Em briga por fortuna, vice de Contar foi acusado de golpe
Família diz que nunca recebeu um centavo de aluguéis ou patrimônio de inventário que se arrasta há 12 anos
A briga pela partilha da fortuna acumulada pelo advogado Assafi Dib Abussafi já rendeu a um dos sobrinhos acusações que vão de golpe nos demais herdeiros à culpa pela morte do tio. No processo de inventário, que se arrasta há 12 anos, primos de Humberto Sávio Abussafi Figueiró tentaram destituí-lo do cargo de administrador do espólio várias vezes, mas não conseguiram. Também advogado, Beto é candidato a vice-governador na chapa de Capitão Contar (PRTB).
Dentre as suspeitas está a de que o inventariante se apropriava, desde 2010, dos aluguéis de imóveis do tio para acumular dinheiro e comprar as partes dos demais tios e primos na herança – ficando, desta maneira, com quase 75% do patrimônio.
Segundo um dos parentes, que conversou com a reportagem na condição de ter a identidade preservada, até hoje, nenhum dos herdeiros recebeu qualquer valor levantado com as locações ou a parte que lhe cabe do espólio, a não ser alguns dos que venderam seus quinhões.
Ao longo dessa década, Humberto Figueiró já foi acusado de fraude, apropriação indébita e, uma das principais desconfianças levantadas contra ele é a de negligência nos cuidados com o tio, o que poderia ter acelerado a morte de Assafi Dib Abussafi, já idoso. Aos 83 anos, ele era portador da doença de Parkinson quando faleceu, no dia 5 de julho de 2010, no Hospital da Unimed, em Campo Grande. Conforme consta em atestado de óbito, ele sofreu arritmia cardíaca e sepse (infecção generalizada), possivelmente oriunda de uma ferida infectada na pele que não foi tratada a tempo.
Beto era o curador do tio, que nunca se casou ou teve filhos. Por isso, acabou responsável pelo patrimônio desde que Assafi adoeceu e perdeu as condições de administrar a própria vida.
A fortuna inclui 40 imóveis avaliados em mais R$ 8 milhões pela Sefaz (Secretaria de Estado de Fazenda) em 2019 – mas que valem muito mais, segundo herdeiros –, acervo com 89 obras de artes e vários objetos de valor. Após a morte, era disputada por 37 herdeiros, número que chegou a 44 em 2020, sendo que 28 cederam os direitos hereditários à H.A Empreendimentos Imobiliários, empresa que tem Beto como sócio-administrador.
Cronologia – Logo que o tio faleceu, ainda em julho de 2010, Beto protocolou o processo de inventário. O primeiro juiz a despachar na ação foi Gil Messias Fleming, em agosto daquele ano. Ele deixou de nomear Figueiró como inventariante num primeiro momento e exigiu que fosse apresentada a lista de herdeiros (irmãos, tios e sobrinhos do falecido).
Depois, acatou os argumentos do sobrinho que tinha a curatela de Assafi, função de cuidar dos interesses de alguém que não possa licitamente administrá-los, e, em 15 de dezembro, o nomeou como o responsável pela gestão do espólio. Foi quando Beto apresentou à Justiça o patrimônio que declarou ser de R$ 5,9 milhões.
Desde então, várias contestações foram apresentadas. O primeiro pedido de prestação de contas veio em janeiro de 2011. Doze herdeiros, qualificados nos autos, reclamavam que não havia sido feito qualquer depósito em juízo (responsabilidade de Figueiró) dos valores arrecadados com os aluguéis das dezenas de imóveis locados. Em junho do mesmo ano, o inventariante pediu mais prazo para prestar contas e apresentar o esboço da partilha dos bens. Depois, em agosto, solicitou a suspensão do processo por 60 dias, alegando a possibilidade de acordo extrajudicial com os demais, mas em dezembro, os mesmos 12 herdeiros reforçaram o pedido para que o gestor informasse o que tinha feito com os aluguéis, lembrando que já era a quarta vez que cobrança neste sentido era feita no processo.
Pouco antes disso, em novembro, Dib Martins Abussafi, herdeiro que depois se mostrou um dos mais combativos ao longo do processo, entrou com ação à parte para tentar remover Beto da condição de inventariante. Por meio de seu advogado e filho, Antônio Marcos Abussafi, ele alegava que, passados quase um ano e meio da abertura do inventário, o sobrinho estava na posse do patrimônio do tio e “jamais” havia prestado contas, não tinha anexado aos autos os contratos com os 40 inquilinos e documentação referente a um apartamento em Ipanema, área nobre do Rio de Janeiro (RJ).
O defensor levantou suspeita do fato de Humberto já ser o administrador dos bens de Assafi antes da morte e entrou com requerimento para removê-lo “do cargo de inventariante por motivo de suspeição quanto à prestação de contas da curatela, haja vista que como curador, não pode – com a devida isenção – prestar contas a si mesmo”, argumentou Antônio Marcos.
A tão solicitada exposição de contas foi feita em julho de 2012, dois anos depois da abertura do inventário. Mesmo assim, várias impugnações foram apresentadas. Na última delas, dez anos depois, os herdeiros de Dib Martins, classificam como “arremedo de contas supostamente prestadas” a documentação entregue por Figueiró à Justiça.
Saga – Outro protagonista da oposição a Humberto Figueiró é o primo Airton José Salomão. Foram dele as inúmeras tentativas de denunciar que havia algo de errado com o processo. As aquisições dos direitos sucessórios, feitas pela H.A Empreendimentos imobiliários, eram ilegais para ele e, além disso, o primo estaria se apossando irregularmente dos aluguéis dos imóveis do tio.
Numa das ocasiões, o aposentado mencionou pedido de intervenção feito por Hafisa Abussafi Hennes, uma das irmãs de Assafi, ao MP. Ela queria que o sobrinho fosse investigado, por acreditar que o irmão, já acamado, não estava recebendo o tratamento adequado. Ela citou que a casa do idoso havia ficado sem luz e telefone por falta de pagamento e que as enfermeiras do idoso não paravam no trabalho por causa dos atrasos nos salários.
Quando vivo, o próprio Assafi foi entrevistado pelo MP e disse saber da venda de seus bens, mas não soube informar o que havia sido feito com o dinheiro.
Em 2018, ao recuperar o pedido de investigação de Hafisa, Salomão chegou a falar em assassinato e suposta ameaça feita por Humberto Figueiró a ele, em encontro com a advogada que representava o engenheiro no inventário.
O engenheiro aposentado foi à OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil), MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), MPF (Ministério Público Federal) e Corregedoria-Geral de Justiça fazer denúncias, que acabaram não prosperando e ainda rederam processos de calúnia a Airton.
Os imóveis – Ao longo dos 10 anos, também não faltaram impugnações às avaliações dos imóveis. Além de alguns dos herdeiros, a PGE (Procuradoria Geral do Estado) também apresentou contestação alegando que o montante declarado para fins de recolhimento de impostos estava “muito aquém dos valores de mercado dos imóveis avaliados”.
Em meio a vários terrenos, imóveis comerciais na área central de Campo Grande e residenciais, localizados em endereços nobres da Capital, está a mansão com frente para a Rua General Odorico Quadros e fundos para a Rua da Paz, onde, segundo os demais herdeiros, funciona o escritório de advocacia de Figueiró e a empresa de aquisições imobiliárias. Declarado como bem de R$ 1,2 milhão pelo inventariante em 2010, cinco anos depois, corretor de imóveis avaliou o casarão pelo valor de R$ 3,3 milhões.
A casa já foi até tema de matéria de arquitetura do Campo Grande News, por já ter recebido “de Xuxa à Luiza Brunet sem poupar na ostentação”.
Outro imóvel citado pelos opositores de Beto no processo é o apartamento a uma quadra da praia de Ipanema, localização nobre no Rio. O imóvel chegou a ser colocado à venda, por R$ 2 milhões, mas o anúncio foi retirado.
O juiz – No vai e vem judicial, outro personagem aparece na ação: o juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior, que foi aposentado compulsoriamente em fevereiro deste ano, depois de acumular acusações de “venda” de sentenças. São dele as assinaturas nas decisões que negam as contestações feitas pelos outros herdeiros e a remoção do inventariante.
A partilha, homologada por Aldo Ferreira em 31 de julho de 2017, foi anulada depois pela juíza Luciane Buriasco Isquerdo, em novembro de 2019, que apontou várias irregularidades. “Sem o atendimento de formalidades legais, como concordância inequívoca de todos os herdeiros, certidões negativas fiscais (Federal, Estadual e Municipal), manifestação da Fazenda Pública Estadual, Ministério Público Estadual, sem pagamento de dívidas (plano de pagamento), decisão quanto aos laudos de avaliação dos imóveis arrolados, concordância da Fazenda Pública Estadual quanto ao recolhimento do imposto devido”, anotou a magistrada.
A decisão dela, contudo, acabou cassada por desembargadores da 1ª Câmara Cível do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). De lá para cá, mais recursos foram apresentados e por enquanto, todas as decisões mantêm a partilha como esboçada por Humberto Figueiró.
Outro lado – O inventariante sempre se defendeu no processo alegando má-fé dos demais herdeiros. Numa das defesas por ele apresentada, em 2012, alega que “possivelmente estava sendo vítima de uma manobra escusa” para induzir o juiz a acreditar que estava “se furtando de proceder a referida prestação de contas”.
Mais para frente ainda cita nominalmente os herdeiros Airton e Dib (já falecido) como autores de “litigância de má-fé” e “tumulto” na ação judicial. “O que se verifica nos autos são dois herdeiros, Airton José Salomão que possui o quinhão de 2,50% e, o herdeiro Dib Martins Abussafi que possui o quinhão de 4,17%, de um total de 100% do espólio, atravessar petições com intuito claro de tumultuar o processo de inventário e, não de resolvê-lo. Ainda, a conduta dos herdeiros citados é imoral e reprovável, porque criam diversos empecilhos tentando perpetuar o feito para ao final obter vantagem financeira em detrimento do patrimônio do inventariante”, disse o hoje candidato a vice-governador na chapa do Capitão Contar.
O Campo Grande News tentou contato com Humberto Figueiró ao finalizar a apuração, mas ele não atendeu ligação para celular disponibilizado no CNA (Cadastro Nacional de Advogados).
Em nota, a campanha de Capitão Contar informou que herdeiros atacaram juridicamente o candidato a vice-governador "na tentativa de conseguir acordo desproporcional ao valor da herança". Informaram ainda que "todos os órgãos acima citados foram unânimes ao afirmar que o processo de inventário transitou dentro da normalidade, sem nenhuma ilicitude".
(*) Matéria alterada às 21h50 para acréscimo do posicionamento da campanha de Contar.