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Atando nós contra a opressão

Por Isabella de Melo Zaparoli (*) | 02/02/2024 09:00

Este artigo abordará sinteticamente os caminhos que deram origem ao meu trabalho de conclusão de curso. A pesquisa e a produção artística construídas nele são amparadas por autores que demonstram como as diversas opressões convergem. Em resumo, o que se observa é que a luta antiopressão, além de unificada, deve ser anticapitalista.

Os trabalhos produzidos em minha trajetória acadêmica tiveram, em sua maioria, cunho político. Inicialmente, falava apenas sobre questões em que tinha lugar de fala. Com o passar dos anos, me deparei com o conceito de interseccionalidade.

Trata-se de uma sensibilidade analítica do feminismo negro que se refere, principalmente, à inseparabilidade estrutural entre o racismo, o capitalismo e o cis-heteropatriarcado, mas entende todas as opressões como sistemas interligados. Também aponta como a fragmentação da luta a enfraquece, manobra vantajosa para o sistema capitalista e grupos opressores, pela manutenção do poder.

Com isso em vista, entendi a importância de lutar não só contra as opressões que me atravessam, mas contra todas. Afinal, se elas são interligadas, não há como alcançar a libertação se ainda existirem lugares de subalternidade. Pelo risco de contribuir para o esvaziamento do termo, optei por não o utilizar para definir a pesquisa.

O trabalho que me propus fazer é uma metáfora visual da argumentação elaborada por minhas referências para inspirar pessoas que já lutam diariamente por suas causas, a estenderem sua solidariedade e a participar ativamente de outras lutas.

A exploração de suportes é, geralmente, a desencadeadora de todo o meu processo criativo. O suporte pode ser definido antes ou depois da pesquisa teórica, mas é extremamente dependente dela e vice-versa, pois exploro os campos lexical e semântico de determinado problema, buscando objetos, palavras ou termos para os utilizar como suporte e construir a poética do trabalho. O suporte, a técnica e os materiais atuam como peças centrais de significação e, dada a estreita conexão entre eles, adquire um caráter metalinguístico.

Após a pesquisa, reuni os principais pontos que deveriam aparecer na metáfora, sendo que o fundamental é a necessidade de união. A partir de uma experimentação despretensiosa com o tricô, percebi sua potencialidade conceitual como possível suporte e, dessa forma, ele foi escolhido.

No tricô, cada ponto depende do outro para dar origem a um trabalho. De maneira simbólica, cada ponto poderia representar uma luta que, ligada às outras, originaria uma luta potente, capaz de superar as opressões. A superação da opressão se mostra metaforicamente a partir da fragmentação da palavra opressus (do latim, aquele que foi oprimido). A técnica de serigrafia foi utilizada justamente com esse intuito, pois a impressão sobre a trama resultaria em seu despedaçamento.

A peça resultante do tricô se chama trabalho. Ciente disso, fiz um paralelo entre a nomenclatura do suporte e as relações de trabalho para pontuar como toda a classe trabalhadora é oprimida pelo recorte de classe. Por serem fundamentais para a sustentação do capitalismo, as opressões garantem a superexploração da classe trabalhadora ao dividi-la, o que enfraquece a luta contra a exploração e a opressão.

Vários pesquisadores apontam que a superação da opressão só poderá acontecer com a eliminação da exploração capitalista, pois um e outro são interligados. Paradoxalmente, muitos artesãos que fazem tricô ou crochê optam por não vender seus trabalhos, justamente porque cobrar um salário justo por horas de trabalho tornaria a peça extremamente cara.

Isso demonstra o quanto os trabalhadores são explorados ao produzirem produtos de maneira extremamente rápida e industrial, em detrimento da manualidade, que tem seu valor (literal e metafórico) frequentemente questionado e diminuído.

Todos os elementos do trabalho foram escolhidos para simbolizar algum ponto da teoria, e, na versão estendida do trabalho, atribuí significado a cada um deles. Aqui, reuni os mais simbólicos.

O título, LUTX, pode referir-se à luta, tema aqui trabalhado; ao luto, que se refere à experiência de perder alguém ou algo importante — nesse caso, relaciono esse “algo” à perda de liberdade a qual, como argumenta Paulo Freire, é o oposto da opressão; e também pode significar lute, em uma tentativa de chamar pessoas para essa luta coletiva, que é, também, o objetivo do trabalho.

A construção do tricô foi demorada, repetitiva e dolorosa pelo peso e tamanho da peça. Assim como a luta contra a opressão, não é um assunto agradável de ser debatido; deve ser retomado diariamente, pois está em todo o lugar. Do mesmo modo que o tricô gera dor no corpo e nas mãos, tensão, a opressão também é sentida por e a partir do corpo, por diferenças qualificadas positiva e negativamente como resultado histórico da opressão.

Por remeter às faixas feitas para reivindicar direitos em manifestações, fiz um paralelo entre a peça e os cartazes de protesto. Historicamente, os cartazes foram e são utilizados por grupos oprimidos para transmitir mensagens de protesto, com o intuito de responderem a algum acontecimento significativo o suficiente para desencadear uma mobilização.

Esse cartaz, no entanto, é incapaz de participar de manifestações, pois a luta contida nele não é reivindicada de maneira expressiva. Ou seja, jamais será carregado em um protesto por conta da segmentação de lutas.

A escolha da fonte partiu da seguinte reflexão: pessoas em condição de subalternidade são grupos oprimidos, explorados, marginalizados. Assim como a pichação. Essa fonte e movimento entra para reafirmar a necessidade desse cartaz (ou seja, a luta antiopressão) estar na rua, que é também o lugar de origem do picho.

É na rua que a pichação mostra seu poder de subversão, seu real significado e valor, não dentro de galerias ou da universidade, assim como o debate sobre a importância da luta — que não pode ficar aprisionada no campo teórico.

Espero que essa arte inspire outras pessoas a tornarem-se mais uma voz nesse grande grito que é a luta.

(*) Isabella de Melo Zaparoli é bacharel em Artes Visuais.

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