MS concentra mais da metade das tentativas de assassinato de indígenas no País
Em Mato Grosso do Sul, os ataques estão fortemente ligados a áreas de retomada e aos conflitos com fazendeiro

Mesmo com uma leve queda no número total de conflitos no campo no Brasil em 2024, a violência contra comunidades rurais e povos tradicionais segue alta em Mato Grosso do Sul, conforme relatório “Conflitos no Campo Brasil 2024”, lançado nesta semana pela CPT (Comissão Pastoral da Terra). O Estado concentrou mais da metade (52%) das tentativas de assassinato contra indígenas registradas em todo o País. com 42 denuncias.
RESUMO
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Mato Grosso do Sul lidera as tentativas de assassinato de indígenas no Brasil, segundo o relatório "Conflitos no Campo Brasil 2024" da Comissão Pastoral da Terra. O estado concentrou 52% das tentativas de homicídio contra indígenas, com 103 casos em todo o país. A violência está ligada a disputas por terra e território, com fazendeiros como principais agressores. O relatório também destaca a atuação de grupos organizados em ataques a acampamentos. Além disso, o estado registrou 19 ocorrências de trabalho escravo rural, com 124 trabalhadores resgatados. A violência no campo permanece alta, apesar de uma leve queda nos conflitos totais no Brasil.
Ao todo, foram 103 tentativas de homicídio em contextos de disputas por terra e território no Brasil. Desse total, 79% tiveram indígenas como alvo. Em Mato Grosso do Sul, os ataques estão fortemente ligados a áreas de retomada e aos conflitos com fazendeiros — principal grupo identificado como autor das violências.

Outro dado que chama a atenção é a suspeita de atuação coordenada de grupos organizados em ataques a acampamentos e áreas ocupadas. Segundo a CPT, o grupo “Invasão Zero” — ligado a grandes proprietários de terra — teve ações comprovadas em sete estados. Em Mato Grosso do Sul, embora não haja confirmação formal, os ataques registrados seguem o mesmo padrão de violência identificada em outras regiões, como o uso de milícias armadas e apoio logístico por fazendeiros.
No ranking geral de conflitos por terra, incluindo os que envolvem movimentos como os dos sem-terra, Mato Grosso do Sul registrou 93 ocorrências em 2024, ocupando a 7ª posição nacional. O levantamento mostra que, embora o número total de conflitos no país tenha recuado 3% em relação a 2023 (de 2.250 para 2.185), a violência permanece elevada, principalmente nos eixos terra e água.

Veja listas de crimes emblemáticos com indígenas como vítimas, registrados em MS nos últimos anos:
Antônio João (2024)
Indígena Neri Kaiowá foi morto a tiros em confronto com policiais militares no Território Nhanderu Marangatu, no município de Antônio João, fronteira com o Paraguai. Há quase três décadas o local, conhecido como Fazenda Barra, já era palco de conflitos por terra.
Massacre de Guapoy (2022)
Em 2022, o indígena guarani-kaiowá Vitor Fernandes, de 42 anos, morreu em confronto com policiais do Batalhão de Choque da Polícia Militar em Amambai, no episódio conhecido como Massacre de Guapoy. Em 2024, seu corpo foi exumado para investigação.
Assassinato de Clelson Velasques Verón (2023)
Em outubro de 2023, Clelson Velasques Verón, de 32 anos, desapareceu na Aldeia Jaguapiru, em Dourados. Posteriormente, seu corpo foi encontrado, e Agnaldo Gimenes Almirão foi preso e confessou o crime.
Massacre de Caarapó (2016)
Em 2016, durante uma retomada de terras na Fazenda Yvu, em Caarapó, o agente de saúde indígena Clodioudo Aquileu Rodrigues de Souza foi morto, e outros indígenas ficaram feridos. O ataque foi realizado por fazendeiros e pistoleiros contra os guarani-kaiowá.
Antônio João (2015)
Outra morte na Fazenda Barra, em Antônio João. Simeão Vilhalva foi assassinado em 29 de agosto de 2015, por jagunços armados, que partiram da sede do Sindicato Rural de Antônio João, conforme investigação da Polícia Federal.
Buriti (2013)
No dia 15 de maio de 2013, grupo de indígenas entrou na Fazenda Buriti, em Sidrolândia, que pertence ao ex-deputado estadual Ricardo Bacha, reivindicando17 mil hectares. Oziel Gabriel, indígena terena, morreu aos 30 anos.
Antônio João (2005)
Há 20 anos Dorvalino Rocha também foi morto em Antônio João. Na véspera do Natal de 2005, ele caminhava no interior da fazenda Fronteira quando foi parado por seguranças particulares. Quatro homens saíram do veículo armados e atiraram. Dezoito anos depois, um dos seguranças foi condenado a 16 anos de prisão, sentença inédita na Justiça brasileira.
Assassinato de Marcos Verón (2003)
Em 2003, o líder indígena guarani-kaiowá Marcos Verón foi assassinado por funcionários de uma fazenda em Juti. O caso ganhou repercussão internacional e é considerado um dos mais emblemáticos na luta pela demarcação de terras indígenas. Apesar de acusados, o crime prescreveu sem condenação dos assassinos.
Sem-terra - O eixo terra segue como o mais crítico, com 1.768 ocorrências no Brasil. Desse total, 1.680 foram violências, como despejos forçados, ameaças, destruição de moradias e contaminação por agrotóxicos.
Já o eixo água teve crescimento de 16%, alcançando 266 casos — o terceiro maior número nos últimos cinco anos. Nesse caso, se refere a disputas concretas entre comunidades rurais, indígenas, quilombolas e pequenos agricultores contra grandes empreendimentos, fazendeiros, mineradoras, empresas de energia e até o próprio Estado, envolvendo o acesso, controle, uso, contaminação ou desvio da água.
As principais vítimas desses conflitos foram povos indígenas (71 registros), quilombolas (58), ribeirinhos (28) e posseiros (27). Mas não há dados específicos de Mato Grosso do Sul. Em Dourados, o problema de abastecimento é antigo na comunidade indígena, o que gerou investigações pelo Ministério Publico Federal.
Outro aspecto abordado no relatório foi a queda nas ações de resistência, com menor mobilização popular, redução de ocupações e acampamentos o que, segundo a CPT, pode ser reflexo de maior repressão, criminalização ou desmotivação frente à lentidão institucional em resolver os conflitos.
Em 2024, foram registradas 649 manifestações no país — o segundo menor número da década —, mas com aumento no número de participantes: de 111 mil em 2023 para quase 170 mil em 2024. As principais pautas foram reforma agrária, justiça ambiental, defesa dos direitos indígenas e combate à violência no campo.
Escravidão - Além das tentativas de assassinato, o agronegócio também e apontado como explorador abusivo de mão de obra. O Estado também apareceu com 19 ocorrências de trabalho escravo rural, resultando no resgate de 124 trabalhadores — o terceiro maior número do país, atrás apenas de Minas Gerais (479) e São Paulo (357). A pecuária foi uma das atividades com mais registros de exploração no Centro-Oeste, somando 65 resgates em diversos estados, incluindo o sul-mato-grossense.
Este ano, o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) incluiu 155 empregadores no Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão. Desse total, seis são de Mato Grosso do Sul.
Conhecido como lista suja do trabalho escravo, o cadastro é atualizado a cada seis meses. As atividades econômicas com maior número de empregadores incluídos são criação de bovinos, cultivo de café e trabalho doméstico. Atualmente, o Estado soma 13 empregadores na lista.
Das seis novas propriedades inseridas, duas são de Corumbá: a Fazenda Santo Antônio e a Fazenda Campo Alegre, onde foram encontrados nove trabalhadores em situação de escravidão.