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Aceitar a morte também é aprender a viver bem, diz especialista em luto

Graziele afirma que é preciso falar sobre o tema e valorizar a vida enquanto há chance

Alana Portela | 10/06/2019 08:59
A psicóloga Graziela Mongelli realizou a palestra falando sobre a morte e os cuidados paliativos com as pessoas diagnóstica com doença grave (Foto: Henrique Kawaminami)
A psicóloga Graziela Mongelli realizou a palestra falando sobre a morte e os cuidados paliativos com as pessoas diagnóstica com doença grave (Foto: Henrique Kawaminami)

A morte é um processo natural, porém doloroso e poucos sabem encará-la de frente. A dor da perda ou de saber que a pessoa amada pode partir a qualquer momento, faz refletir sobre a vida e a forma que estamos vivendo. Psicóloga e pós-graduada em psicologia do luto, Graziela Mongelli realizou um debate sobre cuidados paliativos na Assembleia Legislativa, desmistificando o tema e alertando que, é preciso aceitar a morte para ter qualidade de vida.

“Começamos a ter medo da morte e a vemos com dificuldade, principalmente porque é questão de finitude. Ninguém quer morrer, mas também um monte de gente que não vive. Quando se estuda sobre o tema, aprende a viver e os valores mudam. Pense, e se eu tiver só um dia de vida, o que farei?”, pergunta à psicóloga.

O assunto da palestra assusta, parece mau agouro, porque ninguém está acostumado a falar tão naturalmente sobre isso. A morte continua sendo considerada um tabu e ninguém quer que ela se aproxime. Contudo, Graziela afirma que quando se pensa morte, a pessoa reflete sobre a vida e na valorização dela.

“Não precisa chegar no momento de quase morte para valorizar a vida. Não tem que ter um infarto e sobreviver para querer cuidar da saúde, isso você já sabia. É preciso buscar o ‘porque’ de determinadas razões, dos vícios, compulsões”, diz. “Quando morre alguém a primeira coisa que falam é que não precisa sofrer e tem que seguir à diante, porém isso é porque quem fala não dá conta da morte e precisa que acabe logo”, diz.

A psicóloga fala sobre as pessoas que são diagnosticadas com doenças graves ou estão na fase terminal da vida. “Alguns olham o idoso e pensam que já vai morrer mesmo, e como ele mostra a realidade que muitos não querem ver, o excluem”, afirma. “Quando a mulher recebe o diagnóstico de câncer de mama, ela não está sentindo dor. Contudo, ela sofre pensando que vai morrer, se vai fazer mastectomia, como é quimioterapia, os cabelos vão caindo. Nisso entra os cuidados paliativos, que não tratam a vida, pois essa pessoa está viva”, completa.

Graizela conta que é preciso aceitar a morte para viver melhor (Foto: Henrique Kawaminami)
Graizela conta que é preciso aceitar a morte para viver melhor (Foto: Henrique Kawaminami)

Graziela atua na psicologia há três anos e também está se especializando em cuidados paliativos. Ela conta que esses cuidados têm que ser multiprofissional e interdisciplinar. “Os médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais vão ver como é a pessoa que está na fase terminal, como funciona a questão do apoio na família, os recursos que ela tem e a partir disso, o tratamento começa”, explica.

“Quanto mais cedo entrar com os cuidados, mais qualidade de vida a gente vai dar porque trabalhamos com o conceito ‘Dor Total’, que é a dor física, psicológica, social e a espiritual. Mas só consigo cuidar dessas dores se a física for tratada”, relata.

Conforme a psicóloga, o jeito para enfrentar uma situação difícil e ajudar quem realmente precisa é ouvir e validar a dor. “A pessoa que passa por isso precisa ser ouvida e o sofrimento tem ser validado. Não é só dizer vai dar tudo certo, tem que escutá-la, saber das angústias. Preciso tratar essas dores para resolver o que pode ser feito”.

É quando estão de cara com morte, que as pessoas pensam nas coisas que sempre tiveram vontade de fazer. “Tem gente quer viajar, mas não precisa ter um diagnóstico grave para fazer isso. Será que não consegue dar um jeito de economizar para fazer outro tipo de viagem e aproveitar a vida de outra forma?”, questiona.

Mas aceitar a morte não significa deixar os cuidados paliativos de lado, pois são benéfcos tanto para o paciente quanto a sua família. Com o adoecimento os sentimentos reprimidos vêm à tona. “Discussões, disputas, ciúmes, pessoa não quer cuidar. Tem toda isso diante da doença e todos adoecem. Se fizer o cuidado paliativo, o luto fica menos difícil. A pessoa sofre de forma diferente, mais consciente da morte na questão natural”, diz.

A palestra foi realizada no auditório da Assembleia Legislativa e contou com poucos participantes (Foto: Henrique Kawaminami)
A palestra foi realizada no auditório da Assembleia Legislativa e contou com poucos participantes (Foto: Henrique Kawaminami)

Antecipação - Graziela relata que muitas pessoas sofrem por antecipação, por quererem adiantar algo que deve ocorrer no tempo certo e isso acarreta problemas. “Um jovem pensando na aposentadoria ou está no trabalho, mas lembrando das férias. Isso é sinal que está insatisfeito com sua vida, tem que mudar esse pensamento para poder viver, prestar atenção no que é importante para si. Viva um dia de cada vez, não queira que aconteça antes”, diz.

Uma pessoa que está doente, com depressão precisa de uma rede de apoio, para entender o motivo de ter chegado na “lama”. “Não chegou lá de uma hora pra outra, tem um processo e ai tem que dar significado novamente à vida dele. Na psicologia a gente faz uma ressignificação da vida, buscando sentido”.

A psicóloga comenta sobre suicídio. “As mortes que não são permitidas ocorrem, mas não é por isso que a pessoa que perdeu alguém, não esteja sofrendo. Tem que ouvir para entender o que está passando e aí dar um jeito de mostrar outra perspectiva para ela. Contudo quem perde, nunca vai deixar de viver aquela dor”, afirma.

Segundo Graziela, em dezembro de 2018 saiu uma resolução dispondo da obrigatoriedade dos cuidados paliativo no SUS (Sistema Único de Saúde). Entretanto, ela afirma que no Brasil as pessoas morrem sem dignidade. “A gente morre muito mal, em condições horríveis, sem dignidade, com dor e isso não é morte”, destacou.

Magda Costa teve um jeito diferente de lidar com o luto após ficar viúva (Foto: Henrique Kawaminami)
Magda Costa teve um jeito diferente de lidar com o luto após ficar viúva (Foto: Henrique Kawaminami)
Luiz Carlos é professor de línguas e enxerga a morte como um ritual bonito (Foto: Henrique Kawaminami)
Luiz Carlos é professor de línguas e enxerga a morte como um ritual bonito (Foto: Henrique Kawaminami)

Curiosidade e aceitação - Após a morte, quem fica sofre com a dor da perda, no entanto, existem várias formas de lidar com a situação. O tema da palestra e de fazer aceitar que todos um dia vão morrer gerou curiosidade na funcionária pública, Magda Costa. Ela conta que ficou viúva aos 29 anos e teve um jeito diferente de enfrentar o luto, porém queria entender porque agiu daquela forma.

“Fiquei curiosa com o tema e tive uma experiência diferente. Estava no auge da minha vida, era gerente de banco, tinha um filho de quatro anos e foi um momento que fui forte. Meu marido faleceu e fiz de conta que isso não aconteceu, continuei trabalhando. Não sei se foi um momento de fuga, porém isso me fez forte. A minha dor maior seria ver o meu filho triste, entretanto, quando ele me viu bem, ficamos bem. Retomei minha vida, agora tenho outro casamento maravilhoso”, disse.

Para ela, ficaram apenas as lembranças boas, mas o fato de não entristecer na época gerou culpa. “Não chorar traz um pouco de culpa e a gente tem que conviver com a situação de morte. O direito de chorar, sapatear e reclamar todos tem, porém fragiliza. A perda me fez valorizar a vida, porque hoje não durmo sem dizer ‘Eu te amo’ para meu atual marido”, revelou.

O professor de línguas, Luiz Carlos também aceita a morte e até gosta do tema. “Gosto muito do ritual da morte, da música clássica e até o enterro é bonito, cheio de flores. Todos consideram a morte um tabu, mas penso diferente porque a ela vai chegar para todos, faz parte da vida”, fala.

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