Boate Kiss: comunicação poderia ter amenizado a tragédia
Ontem o Brasil acordou perplexo com a tragédia ocorrida na boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, na qual, segundo os últimos relatos, 231 pessoas morreram e 123 ficaram feridas. Tragédias acontecem o tempo todo e em todo lugar e ninguém pode anular os riscos, mas é possível sim mitigá-los com planejamento, mapeamento e um bom plano de ações.
Em particular a essa situação, como gestor de uma empresa de radiocomunicação, tenho a ousadia de dizer que o uso desses equipamentos poderia ter mitigado essa tragédia. Isso porque o segurança que estava no palco tentando apagar o fogo, ao perceber que não seria possível controlar a situação, poderia ter alertado os funcionários que estavam na portaria para que liberassem a passagem, pois o local se encontrava em chamas.
Mas como grandes tragédias nunca têm um único culpado, mas sim vários, essa não foi diferente. Como sempre a omissão do poder público, que não exerceu sua atividade adequadamente no que tange a fiscalização, tem considerável cota de culpa. No entanto, a maior parte da responsabilidade, segundo as informações fornecidas pela imprensa, a meu entendimento, cabe aos gestores do local.
É impressionante como a banalização de processos de gestão e mapeamento de riscos, bem como de engenharia de segurança, tidos como importantes em qualquer lugar civilizado, é um mero detalhe, ou ainda, sequer existem para muitos administradores de negócios aqui no Brasil.
O resultado desse tipo de cultura, certamente foi o germe da tragédia da boate Kiss. Show pirotécnico em ambiente fechado sem nenhum planejamento (situação que já causou incêndios em boates gerando inúmeras tragédias pelo mundo), falta de brigada de incêndio local (exigida para evento desse porte), superlotação da casa, sinalização de saída deficiente, segurança sem comunicação adequada e percepção da tragédia que estava para acontecer. Todos esses erros, fruto de péssima gestão e planejamento, decretaram a morte de centenas de jovens.
Acredito que essa cultura de contar com a sorte, de achar que coisa ruim só acontece com os outros, é a real causa de muitas pequenas e grandes tragédias que ocorrem no Brasil. Aqui joga-se com a sorte o tempo todo, em parte por causa da impunidade, podemos citar como exemplo o emblemático caso do naufrágio do Bateau Mouche ocorrido em 1988, sem julgamento dos culpados até hoje, passadas duas décadas.
Tramita no Congresso Nacional uma Lei Federal que obrigará que a cada cinco anos seja contratado um engenheiro para fiscalizar e validar se o projeto de uma planta baixa de construção está corretamente instalado, por exemplo. No entanto, não adianta a lei se a cultura empresarial do Brasil e as autoridades constituídas não fizerem sua parte. Que a sociedade brasileira aprenda com os erros e consiga evoluir gerando uma nova ética. Enquanto isso não ocorrer, fica a dúvida: será que Deus é mesmo brasileiro?
(*)Dane Avanzi é advogado e empresário de engenharia civil, elétrica e de telecomunicações e diretor presidente do Instituto Avanzi, ONG de Defesa do Consumidor de Telecomunicações