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A trajetória da pesquisa agropecuária no Brasil

Por Maurício Antônio Lopes (*) | 14/06/2016 17:31

São abundantes as manifestações de lideranças ao redor do mundo em reconhecimento à trajetória virtuosa da pesquisa agropecuária brasileira nos últimos quarenta anos. Graças ao investimento em instituições de pesquisa e ensino e em formação de competências, fortalecido a partir dos anos 1970, o Brasil deixou a condição de importador de alimentos, constrangedora para um país continental com extraordinária base de recursos naturais. Não havia até então um modelo de agricultura tropical a copiar, que transformasse as terras ácidas do cerrado em solos férteis e que desenvolvesse plantas e animais adaptados às condições tropicais. Nossos cientistas tiveram que criá-lo.

Tecnologia se tornou o principal fator a explicar o sucesso da agricultura do Brasil, que hoje abastece a população com diversificada oferta de alimentos, a preços estáveis, garante excedentes para exportação e saldos crescentes na balança comercial. O investimento público, realizado de forma persistente, foi pré-requisito fundamental para este avanço, uma vez que permitiu à pesquisa pública gerar os conhecimentos necessários para que a pesquisa privada se estabelecesse e pudesse investir com segurança nas tecnologias cristalizadas em máquinas e insumos, que são o seu nicho natural, ampliando continuamente a capacidade produtiva do país.

A trajetória recente da pesquisa agropecuária brasileira expressa essa natural divisão de responsabilidades, com dedicação do setor privado às ações mais intensivas em capital e passíveis de exploração comercial. No Brasil, como em todo o mundo, o setor privado prioriza desenvolver novas sementes, fertilizantes, defensivos e máquinas, e o setor público se concentra na geração de conhecimentos indispensáveis para o aprimoramento da produção. A pesquisa pública gera conhecimentos para a aplicação mais eficiente de insumos; o melhor espaçamento das lavouras; a defesa sanitária animal e vegetal; o mapeamento dos riscos e as boas práticas para superá-los; o desenvolvimento de novas variedades vegetais, raças animais e seu uso em sistemas de produção inovadores – temos um dos maiores bancos genéticos do mundo, com mais de 120 mil amostras de sementes de 765 espécies. Apenas na Embrapa, são desenvolvidos 1.200 projetos de pesquisa em cerca de 100 temas relevantes para a agricultura brasileira.

Parte significativa da produção da pesquisa pública é conhecimento, que não se materializa necessariamente em produtos comercializáveis, mas sem os quais a eficiência de sementes, defensivos, adubos e máquinas fica limitada. A pesquisa pública mundial não pode deixar de investir na geração de novos conhecimentos para priorizar segmentos mais apropriados à atividade privada. Esse dilema se instalou definitivamente a partir do momento em que a viabilização comercial de uma única cultivar transgênica passou a custar cerca de US$ 130 milhões. Isso reduziu drasticamente não só a participação do setor público no segmento de sementes das grandes commodities – como soja, milho e algodão −, mas a própria concorrência entre empresas privadas nesse segmento. Resolver tal dilema está além das forças das instituições públicas de pesquisa.

A trajetória da pesquisa pública está repleta de evidências da sua ênfase em iniciativas relevantes, como o Zoneamento de Riscos Climáticos e o Plano ABC – Agricultura de Baixo Carbono – que juntos compõem as mais poderosas políticas públicas de sustentabilidade da agricultura no mundo tropical. A Embrapa, nesse momento, lidera o desenvolvimento de sistemas intensivos e integrados de produção, combinando lavouras, pecuária e floresta para produzir carne, grãos, fibras e energia com emissões líquidas de carbono muito baixas ou, em algumas situações, com captura maior que emissão. Em breve, produtos brasileiros com a marca "carbono neutro" ganharão os mercados, agregando valor e competitividade à agricultura tropical.

Os pesquisadores brasileiros estão diariamente produzindo informações valiosas para tratamento de muitos desafios atuais e prementes, tais como os estudos de pobreza rural essenciais para a formulação de políticas públicas e estudos de Inteligência Territorial Estratégica, que viabilizam novo paradigma de desenvolvimento para o Matopiba, a nova fronteira de expansão da agricultura no encontro dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Um inédito Sistema de Inteligência da Macrologística Agropecuária está sendo delineado pela Embrapa, com uso de geotecnologias e modelagem avançada, com recorte geográfico do destino e caminhos da safra, cenários sobre sua provável evolução e demandas de investimentos na infraestrutura.

Esses são poucos exemplos dentre os muitos esforços que estão em curso. E o Brasil faz tudo isso com investimentos modestos, que equivalem a cerca de 1,8% do PIB agropecuário, muito inferiores aos investimentos de grandes nações agrícolas como EUA, China e Índia. Não podemos nos esquecer de que muitos problemas ainda persistentes da agropecuária, como o carrapato bovino, o bicudo-do-algodoeiro, a ferrugem-da-soja, as plantas daninhas resistentes a herbicidas, para citar alguns, só podem ser solucionados com investimentos significativos e continuados em pesquisa e inovação e combinação de conhecimento fundamental e aplicado. Por isso o Brasil não pode rescindir de uma grande e fortalecida Aliança para Inovação Agropecuária, integrando a Embrapa, universidades, organizações estaduais e o setor privado.

(*) Maurício Antônio Lopes é presidente da Embrapa

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