Após 20 anos, mulher descobre que dor no sexo tem nome e tratamento
Durante anos, essa mulher ouviu de médicos que bastava "relaxar"ou "praticar" para sexo com penetração não doer
"Aquela dor, aquela coisa terrível, parecia que estava rasgando, queimando. Arde, é uma coisa horrível". Essa é a descrição que Clarice, nossa personagem de nome fictício, faz sobre a vagina durante as tentativas de relações sexuais com penetração. Aos 44 anos, ela aceitou dar seu depoimento nesta extensa reportagem sobre vaginismo e vulvodínia, para que outras mulheres possam receber ajuda sem esperar 20 anos.
Com a condição de não serem identificadas, o Lado B ouviu várias mulheres. A história mais longa é de Clarice, que dos 44 anos de vida, passou duas décadas sem nomear a dor que sentia ao tentar fazer sexo com o marido.
"Não sei há quanto tempo eu tenho, porque eu estou casada há 20 anos, antes eu não tive relação sexual com outros garotos. Só descobri quando a gente tentou fazer relação sexual e foi aquela coisa monstruosa".
O casamento aconteceu em dezembro, e até abril ela tentou fazer sexo como se é amplamente conhecido, através da penetração. As dores eram na vagina, e ela chegou a relatar isso para vários médicos.
"Fui em um ginecologista que falou: 'não, isso é porque você casou agora, você está com medo. Então, vou te passar um anticoncepcional, você vai tomar, vai ficar segura, não vai ter medo de engravidar tão rápido e vai conseguir'. Eu tomei milhares de cartelas, e nada aconteceu", diz Clarice.
Não teve uma pessoa que dissesse ao menos que depois de tentar, se ela não conseguisse romper a barreira que a dor trazia, poderia voltar para buscar tratamento. "Foi como se nada existisse. Eu não sei como que as pessoas descobriram ou se foi alguém que orientou, vaginismo? Algo que contrai a musculatura? O que é isso?"
Foi somente nas férias deste ano, que Clarice encontrou um depoimento no Youtube, e se identificou com a fala do vídeo, era uma moça que descrevia exatamente os mesmos sintomas. "Aí entrei no Google para encontrar profissionais em Campo Grande, e apareceu o nome de fisioterapeutas", conta.
A conversa com a gente é leve, e Clarice não demonstra ressentimentos pela vida sexual. Pelo contrário, faz questão de falar quão ativa é. "Essa região para mim não tem problema nenhum, tipo clitóris, é só lá dentro. Mas eu não tenho uma dor ou um luto, isso não me causou nenhum peso", enfatiza.
O único lamento é que se ela tivesse tido um encaminhamento médico à época, teria buscado tratamentos. "E eu acredito que tem outras mulheres por aí guardadas, escondidas, e que talvez nunca vão descobrir ou maridos que podem entender que é uma frescura, que a mulher está fazendo charme. No meu relacionamento eu sempre expliquei e foi tudo muito aberto, mas deve ter mulher que deita para o marido 'fazer o serviço', e que aguenta uma dor terrível, ou que acha que o problema está no pênis, que talvez precise mudar de parceiro. Mas não, o problema está na musculatura da vagina, que é um campo não muito explorado", comenta.
Vaginismo e vulvodínia - O Lado B chegou ao assunto sugerido pela vivência clínica da fisioterapeuta uroginecológica Adélia Lúcio, que já trata de pacientes há anos em Campo Grande. "O grande problema é que a área da saúde, no geral, não só a medicina, é pouquíssimo treinada para reconhecer estes sintomas nas mulheres", afirma.
No vaginismo, a mulher com medo da penetração vaginal, acaba contraindo a musculatura da vagina. "Ela não consegue relaxar, a maioria das mulheres têm fobia da penetração, e então ela não permite que o pênis entre", explica Adélia. As causas podem ser psicológicas, como ansiedade ou algum trauma da infância, uma criação muito rígida e até mesmo reflexo de abuso sexual.
Na vulvodínia, não é mais só uma causa psicológica, são fatores co-relacionados. "A vulvodínia é a dor na vulva da mulher, onde elas relatam que sentem dor na relação sexual, mas ainda conseguem permitir a penetração, mas sentem dor, queimação", diferencia. A causa podem ser fatores biológicos, mecanismos do parto, questões hormonais, genéticas, ou mesmo disfunções.
"Uma coisa interessante é que 60% das mulheres com sintomas procuram ajuda, mas 40% delas nunca serão diagnosticadas", aponta Adélia. O tratamento é feito a base de medicações e envolve toda uma equipe multidisciplinar a depender de cada caso. "Quando a gente vê que a causa é de fundo emocional devido a um estupro, um abuso sexual, a gente encaminha também para psicólogos. Em alguns casos, até nutricionista porque a vulva fica suscetível a dor dependendo também do que a pessoa come", pontua a fisioterapeuta.
Muitas das pacientes chegam até a fisioterapeuta Adélia depois de pesquisarem em blogs e encontrarem o nome da especialidade que trata a questão. Ela, por sua vez, atende às mulheres, mas encaminha primeiro ao ginecologista para que sejam feitos os exames e a avaliação necessária a fim de descartar bactérias e doenças.
"A fisioterapia é feita para dessensibilizar os pontos, fazemos o tratamento para tirar o excesso de informação nervosa que chega à região da vagina. São utilizados diversos recursos fisioterapêuticos desde o uso de calor e frio, eletroestimulação, exercício do assoalho pélvico, e em alguns casos, vamos treinando também com dilatadores vaginais", descreve a fisioterapeuta.
Se identificou com os sintomas? O Lado B também ouviu a médica ginecologista e obstetra especialista em patologista do trato genital inferior, Meire do Rosário Barboza, sobre como identificar a vulvodínia, que diferente do vaginismo que é a contração muscular, não tem necessariamente causa psicológica, mas se trata de uma síndrome.
"A vulvodínia é um desconforto ou dor vulvar crônicos, de duração mínima de três meses, caracterizado como ardor, irritação, queimação, coceira ou sensação de “picada” na região vulvar, que não estão associados à infecção, inflamação , doença neurológica ou neoplasia identificável na região genital", explica a médica
Pode haver dor na relação sexual, que pode durar horas ou até dias depois, como também dor no uso de absorventes internos, aplicadores vaginais, roupas justas, exercícios como andar de bicicleta e o exame ginecológico.
A literatura médica não traz uma causa específica para a vulvodínia, o que se acredita é em uma teoria multifatorial, incluindo fatores genéticos e embriológicos, inflamação crônica, disfunção muscular do assoalho pélvico, alterações hormonais, alterações em vias nervosas, dietéticas, fatores imunes e psicossociais .
Por onde começar - A análise da paciente com vulvodínia começa pela avaliação dos sintomas, investigando mudanças de vida, estresse, medicamentos, lactação, menopausa ou cirurgias. Também é preciso descartar a possibilidade de irritantes locais, como sabonetes e absorventes.
O diagnóstico de vulvodínia é de exclusão e é realizado diante do teste do cotonete positivo. "Trata-se de um teste simples, no qual a paciente gradua a dor sentida ao toque da genitália externa com um cotonete. O ginecologista toca levemente a vulva para identificar áreas de dor", descreve.
O objetivo primário do tratamento não é a ausência de sintomas, mas sim a melhora do desconforto, da função sexual e o retorno às atividades diárias. "O tratamento isolado não é eficaz, e atualmente se baseia em cuidados locais/autocuidado, medicamentos tópicos e orais, aconselhamento sexual, psicoterapia e fisioterapia pélvica".
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