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Na Íntegra

Preconceito é barreira para uso medicinal da cannabis avançar, diz médico

Diretora da Divina Flor, Fátima Carvalho, e o médico, Dr. Matheus Jafar, explicaram benefícios da maconha

Por Mylena Fraiha e Glaura Villalba | 22/06/2024 10:49
A diretora da Divina Flor, Fátima Carvalho, e o médico prescritor da associação, Dr. Matheus Jafar, explicaram como essas entidades estão ajudando a expandir o acesso ao tratamento com cannabis (Foto: Thiago Mendes)
A diretora da Divina Flor, Fátima Carvalho, e o médico prescritor da associação, Dr. Matheus Jafar, explicaram como essas entidades estão ajudando a expandir o acesso ao tratamento com cannabis (Foto: Thiago Mendes)

Pesquisas científicas já mostraram que o uso da maconha pode ser eficaz para diferentes tratamentos de saúde, principalmente em patologias que envolvem o sistema nervoso ou dores. No entanto, o preconceito e a guerra às drogas são pontos que podem dificultar o avanço das pesquisas científicas e até mesmo o tratamento de pacientes com doenças como epilepsia.

No meio desse cenário, associações canábicas surgem como facilitadoras do acesso a este tipo de tratamento. Esse foi o tema discutido em episódio do podcast “Na Íntegra”, do Campo Grande News.

A diretora da Associação Sul-Mato-Grossense de Pesquisa e Apoio à Cannabis Medicinal, Divina Flor, Fátima Carvalho, e o médico prescritor da associação, Dr. Matheus Jafar, explicaram como essas entidades estão ajudando a expandir o acesso ao tratamento com cannabis. Atualmente, eles atendem 1.742 pacientes em todo o Estado.

Pesquisas rigorosas e algumas revisões sistemáticas indicam que esses compostos têm ação contra alguns tipos de epilepsia mais grave, espasticidade da esclerose múltipla, dores crônicas e contra vômitos e náuseas causados pela quimioterapia. Também foram observadas melhorias em casos de distúrbios de ansiedade, insônia e TEA (Transtorno do Espectro Autista).

Dr. Matheus esclareceu que o CBD (canabidiol) e o THC (tetrahidrocanabinol) são os principais componentes da cannabis utilizados na produção de medicamentos. Ele explica que o óleo é a versão mais comum de consumo, mas que também existem outros métodos.

Os tratamentos derivados da cannabis têm como principal via de administração o óleo, que é usado por via sublingual. Mas existem outros produtos, como pomadas para uso tópico, spray intranasal para pacientes com epilepsia que necessitam de efeito ultrarrápido, e produtos comestíveis, como gominhas, que ainda não são amplamente distribuídos no Brasil”, apontou o Dr. Matheus.

Ele explica que em sua experiência, muitos pacientes apresentam melhoras em quadro clínicos e conseguiram substituir medicações que traziam muitos efeitos colaterais. “Teve um caso no Caps de um paciente que tem epilepsia. E a gente conseguiu substituir as medicações alopáticas, que são medicamentos tradicionais, só pelo óleo. Ele agora não precisa tomar muitos medicamentos por dias, mas também agora não precisa mais lidar com os efeitos colaterais das medicações anti epiléticas tradicionais, como sonolência, corpo pesado, perda de memória”.

No entanto, Dr. Matheus alerta que nem todos os pacientes respondem bem ao tratamento. “Apesar de ser um fitofármaco, existem pacientes que têm efeitos colaterais, como náusea e dor de cabeça. Nesses casos, suspendemos o uso e voltamos ao tratamento tradicional”, explicou.

Legislação e comercialização - Em 2015, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou o uso de produtos medicinais à base de cannabis, através da RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) 17/2015, o que permitiu a importação desses medicamentos em caráter excepcional.

No entanto, como a aquisição era somente via importação, mães de crianças com epilepsia e outras doenças tratadas com CBD ajudaram a criar associações canábicas, que incentivam e colaboram para que mais pessoas tenham acesso ao medicamento.

Segundo Fátima Carvalho, essas associações oferecem um custo-benefício mais acessível. “Nosso remédio mais caro é o CBD de 3 mil miligramas, custando R$ 550 por frasco de 30 ml. Um frasco importado pode chegar a R$ 2,8 mil, sem contar o valor do frete e a autorização da Anvisa”, explicou Fátima.

Em Mato Grosso do Sul, a Divina Flor é um dos poucos locais credenciados a comercializar esses produtos e acolher pessoas em situação de vulnerabilidade que necessitam do medicamento. Além disso, conforme noticiado anteriormente, apenas 17 médicos, assumidamente, prescrevem a fórmula no Estado.

De acordo com Fátima, hoje a Divina Flor consegue oferecer as medicações a base de maconha devido a autorização concedida a uma das representantes da associação, Jéssica Luana Albuquerque Camargo. Entretanto, o grupo também entrou com autorização para cultivo coletivo.

Preconceito e proibicionismo - Apesar da liberação da prescrição e do uso, o plantio, a produção e a distribuição de produtos de cannabis para uso medicinal, e até mesmo para pesquisa, ainda enfrentam restrições severas da Anvisa e podem ser considerados tráfico de drogas, com penas previstas no Código Penal.

Na quinta-feira (20), o STF voltou a julgar a descriminalização da maconha para uso pessoal. O placar está em 5 a 4 para extinguir a punibilidade do crime, e a maioria da Corte já se manifestou a favor de fixar uma quantidade da droga para diferenciar consumo próprio de tráfico.

O julgamento será retomado na próxima terça-feira (25), com votos dos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia pendentes. Ao final, será definida uma tese de repercussão geral para casos semelhantes em todas as instâncias do Judiciário.

No meio desses entraves, discussões judiciais e normativas médicas, tanto Fátima, quanto o Dr. Matheus, apontam que o preconceito se mostra como um dos principais empecilhos para o avanço na discussão.

Quando a gente pensa na discriminação, ela também está ligada ao controle do uso recreativo. Descriminalizar não vai manter o traficante, é justamente o contrário: é descriminalizar para poder ter controle sobre o que será consumido. A questão é que no Brasil, não sei se acham isso difícil ou se falta iniciativa política para propor uma solução. Então, é muito mais fácil votar com base no preconceito do que na ciência e na regulamentação”, aponta a diretora da Divina Flor.

Além disso, conforme Dr. Matheus, o preconceito em relação à maconha foi algo construído ao longo do tempo e tem relações diretas com o monopólio das empresas farmacêuticas – algo que só poderá ser superado com informação e a realização de mais estudos científicos.

Confira a entrevista na íntegra a seguir: 

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