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Política

Justiça condena Trutis e esposa por lavarem 776 mil do fundo eleitoral

Por unanimidade, TRE aponta que ex-deputado e sua mulher usaram duas empresas para desviar dinheiro

Por MSemBrasília (*) | 12/11/2024 09:40
Em 2022, Trutis e a esposa Raquelle receberam R$ 2 milhões do PL, mas parte foi desviada, segundo a Justiça Eleitoral (Foto: arquivo)
Em 2022, Trutis e a esposa Raquelle receberam R$ 2 milhões do PL, mas parte foi desviada, segundo a Justiça Eleitoral (Foto: arquivo)

CAMPO GRANDE

O Tribunal Regional Eleitoral em Mato Grosso do Sul (TRE-MS) condenou, por unanimidade, o ex-deputado federal Loester Carlos Gomes de Souza, o Trutis, e a esposa dele, Raquelle Lisboa Alves Souza, ambos do PL, por lavagem de R$ 776 mil do fundo eleitoral na campanha de 2022.

Com a decisão, o crime de improbidade cometido pelo casal, passível de inelegibilidade, será anotado na ficha de cada um deles, conforme Lei Complementar 64/1990. As observações deverão ser analisadas pela Justiça Eleitoral posteriormente, caso um dos condenados ou ambos peçam registro de candidatura em qualquer parte do território brasileiro.

O julgamento ocorreu em 9 de setembro. Os políticos entraram com pedido de embargos de declaração, ainda não julgado. Se for negado, o casal pode recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral.

O processo tramitou em segredo de justiça, mas o tribunal levantou o sigilo. Na preliminar de inépcia da representação, a defesa dos acusados pediu a manutenção de segredo de justiça “para proteger direitos fundamentais”, em razão do despacho que determinou o levantamento do sigilo sobre os autos. O TRE negou.

O processo tramitou em segredo de justiça, mas o tribunal levantou o sigilo

Trutis disputou a reeleição para deputado federal em 2022; Raquelle a eleição de deputado estadual. O plenário do tribunal acolheu denúncia do Procuradoria Regional Eleitoral (PRE), que constatou série de irregularidades graves nas prestações de contas entregues pelo casal à Justiça Eleitoral naquele ano.

Ao deputado, o PL repassou R$ 1 milhão, o dobro do valor entregue a outros candidatos do partido à época. Raquelle recebeu R$ 1 milhão — três vezes maior que o montante de R$ 300 mil repassado a cada um dos deputados Coronel David, João Henrique Catan e Neno Razuk, que foram reeleitos. O casal recebeu, junto, R$ 2 milhões. Ambos foram derrotados.

A investigação

Em 2022, a Procuradoria Regional Eleitoral pediu a impugnação das contas do casal em decorrência de suspeitas graves sobre lavagem de dinheiro, por meio da utilização de empresas de fachada, conforme demonstrado em reportagens do MS em Brasília (ver aqui e aqui).

Em 13 de dezembro daquele ano, o TRE aprovou as contas do casal por entender que “os processos de prestação de contas não se prestam à realização de investigações aprofundadas de fatos que possam caracterizar abuso de poder ou outros ilícitos eleitorais”. No entanto, deixou aberta a possibilidade de o caso ser mais bem investigado.

Em 2022, a Procuradoria Regional Eleitoral pediu a impugnação das contas do casal em decorrência de suspeitas graves sobre lavagem de dinheiro

Durante as investigações, os procuradores encontraram fortes indícios de que Trutis e a esposa teriam lavado dinheiro do fundo eleitoral. Entre eles, valores pagos de forma cruzada pelo casal a duas empresas; contradição nos depoimentos sobre serviços e preços cobrados; constatação de endereço diferente aos declarados e falta de funcionários nos quadros das empresas.

Em decisão unânime, plenário do TRE condenou Trutis e Raquelle (Foto: Divulgação)
Em decisão unânime, plenário do TRE condenou Trutis e Raquelle (Foto: Divulgação)

Constatou-se ainda histórico fiscal das empresas incompatível com as movimentações ocorridas nas eleições de 2022. “Está evidente a gravidade da conduta dos representados, em razão da relevância das irregularidades na contratação das despesas, alcançando quantia significativa em patamar superior a 30% dos recursos públicos destinados a um e ao outro”, apontou a PRE.

Ainda na fase preliminar da representação, Trutis e Raquelle alegaram que o pedido era “desprovido das provas necessárias à comprovação das irregularidades imputadas”. Afirmaram que não houve qualquer ato ilícito que pudesse caracterizar uso indevido ou irregularidade dos gastos de recursos oriundos dos fundos.

Os procuradores encontraram fortes indícios de que Trutis e a esposa teriam lavado dinheiro do fundo eleitoral.

“Ainda que fosse o caso de analisar o requisito de gravidade, este não estaria presente, visto que não há elementos que indiquem qualquer desequilíbrio dos gastos de recurso com as notas fiscais apresentadas ou prejuízos com as prestações de contas já aprovadas que pudessem comprometer o teto orçamentário e à obediência aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade”, alegou a defesa do casal, feita pela própria Raquelle, que é advogada.

Lavagem de dinheiro

De acordo com o relator do processo no TRE, juiz eleitoral José Eduardo Chemin Cury, o casal de políticos contratou serviços de empresas suspeitas de serem utilizadas para lavagem de dinheiro do fundo eleitoral.

Para dar ares de legalidade às transações, foram feitos pagamentos inversos pelo casal às empresas Cid Nogueira Fidelis e JC Hipólito Taques Comunicação. Enquanto a JC Hipólito recebeu R$ 247 mil de Trutis e R$ 89 mil de Raquelle, a Cid Nogueira Fidelis recebeu R$ 80 mil do marido e R$ 360 mil da esposa.

Juiz eleitoral José Eduardo Chemin Cury, relator do processo no TRE-MS (Foto: Divulgação)
Juiz eleitoral José Eduardo Chemin Cury, relator do processo no TRE-MS (Foto: Divulgação)

Essa estratégia, segundo a Procuradoria, foi utilizada para disfarçar a movimentação ilícita dos recursos. “A denúncia narra que, se uma empresa recebia um valor mais elevado de um dos candidatos, recebia proporcionalmente valor menor do outro, corroborando a suspeita de fraude”, destaca o juiz.

Para dar ares de legalidade às transações, foram feitos pagamentos inversos pelo casal às empresas Cid Nogueira Fidelis e JC Hipólito Taques Comunicação

Para o relator, o pagamento para as empresas de publicidade em proporção inversa “é um indício robusto de que os representados podem ter utilizado empresas de fachada para desviar recursos públicos destinados à campanha eleitoral, configurando grave violação à legislação eleitoral e justificando a procedência do pedido de cassação dos diplomas”.

Destaca ainda o fato de os acusados serem casados e de que as empresas de publicidade, conforme depoimentos de seus representantes, terem trabalhado em parceria, “o que recrudesce ainda mais a suspeita de fraude”.

Contradições

A decisão aponta ainda contradições nos depoimentos dos proprietários das empresas. Cid Nogueira Fidelis afirmou que cobrou um valor mais baixo por seus serviços a Trutis porque já havia material audiovisual prévio. Trutis, por sua vez, explicou que o serviço teve valor abaixo porque teria um suposto acordo de desconto, contradizendo a afirmação de que o trabalho foi menos extenso e exigiu menos recursos.

Já em relação aos serviços, supostamente, prestados à Raquelle, Cid Nogueira Fidelis alega que o trabalho foi mais complexo e extenso. Jean Carlos Hipólito, por sua vez, declarou que a demanda maior foi para Trutis.

A decisão aponta ainda uma série de contradições nos depoimentos dos proprietários das empresas

Enquanto isso, o ex-deputado afirmou que sua esposa não possuía reputação política, nem boa nem ruim, de modo que não foi necessária a mesma consultoria. Jean declarou que, como as reuniões eram feitas em conjunto com Loester e Raquelle, a consultoria servia para os dois, criando evidente divergência quanto à natureza e complexidade dos serviços prestados a cada candidato.

À esquerda da bandeira, sala onde deveria funcionar a empresa Cid Nogueira Fidelis (Foto: MS em Brasília)
À esquerda da bandeira, sala onde deveria funcionar a empresa Cid Nogueira Fidelis (Foto: MS em Brasília)

Durante diligências, os procuradores descobriram que as empresas não funcionavam nos endereços declarados à Justiça Eleitoral. A JC Hipolito Taques está localizada em um imóvel abandonado, sem qualquer sinal de atividade empresarial, enquanto o endereço da empresa Cid Nogueira Fidelis, supostamente uma produtora de vídeos, corresponde a uma loja de aviamentos, sem estrutura visível para a produção audiovisual.

Prédio abandonado, informado como sede da JC Hipólito Taques (Foto: MS em Brasília)
Prédio abandonado, informado como sede da JC Hipólito Taques (Foto: MS em Brasília)

Empresas inidôneas

A Procuradoria anexou ainda à representação cópias das movimentações fiscais das empresas nos últimos cinco anos. O tribunal concluiu que são inidôneas para receber expressiva quantia de valores provenientes do Fundo Eleitoral e Fundo Partidário.

Constatou-se também que a empresa ZoomMira Filmes, nome fantasia da empresa Cid Nogueira Fidelis, foi aberta somente em 2019, quando Loester Trutis assumiu o mandato de deputado federal, ao contrário do que ele alegou em depoimento judicial, de que estava no mercado desde 2009.

Comprovou-se que a empresa não possuía histórico de prestação de serviços relevantes até os contratos realizados durante as eleições de 2022, a não ser os serviços feitos a Trutis, divulgando suas atividades parlamentares e ao PSL do qual o então deputado era o presidente em 2021, e ao seu irmão, Ciro Nogueira Fidelis, que concorreu ao cargo de vereador em 2020.

Comprovou-se que a empresa não possuía histórico de prestação de serviços relevantes até os contratos realizados durante as eleições de 2022

A situação é similar para a empresa JC Hipólito Taques Comunicação, cujo histórico fiscal demonstra nunca ter recebido valor próximo ao que que recebeu pelas campanhas de Trutis e Raquelle.

Na decisão, o TRE reforça que o casal não conseguiu comprovar a prestação dos serviços de maneira proporcional às despesas declaradas, “exigindo uma atuação rigorosa da Justiça para assegurar a integridade do processo eleitoral e a correta aplicação dos fundos públicos”. E arremata: “Configura grave violação à legislação eleitoral, justificando o pedido de cassação dos diplomas”.

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