Em filme, doce com feijão é o recomeço; já na vida real, faz a alegria de Suely
Somente a paciência oriental para esperar o ponto da massa e do feijão, assim como só a persistência de quem viu um filme e quis sentir o sabor para chegar até Suely. A delicadeza com que é feito o dorayaki contrasta com a risada fina de quem está ali, se divertindo ao cozinhar.
Dorayaki é um bolinho japonês, assado na chapa. "O Sabor da Vida" é um longa de 2015, também japonês, da diretora Naomi Kawase, que delicadamente conta a história de Sentaro, o gerente de uma lanchonete e Tokue, uma senhorinha de 75 anos, que vê o anúncio de emprego e se candidata. Diante da primeira recusa, ela volta ao local com o bolinho embalado. A receita encanta e desperta sentimentos no chefe.
Na tela, a história em volta da receita é linda e foi a redenção dos personagens. Na vida real, são lembranças da infância de Suely que voltaram ao paladar dela quando chegou do Japão a primeira vez e precisava conciliar um trabalho e a rotina de mãe.
"Eu aprendi com a minha tia, ela fazia muito quando eu era criança, no Ano Novo e eu adorava", conta a feirante Suely Kiomi Gonda Shinzato, de 43 anos. No retorno ao Brasil, anos atrás, ela pediu para essa mesma tia lhe ensinar a receita e depois de feitos, era a sogra que os vendia na feirona.
A massa dele é, como Suely compara, igual a de um bolo normal. Leva ovos, leite, açúcar, fermento e farinha. "Eu também coloco mel, tem muitas receitas japoneses que levam mel ou shoyu, no doce mesmo", detalha. O recheio tradicional é o de doce de feijão, feito a partir do grão azuki, muito rico em nutrientes.
"Ele é muito bom para quem tem pressão alta, é mais rico em nutrientes do que o normal. Eu pesquiso para falar com os clientes", se justifica. Suely tem a fala mansa típica dos japoneses e ao mesmo tempo em que demonstra agilidade com as mãos, faz tudo com tanta suavidade que é impossível imaginar que da cozinha dela não saiam bons pratos.
No filme, Tokue explica que o segredo que faz a lanchonete amanhecer lotada no segundo dia de trabalho, está no "conversar" com os feijões, ouvi-los e senti-los. Em outras palavras, está no tempo no fogo baixo e entre as mexidas de colher.
"O feijão fica de molho de um dia para o outro e depois de cozido, eu tiro todo o líquido, bato no liquidificador, cozinha 1h até endurecer. E não adianta tentar apressar e fazer com pressa", avisa a feirante. De tempero? Açúcar cristal e uma pitadinha de sal.
Na barraca da feira "Sushi Doces Orientais", da família de Suely, o dorayaki ganhou outras opções de recheio: creme, morango e chocolate. E no início, era dado como amostra grátis, uma forma de deixar o público mais confiante.
"Mas doce japonês, de feijão? Ah, doce japonês de creme? Mas será que é bom? Todo mundo ficava meio desconfiado, mas depois acaba se rendendo", brinca. E foi assim que o dorayaki foi caindo no gosto do campo-grandense, há cinco anos o produto é vendido às quartas e sábados na Feira Central e também tem sob encomenda, pelo 9622-1996.
Cada bandejinha, com seis unidades, é vendida a R$ 10,00. No Japão, Suely explica que a receita é feita redondinha, mas que ela faz de acordo com a chapa que tem em casa. "Toda receita tem que ser ser feita com amor, não é? Você tem que entender a massa, entender o doce", resume.
O tradicional, de feijão, é servido lá acompanhado de chá verde. E a feirante orienta o mesmo por aqui. Já o de creme... "Geladinho ele fica uma delícia! Tem quem leve para comer no outro dia com leite, de café da manhã. Assim eu nunca provei, mas também deve ser bom".