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De olhos abertos e punho Cerrado

Iris Roitman (*) | 13/09/2023 13:30

Enquanto a atenção mundial se volta para a proteção da Amazônia, o Cerrado perde espaço, perde vida. As matas, savanas e campos estão desaparecendo. Seus povos indígenas e comunidades tradicionais, guardiões da natureza, estão sob constante ameaça e lutam para defender seus territórios e vidas. Essa luta não é só deles. Temos pressa!

Patinho feio da conservação e galinha dos ovos de ouro do agronegócio, o Cerrado foi preterido até na própria Constituição de 1988. Ficou de fora do § 4º do artigo 225, que definiu a Amazônia, Mata Atlântica, Serra do Mar, Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira como patrimônios nacionais, conferindo-lhes maior proteção ambiental. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, 47% da Amazônia é protegida por Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas, enquanto as UCs ocupam apenas 8,1% do Cerrado. Vale lembrar que, mesmo na Bacia Amazônica, existem enclaves de Cerrado. Essas áreas, altamente ameaçadas, abrigam diversas comunidades tradicionais, inclusive quilombolas, que enfrentam conflitos socioterritoriais devido à expansão do agronegócio. 

O compromisso do atual governo brasileiro para a proteção da natureza não pode ficar limitado à Amazônia. O Cerrado já perdeu cerca de metade de sua vegetação nativa. Depois da Amazônia, é o bioma com maior emissão de gases de efeito estufa causada pela mudança no uso do solo. Conforme o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a área de alerta de desmatamento na Amazônia diminuiu 33% nos seis primeiros meses de 2023 em relação ao ano anterior, enquanto aumentou 21% no Cerrado. A pressão internacional contra o desmatamento na Amazônia tem aumentado e pode levar ao efeito perverso de deslocar o desmatamento para outros biomas e ampliar conflitos socioambientais e a ameaça aos povos indígenas e tradicionais.

Nosso bioma tem muitas riquezas. Farinha de jatobá, óleo de babaçu, castanha de pequi, mangaba, sabão de coco macaúba, castanha de baru, doce de cajuzinho-do-cerrado e o araticum são alguns dos produtos do agroextrativismo no Cerrado. Estruturados em cadeias produtivas sustentáveis, a partir da organização de comunidades, proporcionam renda às famílias, que desenvolvem tecnologias de conservação da vegetação nativa. Isso sem mencionar o potencial ainda inexplorado de suas biomoléculas para a medicina e indústria farmacêutica. É preciso fomentar a sociobiodiversidade e a bioeconomia do “Cerrado em pé”.

Ao destacar a riqueza do Cerrado, temos que falar das pessoas que vivem nesse espaço. Gente que tem história e saberes, que carrega as marcas de sua resistência. Entre os morros e vales do Planalto Central habitam muitos cerratenses: agricultores, ribeirinhos, quilombolas, geraizeiros, vazanteiros, quebradeiras de coco babaçu, povos de fundo e fecho de pasto, povos de terreiro e apanhadores de flores sempre-viva. Vivem povos originários como os Xavante, Kalapalo, Karajá, Krahô, Guarani-Kaiowá, Avá-Canoeiro, Terena, Javaé, Xerente, Xakriabá, Kisêdjê, Apinajé e Tapuia. Esses cerratenses, que sabem viver da terra sem matá-la, merecem nossa reverência e reconhecimento. Devemos apoiar essas comunidades e suas lutas, como a demarcação e homologação de terras indígenas e o reconhecimento e titulação de territórios quilombolas.

Não podemos mais fechar os olhos para esse bioma tão grandioso e ameaçado. É preciso lhe dar o merecido destaque na agenda socioambiental do Brasil e do mundo. E não basta abrir os olhos. É preciso lutar de punho Cerrado!

(*) Iris Roitman é professora e pesquisadora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Meio e Ambiente e Desenvolvimento Rural.

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