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Crítica da crítica à meritocracia

Berenice Bento (*) | 19/05/2021 07:40

Não sei quando escutei pela primeira vez na minha vida que o esforço, a disciplina seriam condições primeiras para eu me tornar gente. Na boca de minha mãe saíam palavras encantadas: “você precisa estudar para ser alguém na vida”. Talvez de formas distintas, este mantra possa ser identificado como um dos eixos estruturantes da vida social brasileira. Pela voz dos/das estudantes vejo suas mães e revejo a minha mãe. Ali estão eles/elas em uma sala de aula, tentando fazer-se gente. É a meritocracia sendo incentivada desde sempre.

As reflexões que tenho realizado na minha trajetória acadêmica, inicialmente marcadas pelas teorias feministas, de certa forma, me liberaram dessa crença inicial que foi incorporada na fase da vida em que tudo que pai/mãe dizem é interiorizado como verdades absolutas. Quando, em algum momento de nossas vidas, nos damos conta de que há condições históricas, sociais e econômicas que antecedem ao nosso desejo, nos deparamos com dois caminhos possíveis para lidar com os dilemas ou rupturas com os valores interiorizados: ou fazemos o esforço para entender por que determinadas condições de possibilidades me foram negadas (por ser negra/negro, mulher, transexual, indígena) ou tentamos negociar individualmente com estas mesmas condições que limitam o nosso acesso aos bens materiais e simbólicos socialmente disputados. No primeiro caso, estamos diante de dilemas que se voltam para a história fora de nós. No segundo, somos nós, no mundo da vida, que tentamos sobreviver e “furar” o cerco das barreiras. É aqui, nesse segundo movimento, que a noção de meritocracia impera.

O que é meritocracia?

Meritocracia pode ser compreendida como um sistema de hierarquização e premiação baseado nos méritos pessoais de cada indivíduo. Etimologicamente, vem do latim meritum (mérito) e cracía (“poder”). O poder do mérito está assentado na suposição de qualidades individuais, resultado dos seus esforços e dedicações. Este termo foi utilizado pela primeira vez por Michael Young, no livro Rise of the Meritocracy (Levantar da Meritocracia), publicado em 1958. Nesse livro de Young, o mérito é entendido como um termo pejorativo, uma vez que se relacionava com a narração de uma sociedade que seria segregada, tendo como base dois principais aspectos: a inteligência (QI elevado) e um grande nível de esforço. As melhores posições hierárquicas estariam condicionadas às pessoas que apresentam os melhores valores educacionais, morais e aptidões técnicas ou profissionais específicas e qualificadas em determinada área.

O sistema meritocrático de recompensa é amplamente aplicado por empresas e organizações privada, mediante a valorização e premiação de profissionais que apresentam melhores produções, seja com aumentos de salário ou oferta de cargos superiores. A meritocracia nas empresas é uma forma de motivar os funcionários que se dedicam em suas funções em busca de alcançar melhores oportunidades como consequências dos méritos apresentados.

(*) Berenice Bento é professora do departamento de sociologia da Universidade de Brasília.

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