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Meio Ambiente

MS lidera número de famílias afetadas por agrotóxicos em conflitos agrários

“O veneno se transforma em instrumento de expulsão de povos tradicionais para abrir espaço para a agricultura”

Por Ângela Kempfer | 24/04/2025 11:01
MS lidera número de famílias afetadas por agrotóxicos em conflitos agrários
ndígenas Guarani kaiowá fortalecem reivindicação contra violação de direitos humanos. (Foto: MPF)

O uso de agrotóxicos no Brasil ultrapassou os limites da lavoura e se consolidou como uma das formas mais perversas de violência no campo, avalia relatório Conflitos no Campo Brasil 2024, da CPT (Comissão Pastoral da Terra), ligada à Igreja Católica. O grupo faz uma relação entre uso desses produtos e a disputa por terras, principalmente em Mato Grosso do Sul.

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O relatório "Conflitos no Campo Brasil 2024" da Comissão Pastoral da Terra (CPT) destaca o uso de agrotóxicos como uma forma de violência no campo, especialmente em Mato Grosso do Sul, onde 7.538 famílias indígenas foram afetadas em 2024. O estado lidera em número de vítimas, com 17 ocorrências de uso de agrotóxicos como arma química. A pulverização aérea, inclusive por drones, é um método comum, afetando até escolas. A prática está ligada ao modelo de produção agrícola em larga escala. O relatório critica o impacto ambiental e social, alertando para a necessidade de repensar o modelo de desenvolvimento agrícola.

Com base em denúncias, o levantamento revela crescimento explosivo de contaminações químicas e avalia que é mais uma "arma" em disputas por terra. Mato Grosso do Sul aparece no topo dessa estatística: foi o estado com maior número de famílias vítimas desse tipo de conflito no último ano, sempre com indígenas como vítimas.

Segundo a CPT, 17 ocorrências de uso de agrotóxicos como arma química foram registradas em MS em 2024, totalizando 7.538 famílias indígenas afetadas, todas localizadas na região de Dourados. O número coloca o estado à frente de todas as outras unidades da federação em volume de vítimas.

MS lidera número de famílias afetadas por agrotóxicos em conflitos agrários

Apesar do Maranhão concentrar 82% dos registros, é em Mato Grosso do Sul que está o maior número de famílias atingidas.

“Esses dados indicam um tipo de racismo ambiental, em que o veneno se transforma em instrumento de expulsão de povos tradicionais para abrir espaço ao avanço da fronteira agrícola”, afirma o relatório.

Em 2024, o TRF 3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) reconheceu o direito da comunidade indígena Tey Jusu, localizada em Caarapó, a ser indenizada por danos decorrentes da pulverização aérea de agrotóxico numa lavoura de milho, atingindo moradias, em desacordo com as normas ambientais.

MS lidera número de famílias afetadas por agrotóxicos em conflitos agrários
Veículo com 600 kg de agrotóxicos apreendido pela Receita Federal . (Foto: Receita Federal).

Aviões e drones - A pulverização aérea, feita por aviões e drones, aparece como um dos principais métodos utilizados nos conflitos agrários com agrotóxicos. Dos 276 registros de 2024 no Brasil, 72% envolvem algum tipo de pulverização aérea, sendo que 20 casos mencionam o uso de drones. Embora comercializados sob a justificativa de “agricultura de precisão”, "esses equipamentos estão sendo usados para espalhar veneno de forma indiscriminada sobre comunidades e escolas", denuncia a CPT.

A prática está diretamente relacionada ao modelo de produção baseado em latifúndios e monocultura transgênica, onde a aplicação aérea permite economizar mão de obra e atingir grandes áreas com rapidez — ao custo de contaminações em larga escala. Estudos e investigações mostraram impactos da pulverização até em água da chuva, leite materno e solo, como foi comprovado em Lucas do Rio Verde (MT).

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Crianças intoxicadas nas escolas - A vulnerabilidade de escolas rurais também chama atenção. Pelo menos 20 dos conflitos registrados pela CPT em 2024 envolvem contaminação em unidades escolares, apesar de não haver registros oficiais no relatório relativos a MS. Em Belterra (PA), por exemplo, 23 alunos e professores foram intoxicados pela terceira vez após aplicação de venenos nas lavouras vizinhas. Em casos mais extremos, como em Rio Verde (GO), 42 crianças foram hospitalizadas após um avião pulverizar agrotóxicos durante o recreio.

Lucros - A expansão dos conflitos com agrotóxicos coincide com um ciclo de lucros bilionários para a indústria química e isenções fiscais promovidas pelo Estado brasileiro, indica o relatório. De janeiro a setembro de 2024, empresas deixaram de recolher R$ 13,5 bilhões em impostos, sendo que metade das maiores beneficiadas são fabricantes de venenos agrícolas, como Syngenta, Bayer e BASF.

Ao mesmo tempo, sete dos dez agrotóxicos mais vendidos no país em 2023 são proibidos na União Europeia. Em Mato Grosso do Sul, apreensões de produtos do tipo contrabandeados são cada vez mais frequentes.

Para a CPT, os agrotóxicos são hoje “armas químicas do agronegócio”, utilizadas com o objetivo de inviabilizar modos de vida no campo, nas florestas e nas águas. O que se constata é um processo de expulsão forçada e violação sistemática de direitos humanos, mascarado sob o discurso da produtividade agrícola.

O relatório termina com um alerta: “Trata-se de um modelo de desenvolvimento que sacrifica populações inteiras para garantir lucros concentrados em poucas mãos. É urgente repensar esse caminho.”

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