Endometriose é como um “furacão” que já dura quatro anos na vida de Kelly
Doença levou parte do intestino e enfermeira chegou a usar bolsa de colostomia por um ano
Sentir dor não é normal. O dilema da técnica de enfermagem Kelly Cristiane Araújo do Amaral, de 38 anos, começa em fevereiro de 2015, quando o desejo de ser mãe a fez descobrir a endometriose. Como um furacão, a doença virou sua vida de cabeça para baixo, levou um pedaço de seu intestino, a afastou do emprego e ainda assombra seu útero e trompas.
Há quatro anos, Kelly decidiu pausar o anticoncepcional, na tentativa de engravidar. O medicamento foi usado desde o início do casamento durante 16 anos e, segundo os médicos, o fato pode ter mascarado o problema ao longo dos anos.
A Endometriose é uma inflação na parede do útero, mas cresce em outras regiões do corpo. Alguns sintomas são as dores no período menstrual, infertilidade e dores nas relações sexuais com penetração. A real causa ainda não foi descoberta, mas no caso de Kelly, o uso prolongado dos anticoncepcionais pode estar entre os fatores.
A técnica de enfermagem foi diagnosticada com a endometriose profunda quando os focos da doença são maiores. Nesta classificação, os sintomas são mais intensos na menstruação e a paciente normalmente é submetida a tratamento cirúrgico.
“Eu não sabia que tinha essa doença. Eu sempre fiz preventivo, transvaginal, mas ela não aparece nesses exames de rotina, só na tomografia ou ressonância. Quando parei o remédio tive uma dor insuportável no abdômen e corri para o 24 horas. Naquela época eu ainda não tinha o plano de saúde. O médico pediu uma ultrassom urgente e quando eu levei o resultado ele já disse que meu caso era cirúrgico e que iria me encaminhar ao primeiro hospital que tivesse vaga, na época me encaminharam para o Hospital Universitário", conta.
Kelly ficou oito dias internada. O médico viu que o ureter, canal do rim, estava inchado com uma hidronifrose, desconfiou de uma pedra nos rins e disse que ela teria de operar. No HU fez mais exames e na tomografia descobriram a endometriose profunda. Ela começou no útero, passou para os ovários, para as trompas, para o ureter e chegou ao intestino.
Os sintomas são as dores e o fluxo intenso. O ginecologista falava que era normal e prescrevia remédio. "Amenizava, mas toda menstruação era uma tortura", lembra.
Kelly recebeu alta do HU e o médico alertou que ela estava com uma bomba-relógio dentro do corpo. A paciente achou que a cirurgia seria rápida pelo SUS, mas para não morrer foi obrigada a iniciar um plano de saúde, em setembro de 2015, sete meses após o diagnóstico. O problema é que a autorização para o procedimento tinha carência de dois anos.
“Pelo SUS fiz um tratamento com remédios de 2015 a 2017, porque o médico não queria me operar. Ele dizia que meu caso era sério e que eu poderia ficar na mesa [morrer]. Nesse período, procurei outro médico pela Unimed e ele começou o acompanhamento para a cirurgia. Em todo o tempo, a Unimed não autorizava a cirurgia e no mês que eu fiz dois de plano eu tive uma obstrução intestinal, meu intestino obstruiu 99%. Antes da obstrução eu já estava fazendo o preparo para uma colostomia para ver o intestino, mas algo deu errado e ao invés de limpar o órgão, começou a obstruí-lo. O intestino cresceu e minha barriga ficou enorme”, conta.
A técnica foi levada às pressas para um clínica, onde uma espécie de cateter iniciou a limpeza do órgão. Kelly foi para a cirurgia, em setembro de 2017, consciente de tudo que poderia acontecer, inclusive sair com uma bolsa de colostomia. Foi dito e feito.
“Ele tirou um pedaço do intestino e naquele momento não tinha outra opção. Fiquei no CTI por muitos dias, todos achavam que ia morrer. Pesei 49 quilos. E minha vida se resumiu ao trajeto de casa e hospital. Minha imunidade caiu e como o corpo não absorvia os nutrientes, por causa da bolsa de colostomia, fiquei com uma anemia que não curava. Passei por várias transfusões de sangue”, conta.
Um mês depois o médico chamou Kelly para reversão da bolsa, já que o caso não era definitivo. O problema é que no exame descobriu uma trombose na veia porta do fígado e a bolsa teve que permanecer por mais um ano. A notícia abalou ainda o psicológico de Kelly, que além do anticoagulante passou a usar as meias compressoras, que permitem o retorno do sangue venoso e da linfa pelas pernas em direção ao coração de forma mais eficiente.
Em outubro de 2018, aconteceu a remoção da bolsa e o intestino voltou a funcionar. O problema é que a imunidade de Kelly nunca mais foi a mesma. Afastada das atividades há dois anos, a técnica ainda não pode voltar a trabalhar em hospitais.
“Mexeu com toda a estrutura do meu corpo, plaquetas e leocócitos baixos, meu baço aumentou devido a grandeza da cirurgia, meu fígado é acompanhado direto por conta do anticoagulante e a veia da porta do fígado não funciona mais. A alteração no sangue melhorou, mas imunidade não melhora”, explica.
Muitas mudanças aconteceram nessas quatro anos. A técnica conta que sempre foi ressecada e eu não entendia. Hoje até a alimentação é diferente. “Não posso comer nada muito seco, farinha, carne muito passada porque o intestino prende. Esses dias estava em Jaraguari e passei mal depois de uma carne e passei mal, a barriga cresceu e eu já me preocupei. Voltamos às pressas e no hospital descobri que o intestino estava obstruindo de novo”, conta.
Milagre de Deus – Kelly gosta de dizer que sua vida hoje é um milagre de Deus. Desde o diagnóstico ao procedimento cirúrgico, muitas coisas aconteceram, mas a fé é capaz de mover montanhas.
“Sou um milagre porque quando meu médico me operou nem ele acreditou que eu sobreviveria. A cirurgia em si tinha sido um sucesso, o problema foi a hemorragia. Hoje ter um filho será um milagre de Deus, porque pelos olhos humanos a doutora quer tirar meu útero e as trompas. Ela teme me levar para a mesa de cirurgia por conta do sangue coagulado, uma veia a menos. Mas eu creio que Deus, é um Deus do impossível. Eu estava muito positiva para operar e de repente eu não quero mais operar, eu vou ouvir a voz de Deus. Vou conversar com ela [médica] e quero saber o que ela tem para me dizer. Ela me deu a opção de tentar engravidar ou tirar o útero, mas ela disse que um filho agora será um milagre”, afirma.
Depois da terrível experiência, Kelly faz alerta às mulheres. “Não é normal sentir dor, não é normal ter cólica. Fluxo intenso ou é mioma ou é endometriose. Sentiu dor, diferença no ciclo menstrual? Vai atrás. Hoje em dia o tratamento pelo SUS é complicado e se eu tivesse esperando eu não estava mais aqui. Até hoje não fui chamada para a cirurgia no HU”, finalizou.
Tem uma experiência ou história transformadora para contar? Compartilhe com a gente. Mande para o Lado B no Facebook, Instagram ou e-mail: ladob@news.com.br