Psiquiatra “desenha” que depressão não é tristeza e doença pode pegar todos
Nunca é demais falar sobre depressão ainda mais nos tempos em que internet pode ser gatilho
Os 15 anos como médico psiquiatra deram a Adriano Bernardi do Prado bagagem para praticamente "desenhar" o que é a depressão nos aspectos da doença e a importância de se ter empatia quando se lê nas redes sociais o desabafo de alguém que está depressivo. Entre muitos comentários de apoio que o paciente pode ler do outro lado, há também quem ataque e critique. Dia desses o Lado B se deparou com uma postagem do psiquiatra que, de forma didática, explica o que há anos o jornalismo tenta discutir em reportagens sobre depressão.
Depois que alguém põe para fora que a depressão lhe pegou, seja pessoalmente ou ainda que virtualmente, muita gente oferece apoio, tenta entender, dar conselhos. E aí começa o texto do médico falando que há sempre três tipos de pessoas:
"- Os que realmente apoiam e se importam.
- Os maldosos que atacam e criticam sem ao menos saber o que está acontecendo, e no fundo só querem usar o sofrimento alheio para afirmarem seu ego frágil...
- Os que falsamente apoiam "porque é o certo", mas que no fundo querem criticar e até secretamente se regozijam de ver alguém sofrer, por despeito, inveja ou pura projeção de suas frustrações.
"Tá vendo como aquele casamento nem era tão bom assim?"
"É uma fresca! Tem tudo e ainda reclama!"
"Nunca ganhei flores do meu marido e não fico de mimimi..."
"Se tivesse fé em Jesus não ficava deprimida."
"Queria ver se fosse uma mulher passando fome na favela, etc,etc,etc"
Ou seja, aquela crítica velada, aquela alfinetada, aquele ressentimento disfarçado.
Por vezes por pura inveja, por vezes por ignorância, mas sempre por falta de empatia.
Muita gente enche a boca para falar que "se curou da depressão sozinha", porque mudou de igreja, tomou "chá de baba de virgem", fez "coaching", tomou shake dietético ou fez alguma outra coisa que prova o quanto ela é f* por ter "superado sozinha"... (Afinal na sua visão egocêntrica, só os "inferiores" precisam de medicação)...
Mas depressão não é tristeza.
A tristeza é um sentimento comum que todos sentem em algum momento da vida, onde geralmente há um motivo (exemplo: traição, perdas, etc), a reação é culturalmente proporcional ao motivo (exemplo: seria natural sentir tristeza extrema pelo luto por um filho, ou uma moça estuprada ficar muito abalada por semanas ou meses, mas não seria razoável tentar suicídio por perder um celular...), há pouco prejuízo em outros aspectos (ou seja, você está triste com uma coisa mas "funciona" em outras) e há melhora gradual.
Já a depressão é uma doença onde há a interação de três aspectos:
O aspecto "físico", o psicológico e o social.
De maneira simplificada, o "social" seria a vida que levamos.
Os fatos que acontecem na nossa vida, e que nem sempre temos controle. Um casamento em crise, uma vitória numa competição, uma perna quebrada, ganhar na mega-sena, viajar, um chefe chato ou qualquer outro evento.
As pessoas tendem a exagerar a importância desse aspecto, ignorando os outros.
Como se apenas pessoas "azaradas", miseráveis, que passem por desgraças ou com "vida sofrida" tivessem direito a ter depressão. Mas então por que atores vencedores do Oscar se suicidam? Por que modelos milionárias usariam drogas? Por que um profissional de sucesso pode ter ataques de pânico?
Outro aspecto por vezes exagerado e por vezes menosprezado é a questão psicológica, que em resumo seria o modo como a pessoa "interpreta os fatos", ou seja, como o "social" influencia a vida dessa pessoa. Aqui entra a personalidade, inteligência, sabedoria, traumas, crenças, filosofias e todos os fatores que definem nossa consciência e maneira de pensar.
Não existem duas pessoas no mundo que interpretem tudo igual. Nem mesmo irmãos gêmeos terão exatamente as mesmas experiências que vão moldar nosso aspecto psicológico. Os fatos acontecem e a mente interpreta com base nas nossas vivências, valores, etc.
Conforme nossa interpretação, nosso cérebro reage, de acordo com seu padrão bioquímico "programado geneticamente". E essa "reação" envolve produção de neurotransmissores, sistema hormonal e vários fatores "físicos" que ainda não conhecemos em sua totalidade.
E a depressão envolve justamente uma reação disfuncional do cérebro, seja por sobrecarga de estresse, deficiências de neurotransmissores ou mesmo todos os fatores juntos. Mas em essência é uma DOENÇA onde as emoções não são sentidas de maneira natural por conta de problemas químicos no cérebro (em interação com os aspectos social e psicológico).
Uma pessoa deprimida não consegue sentir prazer, alegria e motivação apenas com a força do pensamento ou recebendo atenção. É como tentar ligar um carro que está sem gasolina. O carro pode ser maravilhoso, você pode lavar o carro ou até chutar o carro que ele não não vai ter como funcionar.
Assim como a pessoa deprimida tem uma falha no funcionamento das suas conexões cerebrais que não vai funcionar ouvindo críticas, rezando ou simplesmente "pensando positivo". Alguns fatos são interpretados quase de maneira ‘’universal’’como negativos ou positivos, como perder um ente querido, por exemplo.
Mas o sofrimento e prazer são extremante relativos e cada um dará o seu significado particular às experiências que vive. Não existe uma escala de sofrimento universal. Nem sofrimento mais ou menos digno.
Mulheres lindas, com pais amorosos, maridos atenciosos e filhos maravilhosos podem se sentir culpadas por não conseguirem voltar a trabalhar depois que o filho nasceu. Ou culpadas porque precisaram voltar ao trabalho cedo demais e acharem que estão sendo relapsas com o filho. Ou serem modelos milionárias que se sentem vazias porque são vistas como burras e criticadas por não serem "mulher para casar". Ou serem pessoas com múltiplos talentos, mas que se cobram uma perfeição inatingível em apenas um aspecto nos quais são pressionadas por parentes...
O sofrimento de um não alivia o sofrimento de outro. Existem coisas grotescas, como crianças torturadas, pessoas em zonas de guerra, estupros em guerras tribais, fome e todo tipo de desgraça.
Mas isso não justifica menosprezar o sofrimento de outra pessoa só porque "é pouco". Se eu quebro uma perna, eu sinto a MINHA dor e minha dor é válida. Não preciso ouvir que "existem pessoas sem as duas pernas!"
Assim como pessoa deprimidas sofrem duas vezes. Primeiro por terem que lidar com um sofrimento enorme, de uma doença traiçoeira que causa tristeza, falta de prazer e muitos outros sintomas terríveis. E segundo porque muitas vezes são julgadas por ignorantes sem empatia, o que as faz questionar seu valor como pessoas ouvindo críticas injustas... Justamente por estarem sofrendo!
Todos somos humanos, todos sofremos, todos tentamos viver da melhor maneira possível e nenhum de nós sabe todos os mistérios da vida.
Então não custa ter empatia ou ao menos não atacar gratuitamente as pessoas que não conhece e não entende apenas para sentir-se bem consigo mesmo.
Abraço
Adriano Bernardi Do Prado"