O centenário da descoberta da Insulina
A descoberta da insulina é considerada um dos principais triunfos da pesquisa da área médica do século XX. Esse achado veio para salvar doentes para quem o diabetes era o equivalente a uma “sentença à morte”, especialmente para os pacientes insulinodependentes. Os médicos pouco podiam fazer pelos seus pacientes, que eram tratados à época, sem sucesso, com uma dieta controlada. O objetivo da dieta era impedir que a glicemia aumentasse, provocando o coma diabético, porém a maioria dos pacientes vinha a óbito.
No final de 1920, MacLeod, um renomado cientista e professor de fisiologia da Universidade de Toronto, foi procurado pelo jovem cirurgião canadense Frederick Grant Banting, que acreditava na hipótese de que poderia curar diabetes usando um extrato de pâncreas. Como Banting não tinha experiência em pesquisa, MacLeod designou seu aluno de iniciação científica, o estudante de medicina Charles Best, para auxiliar nos experimentos. Eles aplicaram o extrato pancreático em cães com diabetes e observaram uma redução de glicemia. Assim, em 1921, a insulina foi descoberta por esses pesquisadores.
A história do importante achado começou com a leitura de um artigo por Banting, que, ao examiná-lo, teve a ideia da existência da insulina.
Nascido em Alliston, no Canadá, em 1891, Banting iniciou a graduação em Teologia na Universidade de Toronto, mas logo transferiu-se para a faculdade de Medicina. Sua formatura foi antecipada pelo seu ingressou no exército canadense, no qual serviu durante a Primeira Guerra Mundial na França. Foi ferido na Batalha de Cambrai e condecorado com a Cruz Militar por heroísmo sob fogo.
Com o fim da guerra, retornou ao Canadá e trabalhou no Hospital Militar de Toronto. Especializou-se em cirurgia ortopédica no Hospital para Crianças da cidade. Em 1920, aventurou-se até Londres, Canadá, com a intenção de criar uma clínica privada. Os negócios eram lentos, ele atendia em média dois pacientes por mês. E, por mais difícil que possa parecer, isso fez a diferença para o seu sucesso. As preocupações financeiras forçaram Banting a trabalhar também como instrutor nos Departamentos de Cirurgia e Fisiologia da Faculdade de Medicina da Western University.
No último sábado de outubro de 1920, Banting foi à biblioteca da faculdade para revisar artigos com o intuito de preparar uma palestra sobre o pâncreas, encontrando ali um estudo publicado pelo cientista e médico russo Moses Barron, que trabalhava na Universidade de Minnesota, EUA. Tal artigo relatava quatro casos clínicos, sendo que em um deles o paciente apresentava um cálculo que bloqueava o ducto pancreático, levando à atrofia do pâncreas exócrino, mas não das ilhotas de Langerhans. Observando que esse paciente não desenvolvera diabetes, Barron associou esses achados a prévios experimentos em animais que mostravam que o diabetes se desenvolvia somente quando havia lesão nas ilhotas, independentemente da ligação dos ductos. Barron sugeriu que as ilhotas secretavam um hormônio na corrente sanguínea que controlava o metabolismo da glicose.
Após a leitura do artigo, Banting imaginou uma abordagem para isolar um extrato pancreático relacionado ao diabetes.
Mais tarde, teria dito: “Foi uma daquelas noites em que fiquei incomodado e não conseguia dormir. Pensei na palestra e no artigo… Finalmente, cerca de duas da manhã, depois que a palestra e o artigo já vinham perseguindo minha mente por algum tempo, a ideia me ocorreu. Levantei-me, anotei-a e passei a maior parte da noite pensando”. Naquela ocasião, Banting rabiscou em seu caderno o desenho experimental: “Diabetus. Ducto pancreático de cão ligado. Mantenha os cães vivos até os ácinos [extremidade fechada dos condutos secretores das glândulas] degenerarem, deixando as ilhotas”.
Na semana seguinte, Banting apresentou sua ideia a Frederick Miller, que ouviu com simpatia. Mas a Western University não tinha infraestrutura e tradição de pesquisa para testar a hipótese. Miller e colegas sugeriram, então, que ele apresentasse sua ideia a MacLeod, professor de Fisiologia da Universidade de Toronto, que tinha expertise em metabolismo de carboidratos.
John James Rickard Macleod, que nasceu na Escócia em 1876, graduou-se com destaque em Medicina na University of Aberdeen. Em 1899, obteve o diploma de Bacharel em Medicina/Cirurgia. No mesmo ano, estudou Bioquímica na Alemanha. Na sequência, trabalhou como instrutor de Fisiologia na London Hospital Medical School, na Inglaterra, e, posteriormente, foi nomeado professor de Bioquímica. Doutorou-se em Saúde Pública pela Universidade de Cambridge e, no ano seguinte, mudou-se para os Estados Unidos, atuando como professor de Fisiologia na Western Reserve University, em Cleveland, onde iniciou seu trabalho de pesquisa com o metabolismo de carboidratos e diabetes. Após o fim da Primeira Guerra Mundial, Macleod assumiu como professor de Fisiologia da Universidade de Toronto. Foi um grande cientista, competente e disciplinado.
Assim, em 1921, Banting e Best, sob orientação de Macleod, extraíram a insulina bovina e a injetaram em cães com diabetes, observando uma redução de glicemia e comprovando a sua eficiência no controle da doença. O extrato se mostrou eficaz, mas apresentava impurezas. Em 1922, o cientista James Collip somou-se ao grupo, isolando uma insulina que era suficientemente pura para uso humano. O primeiro a receber esse tratamento foi Leonard Thompson, de 14 anos.
Em 1923, Banting e Macleod receberam o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina pela descoberta da Insulina. Eles dividiram o valor do prêmio com Best e Collip.
A descoberta da insulina veio prolongar a vida dos pacientes com diabetes, principalmente daqueles do tipo 1, e desde então vem abrindo portas para novas descobertas que visam ao bem-estar e à elevação da expectativa de vida das pessoas.
(*) Angela Wyse é Professora Titular de Bioquímica do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da UFRGS.
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