Feminismo não é o contrário de machismo, ensina novamente ativista
Entenda o fenômeno dos movimentos masculinistas e o que está por trás do aumento dos casos de feminicídio
Veja o podcast completo:
Na semana em que Campo Grande sedia um Congresso Nacional para discutir igualdade, paridade e democracia, o Na Íntegra podcast recebe a coordenadora de Projetos e Ações Temáticas da Subsecretaria de Políticas para a Mulher de Campo Grande e Vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, Márcia Paulino.
Entre os assuntos abordados, o principal foi o feminicídio. Os casos frequentes registrados em Mato Grosso do Sul refletem uma realidade ampla e devastadora. Esse tipo de crime, uma qualificadora do homicídio em função da questão de gênero, é uma tipificação recente no Brasil, e vem crescendo de forma escalonada em todo o mundo.
Mas qual o motivo de tanto ódio?
Segundo Márcia, que é ativista pelos Direitos da Mulher há mais de 15 anos, a resposta passa pela observação desse fenômeno em âmbito doméstico. Ela defende que o que enfrentamos hoje é uma espécie de projeção dessa realidade.
“É como se houvesse uma mensagem da dominação machista, patriarcal, dizendo para as mulheres assim: “Obedeçam! Olha o que acontece com as mulheres que não obedecem. É o que as teóricas têm apontado”.
Machosfera - Nesse ponto, Márcia fala sobre os movimentos masculinistas que propagam a misoginia na internet, reforçando o estereótipo do homem macho e viril, na tentativa de refrear os avanços dos direitos das mulheres. Os machosferas, como também são conhecidos, disseminam o ódio contra as mulheres nas redes sociais, impondo uma “masculinidade tóxica” para se manterem no controle. “Tem grupos assim no mundo inteiro”, diz Márcia, que interpreta essa forma de subcultura masculinista, como investidas fadadas ao fracasso, já que a transformação da mulher é um caminho sem volta.
Essa reatividade exacerbada que pode se manifestar através da agressividade e da violência contra a mulher carrega um entendimento distorcido sobre o conceito do feminismo. Márcia, que já publicou um livro com relatos de mulheres que viveram esse drama, dedica hoje, boa parte da vida profissional a esclarecer e orientar pessoas para desfazer esse tipo de crença.
“Os homens também precisam ressignificar aquilo que foi introjetado como papel de homem. O que é uma masculinidade respeitada hoje em dia? É a do machão, do cara que fica com várias, que é sedutor, controlador, provedor. Muitos homens proíbem a mulher de trabalhar, justamente, para exercer esse controle sobre ela”, explica.
Segundo a pesquisadora, a resistência dos homens em se adequar a essa nova realidade das mulheres só tem uma explicação: o medo de perder os privilégios.
“O feminismo não é o contrário do machismo. O machismo é a ideia de superioridade do homem sobre a mulher. O feminismo não é, e nunca foi a ideia de superioridade das mulheres com relação aos homens. O feminismo é a busca por condições de direitos e oportunidades iguais. Hoje nem se fala mais em igualdade. Nós somos diferentes. O que a gente quer é que homens e mulheres tenham acesso a direitos e oportunidades da mesma forma. Isso é o feminismo!”
Feminicídio – Ao falar sobre o número cada vez maior de feminicídios, Márcia faz questão de ressaltar que o momento mais perigoso para a vítima que consegue sair do ciclo da violência são os três meses pós-rompimento. “É um sentimento de perda de controle por parte do agressor, e é nesse momento que o ódio vem, na forma de uma violência muito cruel. Essa sociedade ainda não respeita o poder de decisão, a autonomia das mulheres. Eu costumo dizer que o feminicídio, nessa questão de evolução do ciclo da violência, de rompimento da relação, ele é uma manifestação muito forte de que essa sociedade não respeita o poder de escolha da mulher”, explica.
Sobre o caso recente que ocorreu no município de São Gabriel d'Oeste em que uma jovem foi morta a tiros por um idoso que a teria contratado como garota de programa, a ativista alerta para um comportamento característico do agressor.
“O feminicídio tem na base essa ideia de objetificação. A mulher é uma coisa que, quando não serve, pode ser descartada ou até morta”.
Bandeiras Vermelhas – Como estudiosa do assunto, Márcia orienta que a melhor forma de prevenir o feminicídio é aprender a identificar o comportamento abusivo e disfuncional do agressor. Mas não é só, é preciso romper a relação, logo que surgem as primeiras evidências.
“É importantíssimo que as mulheres consigam identificar no início da relação. Às vezes, esse tipo de comportamento não vai aparecer tão explicitamente, mas pequenos comportamentos de controle, dominação, de um ciúme que, às vezes, é entendido como demonstração de amor. É importantíssimo que as mulheres não romantizem esses comportamentos.”
Colocar limites é um processo que exige ressignificação e esforço por parte das mulheres, de desconstruir uma cultura de milênios em que a mulher foi colocada num lugar de silêncio, passividade e submissão. “Para a mulher é importante saber dizer não, desde sempre. Nós não fomos educadas para dizer não. Isso soa como se estivéssemos sendo chatas ou arrogantes. Então a mulher vai naturalizando os abusos, como se tivesse de lidar com isso, vestindo aquela capa da apaziguadora. Esse é um dos motivos pelos quais sozinha, é muito difícil sair. Daí a importância de buscar os serviços especializados.”
E aí ela faz o alerta para o agravamento da violência que ocorre toda vez que a vítima retorna para o relacionamento, mantendo a expectativa ilusória de que vai melhorar. “Cada vez que ela retorna, ela fica mais frágil e o agressor, mais forte e, após a reconciliação, ele a pune por ter saído”, conclui.
Congresso – Nos próximos dias 27 e 28 de junho, Campo Grande vai sediar o II COMPAR – Congresso Nacional Mulheres pela Paridade: Igualdade, Paridade e Democracia. O evento que também será palco para o Congresso Estadual vai reunir lideranças femininas com expressividade no cenário nacional, como a Ministra do Tribunal Superior Eleitoral, Edilene Lôbo e a deputada federal e Procuradora da Mulher na Câmara dos Deputados, Soraya Santos.
Márcia faz o convite a todos, e reforça a importância da participação das mulheres em eventos como esse. “Os espaços públicos, de poder, de decisão, ainda são predominantemente ocupados pelos homens”, diz a pesquisadora, cada vez mais empenhada em incentivar mulheres a buscar seu papel dentro da sociedade. “Não para competir ou repetir padrões, mas para transformar”.
O COMPAR será realizado no Centro de Convenções Rubens Gil de Camillo, em Campo Grande. As inscrições para o Congresso podem ser feitas, gratuitamente.
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