só quem vive há quatro décadas na região vai lembrar, é do banho na cachoeirinha. “Diz que é do São Conrado, mas nunca tomou banho na cachoeirinha. Essa ficava dentro da base e o pessoal ia lá”, conta o morador.
Teco é um entre os oito irmãos. Filho de baiana com paraguaio, morou por um ano na Vila Jacy, mas cresceu no São Conrado, onde seus irmãos nasceram. “Esse bairro é minha vida, tenho raízes e não saio do local. Sinto saudade daquela época, hoje moro com minha esposa aqui”, afirma. Hoje, ele trabalha como atendente numa lanchonete de manhã, é mensageiro a tarde e no período noturno frequenta a faculdade. “Faço Educação Física e tento trazer meus aprendizados para colaborar com os moradores”.
Futebol - Os jogos nos campos do bairro também marcaram época. Teco lembra da infância e da fase adulta, quando brincava com os colegas. “São Conrado respira futebol e tivemos o maior campeonato amador de futebol do Estado aqui. Fazíamos a competição dos solteiros contra os casados e quem perdesse jogava de saia no outro dia. Demos uma parada nos últimos três anos, a idade avançou e foi diminuindo o ritmo”, diz.
Teco recorda que antigamente, a região era violenta, mas isso mudou com a implantação do esporte. “O morador passou a frequentar o campo. Antes, todo fim de semana uma pessoa era executada por conta de briga, mas o futebol trouxe inclusão. Temos o espaço terrinha e terrão que é o local onde tinha um lixão. Os moradores pediram um campinho de lazer em família e agora estamos organizando um campeonato feminino para este ano”.
Foi através dos jogos que começaram a reunir os moradores desde a década de 90. Em 2011, foi criado a Atlética do São Conrado e em 2012 a população se reuniu para fazer as festas do Dia das Crianças. Neste ano, o evento será celebrado na festa de 45 anos do bairro.
Aparecido Oliveira Santiago, 64 anos, foi um dos primeiros moradores a chegar no local. Tinha 29 anos quando conseguiu comprar um terreno e se mudou com a família. “Fui o segundo a comprar o lote. Passamos sufoco, pois não tinha luz e era um brejão. A energia chegou através de mutirão feito pelos moradores. Aos poucos fomos evoluindo e hoje, o local virou o paraíso”, conta.
Foi ele quem montou a primeira padaria do bairro. “Sou padeiro e confeiteiro. Aprendi a profissão com 11 anos e aqui montei a lanchonete e vendia pão caseiro, mas aposentei da profissão há uns oito anos. Contudo, muitos ainda me procuram para pedir pão, fico feliz. Tenho minhas receitas que são segredinhos”, diz. Cido é tão com na cozinha que recebeu a missão de fazer o bolo de aniversário do bairro. “Começarei a fazer na sexta, terá uns dois metros e o recheio de chocolate”.
Simpático e sorridente, Aparecido ganhou o apelido de Cido. “Todos me conhecem assim. Quando viemos pra cá, tinha apenas a favela do Marimbondo que hoje é a rua Praia Grande. A segunda rua construída do bairro foi a Leão Zardo, para a passagem do ônibus”.
Tempo depois, se mudou para Aquidauana, onde permaneceu por oito anos até retornar a Capital. “Quis me aventurar, mas senti saudades e voltei para o meu cantinho. O bairro me representa tudo pra mim. Vi nascer e crescer desenvolver”, destaca.
Luzia Santiago, 85 anos, é a mãe de Cido e aproveitou a conversa para lembrar de quando se mudou com os filhos da Vila Jacy para o local. “Viemos porque morávamos de aluguel e aqui não pagaríamos nada. Quando chegamos a coisa era difícil. O ônibus passava longe e tinha muita lama. Naquele tempo, um filho meu estava internado na Santa Casa e costumava pegar ônibus para visitá-lo”.
Evolução e festa - Robson Ximenes é o atual presidente do bairro. Ele mora no local desde os cinco anos de idade e hoje, aos 29 anos, quer resgatar a história da região e fazer a festa de aniversário acontecer anualmente. “Será nossa tradição. Os comerciantes, amigos e moradores participam dos eventos e até criamos a sigla Amojosc [Amo Jardim São Conrado], como forma de demonstrar o amor pelo bairro”.
Na época que foi para o bairro, pegou o finalzinho da Favela Marimbondo. “Montamos um barraco no meio do local. Ficamos algum tempo até conseguir outro terreno. Tinha poucos moradores, depois aumentou o número para 500 e hoje temos 21 mil. Essa informação peguei na Unidade Básica de Saúde e a quantidade é porque também temos dois condomínios aqui”, explica.
Ele comenta sobre o evento que ocorrerá neste fim de semana. “Já fazíamos a festa do Dia das Crianças, mas mudamos a data para celebrar também o aniversário do bairro. Conseguimos parcerias com a Secretaria de Cultura e Turismo e outros apoiadores. Primeiro será realizado as ações sociais a partir das 13h30, com atendimento médico, cortes de cabelo”, conta. A programação faz parte do projeto “Arte no meu bairro”, e ocorrerá na rua Pampulha, ao lado do CRAS São Conrado.
Das 14h às 17h acontece o projeto “Brincalhão”, e a criançada vai ganhar presentes e participarão da pintura facial. Elas vão ainda comer cachorro-quente, bolo, algodão doce e matar a sede com refrigerante.
Já a partir das 17h, no Campo Gramadão São Conrado os moradores vão curtir a mistura da vaneira, sertanejo e chamamé, com os shows do Grupo Laço de Ouro e Alcir Rodrigues e Banda.