Em 45 anos de MS duas mulheres chegaram à cúpula do poder
Apesar de poucas representantes na política, algumas se destacaram nos últimos anos até no cenário nacional
Dá para contar nos dedos o número de mulheres que se destacaram na política durante os 45 anos de existência de Mato Grosso do Sul. Filhas e esposas de políticos abriram o caminho para essa história de luta por espaço e lugar de fala.
Em mais de quatro décadas apenas as vice-governadoras Simone Tebet (MDB) e Rose Modesto (União Brasil) chegaram a ocupar lugar no Poder Executivo. Hoje apenas a emedebista segue em destaque no cenário nacional.
Atual ministra do Planejamento e Orçamento, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Simone chegou ao governo federal após longa disputa interna dentro partido. Lutou contra "caciques" e foi para o palanque como presidenciável no ano passado. Ficou em terceiro lugar nas eleições de 2022, com quase 6 milhões de votos.
Na administração do governador Eduardo Riedel (PSDB), dos 14 secretários de Mato Grosso do Sul, 4 são mulheres: Ana Carolina Araujo Nardes (Administração), Ana Carolina Ali Garcia (Procuradora-Geral), Eliane Detoni (Escritório de Parcerias Estratégicas) e Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira (Assistência Social e Direitos Humanos).
No Legislativo Estadual, Mara Caseiro (PSDB) e Lia Nogueira (PSDB) são duas entre 24 deputados. Nunca na história do poder uma mulher comandou a Mesa Diretora da Casa de Leis. No TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) nenhum dos cargos da presidência e corregedoria são ocupados por mulheres.
Já na Câmara dos Deputados, apenas Camila Jara (PT) conseguiu se eleger entre as oito vagas. No Senado, das três cadeiras, duas são femininas: Tereza Cristina (PP) e Soraya Thronicke (União Brasil). No Governo Federal, além de Simone Tebet, está a sul-mato-grossense Aparecida Gonçalves, no Ministério da Mulher.
Para o sociólogo Paulo Cabral, 74 anos, o protagonismo feminino é pequeno, mas significativo. “São poucas, mas com bastante poder. As que estão atuando hoje conseguem um espaço extraordinário. Como somos um Estado com formação conservadora, ligado ao latifúndio e considerando as demais características, dá para dizer que temos um resultado coerente com aquilo que está posto”.
A pioneira foi Oliva Inciso, a primeira vereadora de Campo Grande, no final dos anos 50. “Naquela época os vereadores não eram remunerados. Eram pessoas de bem que a sociedade elegia. Ela também foi a primeira deputada estadual e fazia parte de um grupo de mulheres que se projetaram no país por meio da UDN (União Democrática Nacional)”. O grupo era de direita e conservador, com bases na igreja católica.
Cabral também elencou como referência a primeira prefeita da Capital, Nelly Bacha, que ficou no comando do Executivo por três meses, quando ocupou a presidência da Câmara Municipal e o nome do prefeito ainda aguardava uma indicação.
“Também tivemos as deputadas estaduais Marilu Guimarães, Marilene Coimbra e Celina Jallad. Já a ex-senadora Marisa Serrado chegou a disputar o governo contra o Zeca do PT, mas perdeu no segundo turno e se aposentou como conselheira do Tribunal de Contas do Estado, por indicação do ex-governador André Puccinelli”, relembra.
Apesar da desigualdade na esfera estadual, a Capital é um exemplo para o País. Além de ser uma das duas capitais brasileiras com mulheres na chefia do Executivo, a Prefeitura de Campo Grande é também a quinta no número de mulheres como titulares nas secretarias e subsecretarias, e a segunda na região Centro-Oeste.
A presença feminina no comando de 24 das 37 pastas, contando a prefeita Adriane Lopes (Patri) e as adjuntas, se traduz em uma administração mais sensível às necessidades da população da cidade como um todo, mas, de modo especial, à causa da mulher.
Explicação – A cientista política e secretária executiva da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política), Luciana Santana, 40 anos, explica que vários fatores levaram à falta de expressividade da presença feminina no poder no País.
“O primeiro ponto é de cunho histórico. Já na construção do Estado brasileiro, as mulheres foram excluídas. Apenas no início do século passado as mulheres conseguiram o direito ao voto. Isso revela o distanciamento de participação efetiva nos processos de decisão. Isso tem um peso muito grande no processo que temos hoje”, justifica.
Luciana explica que as mulheres tiveram que correr atrás dos direitos para conseguir a inclusão e discutir de forma responsável o tema dentro do parlamento. Hoje, apenas 18% do Legislativo federal é ocupado por deputadas e senadoras. “Na câmara dos deputados apenas uma mulher faz parte da Mesa Diretora. No senado nenhuma mulher. Nas assembleias o cenário é tão dramático quanto”, lamentou.
Mesmo com a cota de gênero implementada em 1997, é baixa a adesão de candidatas que não estão ali apenas para cumprir 30% estipulados por lei. Segundo a cientista, o maior filtro da desigualdade está no próprio partido. Em seguida nos eleitores, que não reconhecem nas candidatas a representatividade política.
Ela explica que o sistema político brasileiro gravita em torno dos partidos, que são liderados por homens. São eles que tomam as decisões e pautam as negociações de espaços: “Enquanto a maioria dos homens estiver à frente dos partidos é mais difícil ver uma mudança de representatividade acontecer”.
Não era assim – O historiador, antropólogo e arqueólogo Jorge Eremites de Oliveira, 54 anos, vai mais além. Ele afirma que antes da colonização europeia, as mulheres indígenas que ocupavam o território brasileiro eram líderes natas.
“Há registros em documentos antigos, do século 18, que comprovam que no Mato Grosso do Sul as mulheres indígenas kadiwéu tinham protagonismo na liderança. Elas não aceitavam negociar com comandantes do Forte Coimbra, porque não estavam a altura dela. Somente dialogava com a princesa Isabel”, conta Jorge.
Mas foi justamente a cultura dos exploradores que fez com que essa dinâmica, legitimamente brasileira, se transformasse. Autoridades no poder não aceitavam negociar com mulheres e fizeram a imposição de ter uma figura masculina na articulação. A regra passou inclusive a exigir que nas aldeias surgisse a figura de um capitão.
“O próprio estado brasileiro impôs uma simetria de gênero, por conta da matriz de colonização europeia, que não valoriza o protagonismo das mulheres. Essa regra valia para toda a sociedade. Por isso que as mulheres não votavam e não podiam votar. A partir de 1930 o processo de participação feminina ocorre de forma gradual”, acrescenta.
Jorge Eremites afirma que não há registros e documentos antes do século 16 que povos maltratavam e estupravam as mulheres. “Que fique muito bem claro que o machismo é uma invenção da casa grande, não da aldeia e nem da senzala”, pontuou.
Além disso, a formação de Mato Grosso do Sul foi consolidada por uma elite que estava instalada no Mato Grosso unificado desde o século 18. “São as mesmas famílias que continuaram no poder com a tradição que a política é espaço para homens”. Ele acrescenta que a divisão foi apenas político-administrativa, que não significou ruptura profunda de poder.
O historiador ressalta que ao longo da história do Estado muitas mulheres surgiram como lideranças importantes. “São histórias belíssimas, mas elas não são conhecidas para a maioria. As histórias do Mato Grosso do Sul profundo não são valorizadas. O que sabe delas, quase nunca se tem cobertura da imprensa e do governo”, conclui citando Tia Eva da comunidade quilombola. Por ter raízes africanas, também é um grupo que ressalta a liderança da mulher culturalmente.