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Sabor

Com piso jogado fora, Clara construiu marmitaria e acabou com depressão

Cozinheira buscou socorro em 2 lugares quando percebeu que não tinha mais vontade de viver

Thailla Torres | 04/10/2022 06:10
Clara tem o maior orgulho das quentinhas que faz em casa. (Foto: Marcos Maluf)
Clara tem o maior orgulho das quentinhas que faz em casa. (Foto: Marcos Maluf)

O lugar é bem simples, de longe parece a portinha de alguma residência no Monte Castelo, mas é só chegar perto para sentir o aroma do feijão cozido na panela de pressão e o arroz temperado com bastante alho, uma regra na cozinha da dona Clara.

As três mesas de plástico na calçada ganham freguesia por volta das 11h30. São amigos e vizinhos que há três anos já se acostumaram com o sabor da comida feita por Clara Batista Oliveira Machado, de 68 anos.

Ela é dona da Marmitaria Oliveira, mas prefere se apresentar à reportagem como a pessoa que “ama fazer quentinhas”.

A esquina com pouco mais de 30 metros quadrados é uma parte da residência que ela vive há 50 anos e que há três anos virou cozinha para vender marmitas que custam R$ 20,00.

Aos poucos dona Clara foi deixando o local mais apresentável. Do revestimento na parede ao balcão de alvenaria, ela fez tudo na raça.

Clara conta que os diferentes pisos colocados no chão e nas paredes foram todos assentados por ela, e sem ajuda. “Há muitos anos eu trabalhei numa construção e aprendi algumas coisas olhando, por isso, fiz tudo sozinha”.

Cozinheira mostra pisos que ela colocou sozinha. (Foto: Marcos Maluf)
Cozinheira mostra pisos que ela colocou sozinha. (Foto: Marcos Maluf)

Alguns revestimentos foram comprados pela cozinheira, o restante ela diz que encontrou no lixo. “Um dia estava passando em frente uma obra e o pessoal estava descartando esses pisos, eu pedi para pegar e eles me deram”, diz toda orgulhosa mostrando o porcelanato colocado em uma parte da calçada.

O balcão onde faz as anotações e recebe dos clientes foi construído por ela depois de levar  um susto com o orçamento da marcenaria. “Me cobraram R$ 3 mil para fazer um balcão de madeira, então comprei tijolo, ferro e massa e fiz meu balcão, depois mandei colocar um mármore em cima”.

O fotógrafo questiona se ela não teve dores na coluna na hora encarar todo o trabalho pesado e ela jura que não. “Nunca tive dor nas costas, minha dor foi só a depressão”.

A doença foi a maior razão de Clara fazer da esquina uma marmitaria, em 2020. “Deprimi na pandemia. Imagina trabalhar a vida inteira e depois ter que ficar em casa? Senti uma tristeza profunda até o dia que senti vontade de morrer. Nesse dia eu assustei e corri para o psiquiatra. Comecei o tratamento e resolvi trabalhar em casa, Busquei socorro em dois lugares, no psiquiatra e na cozinha”, conta.

Caderno onde ela anota todos os pedidos e ingredientes que precisa comprar. (Foto: Marcos Maluf)
Caderno onde ela anota todos os pedidos e ingredientes que precisa comprar. (Foto: Marcos Maluf)

Foi assim que ela construiu a cozinha para fazer marmitas ou "quentinhas", como ela prefere chamar.

O clientes fazem encomendas no dia anterior. Clara acorda às 4h da manhã sabendo tudo o que precisa preparar. “Não tenho nem medida, faço de cabeça”, diz.

O tempero é o diferencial. “As pessoas gostam da minha quentinha porque não tem química. Aqui é tudo com alho, cebola e sal, mas não muito sal”, diz.

Por volta das 10h30, a comida fica pronta e, às 11h, a clientela chega para buscar o almoço. Tem gente que senta nas mesas e almoça, mas a partir do meio-dia as panelas já estão vazias. “Faço tudo na medida e não sobra nada. Aqui a comida é fresquinha”.

Depois de todas as entregas, Clara organiza a cozinha e fecha o estabelecimento. À tarde, ela inicia outra jornada, dessa vez da fé.

Testemunha de Jeová há décadas, Clara faz estudos bíblicos e bate de porta em porta para levar palavras de fé à comunidade. "Para servir ao senhor não podemos ter preguiça”, diz.

A andança segue até às 16h quando ela retorna para casa, descansa e se prepara para cozinhar tudo de novo na madrugada seguinte. “Aqui não tem cansaço, faço tudo com muito amor”.

Todos os dias, beija-flor aparece como companhia para quem almoça. (Foto: Marcos Maluf)
Todos os dias, beija-flor aparece como companhia para quem almoça. (Foto: Marcos Maluf)

O sorriso no rosto prova o carinho de Clara pela cozinha, mais do que isso, é um sentimento de conquista. “Foi na cozinha que criei meus filhos e dei estudo”.

Mãe de dois engenheiros, uma professora, uma administradora e um cozinheiro que hoje tem a própria padaria, ela diz que só tem motivos para sorrir. “A cozinha só me ajudou. Com ela cuidei da minha família e agora estou saindo da depressão”.

Além do sabor, ela também capricha nos detalhes para deixar a varanda onde serve o almoço com um clima mais agradável. Tem planta por todo lado e, todos os dias, ela ainda serve água fresquinha para o beija-flor. “Todo mundo fica encantado quando ele aparece”, finaliza Clara, que reforça o convite para quem quiser saborear uma comidinha caseira.

O cardápio vai de carne com mandioca a dobradinha e peixe durante a semana. Aos sábados tem feijoada, “daquela bem completa”, reforça a cozinheira.

Quem quiser comprar marmita com Clara ou contratar seus serviços como cozinheira, o telefone é (67) 99266-0389.

Marmitaria na Rua Santa Maria esquina com Zola Cícero, no Monte Castelo. (Foto: Marcos Maluf)
Marmitaria na Rua Santa Maria esquina com Zola Cícero, no Monte Castelo. (Foto: Marcos Maluf)

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