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Educação: um direito intrínseco do cidadão

Eunice Prudente (*) | 23/09/2020 08:05

A professora Anete Abramovich, da Faculdade de Educação da USP, diz que “educação é liberdade de pensar e expressar o que se pensa”. Por isso, a educação é um direito fundamental para a formação de cidadãos. Não se nasce cidadão, o direto de ser pessoa é aprendido, nós tomamos consciência do mundo, desde cedo, por meio de informações diversificadas vindas do ambiente familiar e da escola.

No caso da família, importantíssima nesse processo, nem sempre conquistamos tal liberdade, visto que muitos pais são o que chamo de “adultocêntricos”, impondo papéis sociais e/ou práticas violentas aos seus filhos. Mas, precisamos lutar sempre pelos direitos humanos, com base inclusiva, garantidos em nossa constituição. Numa república com o Estado Democrático de Direito, como o Brasil, há um compromisso com a informação e a educação. E precisamos ainda entender que devemos respeitar questões básicas para a cidadania. Entre elas, sabermos discernir o fato do ato jurídico: o fato traz consequências jurídicas e ocorre independentemente do exercício de vontade. Já o ato é a expressão de vontade com consequências jurídicas. Atos omissos como desastres ambientes que acabamos por “engolir” não devem ser ignorados porque são pontos cruciais de respeito pelas pessoas e pela convivência social e ambiental, além de essenciais para a formação de qualquer indivíduo.

A educação é um direito de todo cidadão. A escola é fundamental para a construção da cidadania, pois é em seu ambiente que as crianças e os adolescentes se socializam, recebem informações, convivem com a diversidade e com as diferenças. No entanto, muitas vezes, a diversidade, garantida na Constituição, não está presente no dia a dia escolar. Dados obtidos no Fórum Brasileiro de Segurança Pública e na Agência do Brasil, divulgados na Carta Capital, mostram que, no ano 2000, apenas 2,2% dos estudantes negros concluíram seus cursos e se formaram. Lembro aqui que negros representam 53% da população, porém apesar de serem maioria estão entre os menos favorecidos no quesito educação. No ano de 2015, esse índice cresceu para 12% e, em 2017, apesar de ter tido uma pequena queda, subiu de 9,2% para 9,3%. A inclusão é extremamente benfazeja e ampliou-se, especialmente, por conta das cotas nas universidades, o que repercute na formação de educadores nas escolas públicas, certamente.

Como mencionado, o direito à educação é intrínseco ao ser humano e à formação da pessoa. Nossa Constituição dá essa garantia às crianças e aos adolescentes e o Estatuto da Criança e do Adolescente garante que o Estado, a sociedade, a família e, sobretudo, a escola para esse compromisso de formar pessoas cidadãs. Porém, sabemos que dentro da escola há situações que acabam por não respeitar em sua totalidade este importante direto, especialmente, quando falamos de diferenças. É o caso do bullying que se dá, sobretudo, por conta de questões sensíveis como etnia, religião e até mesmo diferenças físicas, com perseguições sistemáticas. Para combater este problema social, é preciso a presença constante dos pais nas escolas. Há algumas características que devem ser observadas e cuidadas: no ensino fundamental, por exemplo, muitas crianças não sabem explicitar o que está acontecendo e no ensino médio, muitas vezes, o aluno reage com violência. O bullying causa traumas e deve ser acompanhado, adolescentes e crianças precisam ser protegidas. Algumas atitudes podem resolver a questão, como rodas de conversas onde o agressor e o agredido consigam se expor, mediados pela instituição de ensino, de forma a compreenderem a importância da diversidade.

É no ambiente escolar que o estudante tem uma convivência com o diferente, com a sociedade, desenvolvendo sua sociabilidade. Por esse motivo, o home school, ou o ensinamento fora da escola, deve ser muito bem pensado. Não considero este tipo de ensino como ideal para o aprendizado numa república em formação como o Brasil. Devemos e queremos viver o pleno direito, o respeito, a cidadania com participação política. Para tanto, a pessoa deve ser livre. Livre para pensar, proceder e atuar, e isso começa ainda no ensino infantil. E para exercer plenamente esse direito, a escola é fundamental.

A importância do financiamento da educação

É, então, justamente, por conta disso, que recursos e fundos voltados para a educação são essenciais para a garantia dos direitos dos cidadãos. Entre as iniciativas positivas por parte do poder público está o Fundeb, fundo especial, de natureza contábil e de âmbito estadual, formado por recursos provenientes dos impostos e transferências dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, vinculados à educação por força do disposto no art. 212 da Constituição Federal. Desde 2007, tem o objetivo de reduzir desigualdades entre redes de ensino e minimizar as diferenças na educação entre Estados mais ricos e mais pobres. Depois de cinco anos, ele entrou em votação para a sua renovação, a proposta de emenda constitucional, foi levada para 21 de julho para a Câmara dos Deputados e aprovada. Até a primeira semana de agosto, o Senado levou a plenário a proposta que o torna permanente. A complementação governamental, que antes era de 10%, foi ampliada na emenda para 20%. Muitos especialistas concordam que esta é uma vitória histórica, num momento tão difícil para a educação. Com essa iniciativa, as redes municipais e estaduais poderão ter mais condições para desenvolver a aprendizagem na Educação Básica.

Hoje, o Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) é um conjunto de 27 fundos, advindos de tributos e transferências entre União, Estado e Municípios, como determinado pelo art. 112 da Constituição Federal. É o principal fundo para financiar a educação no País e, na prática, chega dentro da escola, de seu dia a dia efetivamente. Ele representa 60% de todos os recursos destinados à Educação Básica e é muito importante para os Estados mais pobres. Ao longo do tempo, fez com que nosso país pudesse aprimorar a formação de professores, fazendo com que hoje o Brasil tenha somente educadores especialistas e não mais leigos, e ampliou ainda as matrículas na educação infantil: atualmente, 35% das crianças brasileiras estão matriculadas em creches e quase a totalidade em idade pré-escolar também. Sem o Fundeb, poderíamos ter uma crise ainda mais acentuada na educação.

Com prazo de vencimento em 2020, aguardamos sua renovação, via emenda à Constituição, sob responsabilidade do Legislativo. Aprovada por dois turnos pela Câmara dos Deputados, aguardamos os pronunciamentos do Senado Federal. Portanto, mantê-lo é fundamental para a busca da diversidade, da cidadania e também para que a população possa garantir seus direitos e sua liberdade.


(*) Eunice Prudente é professora do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP e colunista da Rádio USP

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