Sem uma gota de água onde deveria ter 4 metros, Rio da Prata é cenário desolador
A partir da Ponte do Curê, são seis quilômetros de terra por onde corria o rio cristalino
“Os rios gostam de entardecer entre os pássaros”. A poesia de Manoel de Barros tem parcial sentido em trecho do Rio da Prata. De fato, ali debaixo da Ponte do Curê, na MS-178, em Jardim, no entardecer da quarta-feira (dia 3), os pássaros cantavam alegremente, mas por seis quilômetros de leito não há rio para ver.
Em termos numéricos, basta dizer que a reportagem do Campo Grande News não encontrou uma gota de água onde deveria ter rio com até quatro metros de profundidade.
Debaixo da ponte, só há terra e cenário desolador. Um peixe morto na lama, ao lado do caranguejo. Pedras, antes cobertas pela água, não formam mais cachoeira. Também não é preciso mais caiaque para vencer as corredeiras. Basta caminhar com cuidado para não escorregar no leito liso do rio.
O Prata, corpo hídrico de águas cristalinas, volta tristemente ao noticiário seis anos depois de ter sido tingido pela lama. O “rio vermelho” foi em 2018, quando a falta de curva de nível em fazendas, somando à chuva forte, levou terra para o leito. Em julho de 2024, são seis quilômetros de rio seco, sendo três quilômetros acima da ponte e outros três abaixo.
Pelo leito equipe do Instituto Guarda Mirim Ambiental de Jardim fazia o percurso na coleta de informações para apuração do Ministério Público. Cena parecida só existe na memória relativa ao ano de 1983, mas nunca num quadro tão severo.
“Veio aqui um casal, que viu reportagem e veio ver o rio. Eles são lá de Guia Lopes. Ela contou que pulava com os filhos daquela pedra e não imaginava ver o rio assim. Ver de perto foi mais impactante do que na reportagem. Aqui era um poço de quatro metros”, conta Nisroque da Silva Soares, diretor do Instituto Guarda Mirim Ambiental de Jardim.
De acordo com ele, a água começou a baixar no dia 18 de junho. “Hoje, nós encontramos o último local onde ele está correndo, que dá num poço. Ali, ele para o fluxo”. A busca é para saber onde o rio some e ressurge. Além de avaliar se há desvio do curso. Por enquanto, nesses seis quilômetros, o rio corre só debaixo da terra. Ao todo, o corpo hídrico tem 90,7 quilômetros de extensão. Antes e após o trecho em que desaparece, o rio segue visível e permitindo os passeios nos atrativos.
Nascentes do Pantanal
O Prata é tributário do Rio Miranda, que, por sua vez, deságua no Rio Paraguai, o mais importante do Pantanal.
“A gente tem monitorado as principais nascentes em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul que abastecem o Pantanal. Todas têm um grau de contribuição. Mas é mais fácil citar as nascentes que estão boas do que as que estão degradadas. Apena o Olho D’água tem nascente preservada. Ele é afluente do Rio da Prata, não lembro de outra”, afirma o biólogo Sérgio Barreto, do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), que acompanhou a reportagem na visita ao leito seco do Prata. O Olho D’água nasce em uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural).
Ele explica que a saúde hídrica do Rio da Prata depende da proteção dos banhados, também conhecidos como os brejões. Uma solução é transformá-lo em unidade de conservação.
Desde 2018, a equipe do “Programa Cabeceiras do Pantanal”, mantido pelo IHP, trabalha no Rio da Prata, desde as áreas de nascentes no banhado até sua foz com o Rio Miranda.
As áreas de nascentes são as que tiveram a maior área suprimida e drenada. E elas são de grande importância, pois essas nascentes são difusas. Isto é, não sai água jorrando do chão, mas aflora por toda parte e vai formando pequenos veios superficiais que são recolhidos por uma rede de cananículos até um pequeno córrego ou até um sumidouro, que pode ser visível ou subterrâneo. E o principal, e que pode ser entendido como pior fator prejudicial à essas áreas, há drenagem nesses locais. A drenagem dos banhados acaba ocorrendo por uma questão de falta de conhecimento do papel de importância que eles têm”, enfatiza o biólogo.
Sérgio explica que acontece a exploração inadequada desses locais. Pois, quando uma vala é aberta, a água escoa, rebaixando o seu nível no solo. Na sequência, morre a vegetação (como o capim-navalha), e, consequentemente, desaparece a fauna associada.
“Uma alternativa seria, por exemplo, a criação de uma unidade de conservação, que são áreas com características naturais relevantes, instituídas pelo poder público, que têm entre suas finalidades a preservação, o uso sustentável e a recuperação dos ambientes naturais para proteção do Banhado do Rio da Prata. O governo estadual tem se mostrado sensível. É preciso executar decisões que protejam o futuro de inúmeros empregos que dependem desse ecossistema, que são gerados a partir do ecoturismo”, afirma o biólogo do Instituto Homem Pantaneiro.
O brejão do Rio da Prata é uma área úmida no limite entre Bonito e Jardim. Ele abrange várias fazendas e funciona similar ao rim, filtrando os sedimentos. Em 1984, a área do brejão era calculada em 7 mil hectares. Passados 34 anos, foi reduzida para 5 mil hectares.
Após o alerta do rio tomado pela lama, em 2018, uma série de medidas foram tomadas: conservação do solo nas fazendas, caixa de retenção da água pluvial nas estradas para reduzir a força da enxurrada e a lei de proteção aos banhados.
Publicada em 16 de dezembro de 2021 pelo governo do Estado, a Lei 5.78 instituiu como áreas prioritárias banhados nas nascentes dos rios da Prata e Formoso. A lei abrange 13.659 hectares nos municípios de Bonito e Jardim. Contudo, a avaliação é de que a legislação vai precisar de reforço.
“O mais urgente de tudo é entender qual a política que tem no banhado, se você perguntar qual o delineamento do banhado, existem várias interpretações e, o principal, não existe zona de amortecimento para o banhado, que tem importância fundamental para a saúde hídrica desse rio”, destaca Sérgio.
A reportagem questionou se a Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação) acompanha a situação do Rio da Prata, mas não recebeu resposta até a publicação da matéria.
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