“É meu jeito”: o limite entre autenticidade e convivência em sociedade
Quantas vezes você já ouviu — ou até disse — a frase “é meu jeito” como justificativa para uma atitude ou comportamento? Esse tipo de declaração reflete uma necessidade legítima de sermos aceitos como somos, de honrar nossa individualidade. No entanto, a vida em sociedade exige algo além disso: adequação, empatia e a habilidade de navegar pelas diferenças. Até que ponto devemos mudar para nos adaptar ao coletivo, e onde entra o limite para preservar quem realmente somos?
Autenticidade: um valor fundamental
Ser autêntico é um dos pilares da saúde emocional. Aceitar quem somos e expressar isso ao mundo é essencial para construir relações verdadeiras e manter a autoestima. Afinal, a ideia de “se perder para agradar os outros” pode gerar frustração, insatisfação e até problemas de identidade.
Entretanto, ser autêntico não é o mesmo que agir sem filtros. O famoso “é meu jeito” pode, às vezes, mascarar atitudes que ferem os outros ou dificultam a convivência. O desafio, então, está em equilibrar autenticidade com responsabilidade social.
Viver em sociedade: o papel da adaptação
A vida em comunidade é construída com base em acordos, normas e trocas mútuas. Desde cedo, aprendemos que o mundo não gira ao nosso redor e que, para viver bem com os outros, precisamos considerar suas perspectivas. A empatia — essa capacidade de nos colocarmos no lugar do outro — é o que sustenta as conexões humanas e evita conflitos desnecessários.
Nesse contexto, adequar-se à sociedade não significa abandonar quem somos, mas ajustar nossas ações para que convivam com as necessidades e expectativas do grupo. Isso pode incluir desde respeitar regras simples, como falar baixo em locais públicos, até praticar autocrítica quando percebemos que nossos comportamentos afetam negativamente os outros.
O risco do individualismo exagerado
O individualismo, quando levado ao extremo, pode ser prejudicial tanto para o indivíduo quanto para o grupo. A ideia de que “eu sou assim, e quem quiser que me aceite” pode criar barreiras, dificultar relacionamentos e nos isolar. Uma postura inflexível tende a ser percebida como egoísmo ou até como falta de maturidade emocional.
Por outro lado, esse individualismo também é alimentado por uma sociedade que, em nome da autenticidade, promove uma visão distorcida do “seja você mesmo” — como se mudar ou adaptar-se fosse um sinal de fraqueza.
Até onde devemos ir?
A chave está no equilíbrio. Algumas perguntas podem nos ajudar a refletir sobre o limite entre adequação e preservação da autenticidade:
1. Minha atitude está prejudicando alguém? Se nossos comportamentos causam dor ou desconforto, vale a pena reconsiderar.
2. Essa mudança vai contra meus valores? É importante distinguir entre adaptar-se e trair aquilo que consideramos essencial em nós mesmos.
3. Estou aberto ao diálogo? Muitas vezes, a resistência em mudar vem de uma postura defensiva, e não de uma necessidade real de preservar quem somos.
Crescimento pessoal e flexibilidade
A disposição para se adequar também é uma oportunidade de crescimento. Viver em sociedade é uma troca constante, e aprender a ceder em algumas situações pode enriquecer nossa visão de mundo e fortalecer nossos vínculos. Isso não significa apagar nossa essência, mas ser flexível o suficiente para encontrar harmonia entre quem somos e o que o outro precisa.
“É meu jeito” é uma frase que carrega força, mas também responsabilidade. Autenticidade e convivência não precisam ser opostos; elas podem coexistir. Adequar-se à sociedade não é se anular, mas encontrar um ponto em que a nossa essência enriqueça o coletivo sem ignorar as necessidades dos outros. Afinal, viver em sociedade é, acima de tudo, uma arte de equilíbrio — e essa arte começa quando olhamos para dentro de nós mesmos com coragem e para os outros com empatia.
(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo.
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