Educação pós-pandemia: recuperar o tempo perdido ou resgatar o sentido?
Na Educação, o início de dezembro costumava ser visto por muitos professores, pais e alunos, como um mês de “desaceleração”. A proximidade com o fim do ano letivo ao mesmo tempo em que intensificava a ansiedade pela aprovação/reprovação, aumentava proporcionalmente a expectativa pela chegada do período de férias. No fundo, essa combinação podia ser resumida num único sentimento: alívio!
Neste ano, marcado pela pandemia, suspensão das aulas presenciais, ensino remoto e ameaça de segunda onda de contaminação, os improvisos educacionais e as incertezas quanto à alteração desse quadro no curto ou médio prazo acabam por converterem o alívio em angústia. Angústia que pode ser facilmente medida pelas inúmeras discussões sobre como compensar os “déficits de conteúdo”, corrigir a “defasagem de aprendizagem” e decidir “critérios justos” para aprovação ou reprovação no ano em o ensino ficou “fraturado”.
Um observador mais atento diria que essas não são exatamente questões novas. No entanto, hoje elas ganham distinto realce porque pretendem reestabelecer aquela estrutura ordenada com o qual acostumamos organizar os tempos de vida e que também usamos como referência para dividimos os tempos da escola e o que deve ser produzido em cada um deles (operações aritméticas devem ser aprendidas no Ensino Fundamental, álgebra no Ensino Médio, e assim por diante). É o que os especialistas chamam de currículo prescrito.
Mas não basta percorrer esse caminho, é preciso demonstrar “mérito” e vencer as etapas (e os tempos) através das periódicas (e temidas) avaliações. Na escola, esse percurso não é feito de modo solitário, mas na companhia do “mestre” e de outros “aprendizes”. O que a suspensão das aulas presenciais e a implementação do ensino remoto demonstraram de modo evidente, além das desigualdades de tempos, oportunidades e condições de ensino, é que essas companhias são indispensáveis e insubstituíveis. Diante dessa constatação, a questão que tanto angustia professores, pais e alunos nesse final de ano é: o que fazer diante de tantas incompletudes e desigualdades produzidas em 2020?
Alguns diriam: como recuperar o tempo (e os conteúdos) perdidos? É preciso assumir: há algo de irrecuperável (o tempo), mas muito a ser resgatado e aprimorado. Num horizonte em que a vacina da covid-19 já esteja ao nosso alcance, os tempos e espaços de convívio e interação na escola, fundamentais na promoção da formação social e humana devem ser ampliados, mas com qualidade, recursos e parcimônia, para que não tenham o efeito contrário. Isso significa que o ensino integral precisa estar na pauta, mas junto com a ampliação do financiamento público da Educação.
A chamada Base Nacional Comum Curricular, que orienta o currículo escolar, precisa ser redimensionada, reordenada e rediscutida com a substantiva participação dos professores, o que implica a suspensão provisória da sua implementação. O mesmo deve ser feito em relação à reforma do Ensino Médio. Com as lacunas deixadas pelo ano de 2020, não faz sentido reduzir de 800 para 600 horas anuais os componentes da base comum que respondem pela formação básica dos estudantes.
Por fim, é preciso lembrar que a Educação brasileira se constitui enquanto um sistema que, pelo menos em tese, deveria articular níveis e etapas de ensino. Cabe ao MEC e ao Conselho Nacional de Educação coordenarem os esforços para elaboração de diretrizes para a Educação pós-pandemia; um movimento que obrigatoriamente deve contar com a efetiva cooperação dos outros entes federativos e o necessário protagonismo dos professores, entidades sindicais e associações científicas ligadas à Educação.
Se é verdade que o mundo não será o mesmo depois da pandemia, é valido juntar às “lições” deixadas pelo coronavírus um velho ensinamento do mestre Paulo Freire: se a Educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.
(*) Jonas Emanuel Magalhães é pedagogo da Escola de Serviço Social da UFF e professor da Rede Estadual de Ensino do RJ