Deus está aqui
De um modo geral, as pessoas repetem a premissa de que Deus está em toda parte, o que, a meu ver, é verdadeiro. Esse entendimento deveria corresponder às atitudes, porque a constatação da presença de Deus cria a consciência da responsabilidade por nossos atos que estão sendo todos observados, permanentemente.
A pandemia serviu para nos aproximar de Deus. Foi uma sacudida global, nos lembrando sobre a transitoriedade da vida e como, de uma hora para outra, tudo muda. Por outro lado, também fortaleceu a consciência de que não estamos sozinhos.
Quando foram criadas as religiões (religião vem do latim religare, ligar de novo, conectar), a intenção era despertar o ser humano para sua condição intrínseca de filho de Deus. No entanto, com o passar do tempo, as religiões se desligaram do projeto original, estabelecendo hierarquias, criando ritos, mitos, cerimonias, práticas obrigatórias, exigindo fidelidade e submissão, gerando discórdia, condenando os que não aceitavam suas imposições, aplicando penas e não reconhecendo o direito natural do homem de usar sua consciência, seu livre arbítrio para decidir sobre a própria vida.
Essa condição acabou despertando uma percepção intuitiva em muitos homens, filósofos e pensadores, que começaram a questionar a imposição das religiões. A inspiração divina ativou a consciência de muitos, que tiveram a coragem de enfrentar essa imposição, buscando novos caminhos, o que gerou um afastamento gradativo de suas práticas.
Assim, o despertar da espiritualidade estimulou muita gente, como o padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin, falecido em 1955, que elaborou um texto mostrando a diferença entre religião e espiritualidade:
“A religião, não é apenas uma, são centenas.
A espiritualidade é apenas uma. A religião é para os que dormem.
A espiritualidade é para os que estão despertos.
A religião é para aqueles que necessitam que alguém lhes diga o que fazer e querem ser guiados.
A espiritualidade é para os que prestam atenção à sua Voz interior.
A religião tem um conjunto de regras dogmáticas.
A espiritualidade te convida a raciocinar sobre tudo, a questionar tudo.
A religião fala de pecado e de culpa.
A espiritualidade diz: “aprenda com o erro”.
A religião reprime tudo, te faz falso.
A espiritualidade transcende tudo, te faz verdadeiro!
A religião inventa. A espiritualidade descobre.
A religião é causa de divisões.
A espiritualidade é causa de união.
A religião faz viver no pensamento.
A espiritualidade faz viver na consciência.
A religião crê na vida eterna.
A espiritualidade nos faz conscientes da vida eterna.
A religião promete para depois da morte.
A espiritualidade é encontrar Deus em nosso interior, durante a vida”.
Enfim, o despertar para a espiritualidade tem sido uma constante em todo o planeta. E provoca um acordar permanente e questionador. A espiritualidade nos ensina que somos os condutores de nossas vidas e que não devemos permitir que ninguém nos diga como viver nossa vida. Com essa ação interior e verdadeira se confirma a presença de Deus, em tudo e em todos.
Por oportuno, transcrevo também parte de um texto atribuído ao filósofo holandês Baruch Spinoza (1632 –1677), intitulado “O Deus de Spinoza”: “Para de ficar rezando e batendo no peito O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti. Para de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti. Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho? Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
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Para de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz… Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti. Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia. Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é a única que há aqui e agora, e a única que precisas.
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Para de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres?
Para que tantas explicações? Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro de ti. Aí é que estou”.
Concordo em gênero, número e grau. Mais uma confirmação de que Deus está aqui. Para reflexão.
(*) Heitor Rodrigues Freire é corretor de imóveis e advogado.