Entre utopias e distopias: design de interesse público e cidades inteligentes
A rápida urbanização é um dos fenômenos mais marcantes do século 21. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), 62% da população mundial vive atualmente em áreas urbanas, com previsão de aumento para 68% até 2050. Esse cenário impõe desafios significativos, como a gestão ambiental, a inclusão social e a criação de espaços públicos que atendam às necessidades de populações diversas. Nesse contexto, as cidades inteligentes emergem como uma alternativa promissora ao combinarem tecnologias avançadas e soluções inovadoras para otimizar serviços públicos e melhorar a qualidade de vida. Contudo, o êxito dessas iniciativas não depende apenas da aplicação de recursos tecnológicos, mas também da construção de modelos urbanos éticos, inclusivos e participativos.
Os laboratórios urbanos, por exemplo, desempenham papel fundamental nesse processo, conectando governos e sociedade. Esses espaços possibilitam o acesso a informações sobre inovação pública e permitem que as pessoas participem diretamente da tomada de decisões sem precisarem estar fisicamente presentes, promovendo maior engajamento e inclusão. Além disso, ao conectar autoridades e cidadãos, os laboratórios urbanos incentivam o uso de ferramentas digitais para melhorar a vida cotidiana, criando ambientes de participação social e cultural ativa. Eles viabilizam parcerias, a execução de projetos e o monitoramento das ações governamentais, contribuindo para uma governança mais aberta e colaborativa. Entretanto, a construção de uma cidade inteligente também desafia as comunidades humanas a cooperarem intelectual, ética, estética e democraticamente, expondo tensões entre os ideais utópicos e as limitações distópicas dessa proposta.
É nesse ponto que o design de interesse público assume uma relevância crescente. Surgido na década de 1970, esse conceito defende práticas que colocam valores sociais e ambientais no centro da criação de soluções urbanas, como pode ser consultado no Guia de Práticas de Design de Interesse Público (Public Interest Design), dos autores Lisa M. Abendroth e Bryan Bell, publicado em Nova York, em 2016. Porque integrado ao planejamento das cidades inteligentes, ele pode equilibrar inovação tecnológica e participação cidadã, promovendo a construção de espaços urbanos mais equitativos e sensíveis às identidades culturais. Dessa forma, as cidades inteligentes podem ir além de seus desafios tecnológicos, tornando-se laboratórios vivos para repensar a urbanização moderna, com foco na sustentabilidade, na inclusão e no bem-estar coletivo.
Entretanto, essas soluções devem ser aplicadas corretamente e baseadas em um fundamento científico sólido e racional. A abordagem para a criação de uma cidade inteligente e sustentável deve promover, inerentemente, o desenvolvimento do capital humano e social e, ao mesmo tempo, priorizar a proteção ambiental, como constatado no relatório da United Nations Centre for Regional Development (UNCRD), Smart Cities Supporting an Inclusive, Sustainable, and Resilient Society. A implementação dessas tecnologias levanta questões críticas com relação à acessibilidade, à inclusão digital e aos impactos éticos e sociais que elas podem causar. Além disso, a extensão dos espaços públicos está sendo cada vez mais ampliada. Esses espaços servem como locais de convivência, interação e arenas políticas e culturais onde se refletem as desigualdades sociais e a dinâmica do poder. Portanto, a criação de espaços públicos inclusivos, integrativos e sustentáveis é fundamental para repensar a urbanização contemporânea. Além disso, “ao mesmo tempo que se buscam soluções de design urbano sustentáveis e sensíveis ao clima, a sensibilidade cultural é fundamental para respeitar as tradições e identidades culturais locais,” conforme o mapeamento do espaço de soluções para a ação climática em The Role of Urban Planning and Design, publicado pelo relatório do UN-Habitat 2024.
Apesar dos avanços prometidos pelas cidades inteligentes, um paradoxo se forma: embora incentivem a inovação tecnológica, muitas vezes perpetuam ou até ampliam desigualdades existentes. Por exemplo, a digitalização de espaços públicos, ao invés de promover inclusão universal, pode agravar a exclusão de populações vulneráveis, como idosos, crianças e pessoas de baixa renda, que frequentemente enfrentam barreiras no acesso a essas tecnologias. Além disso, a coexistência de espaços físicos e digitais levanta novos desafios estéticos, éticos e políticos, principalmente na criação de espaços públicos inovadores que preservem a identidade cultural e promovam a inclusão. É nesse ponto que o conceito de integração social se torna central para a análise crítica das cidades inteligentes. Formulado pelo sociólogo britânico David Lockwood, com base nas teorias funcionalistas normativas da década de 1950 e nas teorias de conflito, de autores como Ralf Dahrendorf e John Rex, o termo busca compreender as formas como indivíduos ou grupos se relacionam em uma sociedade, especialmente em contextos marcados por desigualdades estruturais. Enquanto a integração social refere-se aos princípios que guiam essas interações, a integração de sistemas aborda como as partes de uma sociedade ou sistema social se conectam funcionalmente. No entanto, Lockwood argumenta que essas relações não são necessariamente harmoniosas, podendo refletir tanto conflito como cooperação.
No contexto das cidades inteligentes, essas tensões tornam-se ainda mais evidentes: enquanto as tecnologias digitais prometem conectar comunidades e integrar serviços urbanos, elas podem simultaneamente reforçar dinâmicas excludentes, ampliando a distância entre aqueles que têm acesso pleno às inovações tecnológicas e os que são deixados à margem. Assim, o ideal de integração social nas cidades inteligentes deve ir além da conectividade tecnológica, incorporando estratégias que enfrentem desigualdades e promovam interações equitativas entre os diversos atores sociais que compartilham os espaços urbanos.
As tecnologias de informação e comunicação (TIC) são fundamentais para os desafios enfrentados pelas cidades inteligentes, considerando que as tecnologias digitais criam experiências em espaços urbanos e que as questões sociais ainda precisam ser resolvidas. Muitas visualizações para cidades inteligentes continuam em fase de planejamento, e sua concretização depende da abordagem de outras prioridades urgentes. Esta questão foi desenvolvida em meu livro Visualizations of Urban Space: Digital Age, Aesthetics, and Politics, ainda quando a inteligência artificial (IA) estava surgindo. Agora o contexto urbano ainda mais digitalizado apresenta um fator crucial maior ainda que é garantir que todos tenham acesso às novas tecnologias. Portanto, a vontade política e os investimentos são essenciais para tornar o acesso à internet uma realidade, e a inclusão digital pode se tornar uma necessidade fundamental, assim como a saúde, a educação e a qualidade de vida. Os componentes fundamentais do desenvolvimento estão intrinsecamente ligados às narrativas da vida urbana cotidiana e às utopias que influenciam um futuro imprevisível. É fundamental reconhecer que as utopias têm uma função significativa ao representarem uma crítica à realidade que vivemos e, ao mesmo tempo, conceituam ideais. “Utopia” não é apenas um termo que sugere ficção social ou ilusão; em vez disso, a noção de utopia surge de uma crítica das condições sociais, o que indica que a utopia não é necessariamente inatingível, mas incorpora o potencial de conquistas sociais. Assim, ao se configurar o conceito de cidade inteligente mediante esteticização e tecnicização dos ambientes urbanos, é possível vislumbrar utopias para o futuro das cidades. Em um sentido crítico, com relação à evolução e à percepção, podem ser consideradas novas intervenções relativas às tecnologias de comunicação alinhadas à dinâmica urbana. Elas possibilitam novas dimensões de espaços e relacionamentos para um futuro ancorado na indústria sustentável e no comércio justo. Essas novas dimensões espaciais sugerem uma demanda crescente por planejamento de design.
Nesse contexto, Ernst Bloch formulou a “função utópica” (utopische Funktion) como uma função mental e essencial que se expressa por meio da expectativa, da antecipação e da imaginação. Bloch entendia o mundo como um “laboratório de salvação possível” (Laboratorium des möglichen Heils), no qual a utopia atua como um agente interno e móvel que assume o inacabado e o aberto — o princípio de esperança. Essa perspectiva transcende as noções tradicionais de utopias sociais ao adotar abordagens inovadoras em diversos campos, como tecnologia, arquitetura, design, arte e mídia. Essa noção utópica aproveita as possibilidades que emergem da natureza inerentemente inacabada da realidade, posicionando a utopia como uma ferramenta vital para imaginar e construir novas formas de espaços urbanos, além de suas dimensões sociais.
Assim, a quarta revolução industrial ‒ comumente conhecida como “Indústria 4.0” ‒ libera uma variedade de tecnologias avançadas e interconectadas no modelo utópico de desenvolvimento de cidades inteligentes. A Indústria 4.0 não apenas remodela os métodos de produção, mas também redefine os padrões de vida urbana. Em várias iniciativas urbanas, os sistemas e as técnicas de simulação por computador desempenham papel fundamental, gerando modelos digitais que facilitam interações e aplicativos complexos em realidade virtual e aumentada, espelhando com eficácia os processos reais. Toda a estrutura socioeconômica também vem sendo digitalizada em suas dimensões produtivas, educacionais e culturais. Na linha do tempo do avanço industrial, considerando-se as mudanças nos espaços urbanos, essa racionalização do sistema indica a tecnicização das estruturas sociais e urbanas ‒ refletindo como a sociedade é tecnicamente remodelada. Nesse contexto evolutivo, podemos observar as conexões que incentivam a integração das tecnologias digitais e analisar os prós e os contras de seu uso pela sociedade contemporânea e por aquela do futuro próximo, assim como os desafios da vida urbana decorrentes do desenvolvimento industrial diante da superpopulação.
Embora o aprimoramento das capacidades humanas represente um desafio considerável, a inteligência artificial oferece métodos analíticos avançados que facilitam a interpretação de cenários e a análise do comportamento do sistema, apoiando, assim, a tomada de decisões e a automação. Essas tecnologias são essenciais para a simulação em vários setores de produção, fornecendo percepções valiosas por meio de modelos realistas que refletem com precisão diversas situações. Portanto, a validação de modelos com base em dados experimentais é essencial para garantir simulações práticas. As técnicas de simulação reproduzem processos e operações reais, utilizando a lógica matemática para avaliar os efeitos, os resultados e as experiências que os seres humanos podem encontrar. Um modelo simulado é criado usando-se parâmetros específicos, sendo testado para garantir que se assemelhe à realidade física em condições variadas. Essas simulações podem criar ambientes totalmente virtuais que permitem a interação por meio da realidade virtual. Trata-se dos gêmeos digitais para auxiliar no planejamento urbano ‒ Digital Twins used in Urban Planning and Infrastructure. Além disso, outras simulações podem envolver resoluções complexas que incorporam a dinâmica física. Essa abordagem também pode ser aplicada a gêmeos digitais em uma escala maior, como cidades inteiras, simulando sistemas a exemplo de saneamento, redes de energia e fluxo de tráfego.
Consequentemente, as relações de produção atuais, caracterizadas como um processo de tecnicização, estão situadas na estrutura de ambientes públicos racionalizados na quarta revolução industrial. De modo abrangente, as áreas urbanas são retratadas como visualmente alteradas pela “gentrificação”, do inglês gentrification, utilizado por Ruth Glass em sua obra Aspects of Change (1964), sobre as mudanças na organização espacial da cidade de Londres e “o deslocamento, processual ou súbito, de residentes e usuários com condições de vida precárias de uma dada rua, mancha urbana ou bairro para outro local para dar lugar à apropriação de residentes e usuários com maior posição econômica e cultural,” como esclarecido por Emanuel Oliveira Braga, no Dicionário do Patrimônio Cultural.
Modelos específicos de IA enfatizam os dados, oferecendo percepções gerais sobre o comportamento humano e levantando questões éticas importantes. Assim, as diretrizes éticas e uma estrutura centrada no ser humano são essenciais para atender às necessidades das pessoas e vislumbrar um futuro ideal. Para criar um futuro melhor e redesenhar os ambientes da vida pública, é essencial aproveitar as ferramentas e condições contemporâneas no cenário da inteligência artificial para alcançar a sustentabilidade em meio a um processo de gentrificação no contexto de tecnicização e esteticização, conforme descrito anteriormente. Isso se refere ao mundo material refinado por meio dos avanços da ciência e da tecnologia e de um processo de aprimoramento estético que o acompanha, especialmente relevante ao considerar a existência simultânea do passado, do presente e do futuro da cidade.
O contexto atual do passado, do presente e do futuro da cidade revela a dinâmica entre os antigos colonizadores e as sociedades colonizadas, levando à diversidade cultural e ao convívio de populações nativas em consequência das implicações da modernização, muitas vezes vinculadas aos padrões europeus de progresso, avanço científico e dinâmica do mercado liberal. Nesse aspecto, as crenças das comunidades indígenas e tribais e as contribuições do movimento afrodiaspórico são fundamentais. É vital reconhecer o impacto histórico da colonização e suas consequências contínuas, pois isso coexiste com os esforços de descolonização que refletem a resiliência do Sul global e seus valores culturais contra o domínio do conhecimento europeu moderno. Considerando isso, o design de espaços públicos para acomodar as populações do Sul e do Norte globais implica reconhecer a importância da inclusão sociocultural na revitalização de ambientes urbanos. É fundamental aplicar critérios estéticos específicos às práticas de design que respeitem as diversas origens culturais e uma abordagem transdisciplinar em tecnologia, arquitetura, arte e mídia. Por exemplo, a exposição internacional de arte contemporânea documenta 15, realizada em Kassel, na Alemanha, em 2022, incluiu o design e a arquitetura nos princípios de coletividade, construção de recursos e distribuição equitativa, orientados para a comunidade, pela sustentabilidade em termos ecológicos, sociais e econômicos, em que recursos, ideias ou conhecimentos são compartilhados por meio das artes mediante participação social. Como também a Bienal de Veneza, que defendeu uma abordagem mais sustentável em sua edição de 2023, com a 18ª Exposição Internacional de Arquitetura, intitulada Laboratório do Futuro, apresentando temas de descolonização, descarbonização, novas tecnologias e sustentabilidade.
Dessa forma, a abordagem transdisciplinar supera as fronteiras tradicionais entre as disciplinas, unindo conhecimentos de arquitetura, design, artes visuais, ciências sociais e tecnologia. Isso reflete uma visão holística da urbanização que reconhece problemas complexos, como as mudanças climáticas e a exclusão social, exigindo soluções que consideram simultaneamente aspectos culturais, ambientais e tecnológicos. De acordo com Erik Olin Wright, em Envisioning Real Utopias (2010), quando embarcamos em um empreendimento prático, devemos nos comprometer a capacitar a sociedade, ultrapassar limites e estabelecer novas instituições para ampliar os limites e transformar visões em realidade. O objetivo é desafiar os modos de pensar predominantes entre sonhos e ações, fundamentando ideais utópicos para a mudança social e visando tornar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável uma realidade em um mundo imperfeito. Conforme descrito, a utopia não é inerentemente algo irreal; ao contrário, ela representa condições possíveis, na arquitetura, do planejamento urbano, do design e dos avanços sociais ou políticos, especialmente no desenvolvimento de cidades inteligentes. As bases estão justamente nos processos produtivos e nas novas tecnologias que permitem a materialização das ideias. Ideias utópicas e distópicas despertam nossa imaginação, estimulando a exploração do que é possível. Uma simples reviravolta do destino pode transformar nosso mundo em uma utopia caracterizada pela perfeição e beleza, ou em uma distopia marcada pelo caos e horror.
No centro do progresso da cidade inteligente, estão as histórias ligadas às experiências urbanas diárias e às visões idealizadas que influenciam nosso futuro incerto. Essas perspectivas idealistas atuam como críticas significativas às condições sociais existentes. A utopia surge de uma análise cuidadosa do presente, em vez de ser vista apenas como ficção social. Por exemplo, o filme recentemente lançado Megalopolis (2024), dirigido por Francis Ford Coppola, tem como cenário uma cidade fictícia em que se dá uma disputa entre um arquiteto visionário, que promove um futuro utópico para a cidade, e a agenda política de interesse do prefeito. No entanto, Noah Harper, um designer urbano e entusiasta do cinema de Boston, argumentou que “a utopia moderna é, então, feita por (e para) poucos, em vez de muitos. Ela não consegue resolver o problema por não envolver as pessoas em cujas vidas planejamentos [de design, arquitetura e urbanos] mais impactam” (minha tradução). Contudo, há de se considerar, ainda, o poder da imaginação, ampliando os limites do que pode ser realizado. A base está nos processos produtivos e nas tecnologias inovadoras que dão vida às ideias. Por um lado, isso se refere ao mundo material aperfeiçoado por meio de um processo de tecnicização e esteticização relacionado ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Por outro lado, trata-se de um sistema econômico responsável por gerenciar e investir em tecnologia digital e na integração de espaços físicos e virtuais.
Nesse sentido, a experiência estética urbana é possível não apenas pela integração física e digital dos espaços urbanos, mas também por formas de transmissão audiovisual por meio de imagens de mídia digital. Esse sentido é enfatizado por Christiane Heibach em seu artigo Von der Land Art zur Klimakapsel: Ökologische Utopien in der Medienkunst (Da Land Art à Cápsula Climática: Utopias ecológicas na arte da mídia), que se concentra em obras que deliberadamente criam um campo de tensão entre a vontade criativa do artista, do designer, do arquiteto e o poder criativo da natureza. Heibach enfatiza: “[…] se as utopias são entendidas como experimentos de pensamento baseados em padrões de pensamento do presente e deslocados para o futuro, então [são] os exemplos de arte e design que criam espaços de vida concretos […]” (minha tradução).
Alguns projetos de design, artísticos, arquitetônicos e criativos se destacam em particular. Tomás Saraceno usa seu projeto Aerocene: Free the Air. “Orbit-s” For a Post-Fossil Fuel Era como um exemplo concreto para projetar espaços de convivência, discutindo o design colaborativo, a influência da arte digital de vanguarda e os desafios de criar espaços interativos em grande escala. Outro exemplo é Timo Helgert, conhecido por suas impressionantes instalações virtuais e arte digital. Helgert usa realidade aumentada e design 3D para criar espaços de vida ilusórios com uma atmosfera urbana. John Craig Freeman, conhecido por sua experiência em arte com realidade aumentada (RA), usa a RA em espaços públicos para trazer a fronteira entre os EUA e o México para Boston com seu projeto Virtual U.S. Mexico Border. Os espectadores podem usar seus smartphones para ver um muro virtual no Boston Common, o que lhes permite conhecer o México e os EUA ao mesmo tempo. O aplicativo cria uma experiência imersiva e oferece um vislumbre da área onde o muro proposto para a fronteira com o México seria construído. Em São Paulo, destacam-se as obras urbanas com RA do artista multimídia Henrique Montanari, conhecido como EDMX, como o mural NO PANIC, realizado em São Paulo durante a pandemia da covid-19, objetivando “passar uma mensagem de apoio a toda a população”, pelas palavras do EDMX.
Assim, pressupõe-se que a sociedade, a cultura e a natureza das ações fazem parte de um conhecimento complexo relacionado ao desenvolvimento da tecnologia e da arte em suas criações e produção. Todas as questões sensoriais são temporais e históricas e aparecem nas condições materiais de produção, no sentido hegeliano. Mesmo que essas condições também sejam responsáveis pelo design, arte e arquitetura, ainda há espaço para experiências fundamentais nas relações humanas, como a relação com a natureza e com o próprio homem, independentemente dos fatores materiais predominantes que podem exercer sua influência (Zeitgeist) a qualquer momento e em qualquer lugar.
Embora a integração transdisciplinar de cultura, tecnologia e natureza seja promissora, sua implementação exige esforços contínuos para superar barreiras políticas, econômicas e sociais. O sucesso das cidades inteligentes depende de sua capacidade de equilibrar a inovação tecnológica com valores éticos e inclusão social. As cidades do futuro devem ser mais do que ambientes funcionais; devem ser espaços de vida onde a tecnologia, a cultura e a natureza coexistam de forma harmoniosa e inclusiva. Isso exige um compromisso coletivo com a sustentabilidade, a equidade e a criatividade. Caso contrário, as smart cities oferecerão apenas distopias.
Entre as realidades vividas e as imaginadas no espaço urbano público, as utopias e distopias representam forças contrastantes que revelam um “poder oculto” entre o ideal de poder visível e a realidade concreta das cidades. No contexto das cidades inteligentes, essas tensões são amplificadas pelas profundas implicações das tecnologias, como a inteligência artificial, na educação, na pesquisa e na gestão urbana. Nesse cenário, o design de interesse público emerge como uma ferramenta essencial para equilibrar inovação tecnológica e compromisso ético, articulando estratégias que alinhem desenvolvimento urbano às metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Para transformar as cidades do futuro em espaços inclusivos e sustentáveis, é indispensável superar desafios culturais, sociais e econômicos, tendo como base a cooperação democrática, a vontade política e uma visão centrada no bem-estar coletivo. Mais do que projetar ambientes tecnologicamente avançados, é necessário repensar o progresso, redefinir prioridades à luz dos direitos fundamentais e construir espaços que reflitam a diversidade cultural e a justiça social. Por fim, o futuro das cidades depende da nossa capacidade de transformar utopias em realidades concretas, guiadas por valores éticos, participação cidadã e inovação responsável. Somente assim será possível criar um modelo de urbanização que não apenas integre o físico e o digital, mas também respeite as necessidades humanas e preserve as esperanças de um futuro mais justo e sustentável.
(*) Christiane Wagner, pesquisadora do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP
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