A atuação do agente esportivo no futebol e a Lei Geral do Esporte
O futebol é um mercado complexo e multidisciplinar que, há muito tempo, deixou de ser apenas um jogo, para ser entendido como um evento integrante da indústria do entretenimento. Assim, o futebol não deve ser compreendido apenas como uma partida entre onze contra onze, mas sim como um importante setor da economia que envolve diversos stakeholders, que merecem atenção por parte do legislador infraconstitucional e das entidades de administração do esporte, justamente, para que o mercado possa se desenvolver de maneira sustentável.
Dentre as inúmeras relações jurídicas existentes no campo esportivo, a atuação do agente esportivo tem ganhado especial relevância nos últimos anos, notadamente em razão dos vultosos valores envolvidos a título de comissionamento.
Segundo o relatório International Transfer Snapshot da Fifa, publicado no dia 08/09/2023, no período de 01/06/2023 a 01/09/2023, os clubes de futebol gastaram 7,36 bilhões de dólares em transferências internacionais. Ainda, segundo o recém mencionado relatório, foram despendidas, no mesmo período e em transferências internacionais, 696,6 milhões de dólares em comissões para agentes esportivos.
Os números expressivos, relevam o papel proeminente dos agentes esportivos no futebol e a necessidade de atenção para esta parcela do mercado, justamente para que as relações jurídicas havidas entre as partes possam cumprir a sua função social. Raras são as operações no futebol que ocorrem sem a atuação de um agente esportivo na negociação de um contrato de transferência, de um contrato de trabalho e/ou contrato de imagem de um atleta. Isso ocorre, principalmente, porque, além dos consideráveis valores envolvidos, incidem sobre estas operações diversos regulamentos e leis, que demandam atuação especializada.
Considerando este cenário, após um longo período de "desregulamentação" da atuação dos agentes esportivos pela entidade máxima do futebol internacional, a Fifa aprovou em dezembro de 2022, o Regulamento de Agentes de Futebol. O recém mencionado regulamento entrou parcialmente em vigor em 09/01/2023, com período de transição até 30/9/2023. Isto é, a partir de 1/10/2023, hoje, o Regulamento de Agentes de Futebol da Fifa terá eficácia plena.
Dentre as principais novidades trazidas pela regulamentação estão: a) a necessidade licenciamento do agente junto à Fifa, mediante preenchimento de requisitos de elegibilidade e aprovação de exame a ser elaborado pela entidade; b) o fato de que somente pessoas naturais poderão ser licenciadas como agentes junto à Fifa (em que pese estes possam desenvolver suas atividades através de pessoas jurídicas); c) a limitação da múltipla representação por parte de um agente, que poderá representar, em um mesma operação, apenas o atleta e o clube comprador, mediante autorização prévia e por escrito; d) a existência de teto de comissões, que podem variar, de acordo com a hipótese, de 3% a 10% sobre o valor da remuneração do atleta ou do valor da transferência; e) o estabelecimento de regras mandatórias a serem incorporadas pelas entidades de administração do esporte nacionais nos seus respectivos regulamentos de agentes (no caso do Brasil, pela CBF) até o dia 30/09/2023.
Por seu turno, recentemente foi promulgada a nova Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023 - LGE), que buscou unificar as diversas leis esparsas que regulavam o setor esportivo no país, em um único diploma, sistematizando as diretrizes do esporte no Brasil, tanto do ponto de vista de políticas públicas, como do ponto de vista econômico e social.
O tema do agente esportivo foi tratado no artigo 95 da LGE. O legislador infraconstitucional conceituou o agente esportivo como a pessoa natural ou jurídica que exerce a atividade de intermediação na celebração de contratos esportivos e no agenciamento de carreira de atletas.
Sinala-se que o pilar central da atuação do agente esportivo está na fidúcia. É com base na confiança que a prestação de serviço é desenvolvida, sem o qual a relação sequer poderia existir. Nesse sentido, as partes envolvidas devem pautar a sua atuação com base nos deveres de lealdade, informação, transparência, esclarecimento, veracidade e probidade, devendo o agente esportivo sempre observar os interesses legítimos de seu representado.
Dentro deste contexto, a LGE trouxe uma importante inovação no campo de atuação dos agentes esportivos, uma vez que facultou aos parentes de primeiro grau, ao cônjuge e ao advogado do atleta representar, quando outorgados expressamente, os interesses deste, sem a necessidade de registro ou de licenciamento pela organização esportiva de abrangência nacional que administra e regula a respectiva modalidade esportiva em que pretende atuar ou pela federação internacional respectiva (parágrafo 1º do artigo 95). Há, assim, uma autorização especial para aquelas pessoas enumeradas no recém mencionado dispositivo, sem que necessitem estar devidamente registrados ou licenciados.
Em que pese esta autorização especial seja aplicada apenas no território nacional, há evidente conflito com o regulamento da Fifa, que, conforme mencionado anteriormente, exige o licenciamento de agentes esportivos. Tal conflito ganha repercussão porque, no parágrafo 2º do artigo 95 da LGE, há expresso reconhecimento de que a atuação dos agentes esportivos será submetida também às regras e aos regulamentos próprios de cada organização de administração esportiva, bem como à legislação internacional das federações internacionais esportivas. Ou seja, há o reconhecimento na legislação infraconstitucional de que àqueles que desejarem atuar como agentes esportivos no futebol, deverão respeitar os regulamentos emanados pela Fifa e pela CBF.
Tal situação traz evidente insegurança jurídica ao setor. Contudo, considerando a existência de pluralidade de normas, regramentos e regulamentos que permeiam a atuação dos agentes esportivos, há necessidade de um diálogo harmônico e sistemático deste corpo normativo com a Constituição Federal e com as leis infraconstitucionais. Assim, resta agora a CBF redigir e regular a atuação deste importante setor da economia, respeitando, por seu turno, a legislação brasileira, mitigando este conflito de normas hierarquicamente distintas.
(*) Diego Eidelvein do Canto é advogado.