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Escutar música melhora o desempenho?

Por Bibiana Bettin e Bruno Santos (*) | 24/10/2024 08:53

A música está presente no dia a dia, como em streamings musicais e eventos de socialização. Ao observarmos que a música é um recurso amplamente difundido e variado em suas características e usos através das culturas, não restam dúvidas do seu potencial recompensador/prazeroso para nós, humanos.

Nesse sentido, pesquisadores(as) têm desvendado os mecanismos pelos quais vivenciamos a agradabilidade e excitação emocional ao escutar música. No entanto, um pouco mais incerto é se escutar música imediatamente antes ou durante uma tarefa de avaliação de processos cognitivos (ex.: memória, atenção, tomada de decisão, resolução de problemas) gera impacto sobre o nosso desempenho.

Em relação à escuta musical durante essas tarefas, em 2020, um grupo de pesquisadores da Malásia e Reino Unido revisaram a literatura científica de forma sistemática. Eles identificaram efeito negativo sobre o desempenho de memória e linguagem quando a escuta musical ocorria concomitantemente à execução da tarefa, principalmente com música com letra (versus músicas instrumentais). Além disso, este impacto negativo ocorreu somente nas tarefas consideradas difíceis.

Complementarmente, eles encontraram que, em estudos que analisaram traços de personalidade, a música desfavorece o desempenho cognitivo, mas somente naqueles indivíduos considerados introvertidos. Esse malefício da escuta musical durante tarefas de maior exigência cognitiva pode ser explicado por ela ocasionar distração e competição por recursos cognitivos, tais como os atencionais e/ou de memória de trabalho, conforme sugerido pelos resultados de outra pesquisa da área.

Por outro lado, no que tange ao potencial efeito benéfico da escuta musical, a escuta imediatamente prévia a uma tarefa cognitiva parece ter efeito positivo, de tamanho pequeno, sobre o raciocínio espacial quando comparada com condição sem música. No entanto, esses achados são de uma metanálise publicada em 2010 e, até onde sabemos, não há um trabalho posterior de síntese da literatura que nos permita tirar conclusões mais robustas, abrangendo os demais processos cognitivos e os resultados de estudos mais atuais.

Nesse sentido, nós estamos desenvolvendo uma revisão sistemática que irá suprir essa lacuna do campo e poderá, em breve, nos trazer um entendimento melhor desses potenciais efeitos da música (prévia ou durante a tarefa) sobre os processos cognitivos.

Quanto à racionalidade de haver algum efeito benéfico da escuta musical, há duas principais hipóteses: a Priming hypothesis sugere que o padrão de ativação cerebral induzido pela escuta musical prévia à tarefa poderia persistir até o momento de execução da tarefa cognitiva, aumentando a performance; e a Arousal-mood hypothesis supõe que os efeitos benéficos podem ocorrer pelas emoções induzidas. Ambas hipóteses têm sido corroboradas por pesquisas empíricas, mas ainda não há consenso de qual delas traz a melhor explicação do fenômeno.

Mas, afinal, como a música pode nos afetar no dia a dia? Como muitos de nós podemos já ter experienciado, a escuta musical é capaz de diminuir níveis de estresse e de aumentar o foco e a produtividade em tarefas laborais repetitivas. Também há estudos que demonstram que escutar música pode ter efeitos tanto positivos quanto significativos durante a aprendizagem.

Achados semelhantes foram demonstrados em contextos relacionados a exercícios e esportes, indicando que a escuta musical reduz a percepção de esforço, aumenta o prazer e até mesmo melhora a eficiência do consumo de oxigênio durante o exercício físico.

A despeito dessas influências positivas, a escuta musical durante a leitura pode apresentar o potencial de prejudicar a compreensão. Além disso, de forma possivelmente mediada pelas mudanças emocionais induzidas, escutar música enquanto dirigimos um veículo parece ser prejudicial para a nossa habilidade de direção e os nossos reflexos ao volante.

Inclusive músicas rápidas ou em volume alto são associadas a maior risco de acidente de trânsito, que pode ser devido a uma sobrecarga cognitiva. A escuta musical durante refeição parece, também, aumentar a ingestão de alimentos, principalmente em indivíduos com maior Índice de Massa Corporal (IMC). Ou seja, a escuta musical durante as refeições não parece uma boa opção para indivíduos com excesso de peso.

Evidentemente, fatores moderadores devem ser levados em consideração ao interpretar essas informações. As características do ouvinte, da sua cultura, da música e do nível exigido de controle cognitivo na situação são fatores que merecem atenção.

Por exemplo, a escuta musical de fundo, embora possa ter efeitos nocivos em alguns processos cognitivos na população geral, quando ocorrer durante tarefas cognitivas, como supracitado, parece ser benéfica para o desempenho cognitivo de pessoas com o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.

Ainda, escutar música antes de uma tarefa de memória episódica pode não trazer qualquer benefício a adultos jovens, mas se mostrou positiva para idosos com funções cognitivas prejudicadas.

Outrossim, quase todos os benefícios associados à escuta musical parecem restritos e/ou de pequena magnitude. Mas, independentemente, benefícios de fato existem, sendo igualmente evidente o potencial da música de afetar as emoções, a atenção, o engajamento e o desempenho, assim como de ajudar na criação de uma experiência mais positiva e na otimização do nosso bem-estar no dia a dia.

(*) Bibiana Pedra Cruz Bettin é mestra em Neurociências pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutoranda no Programa de Pós-graduação em Neurociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

(*) Bruno da Silva Santos é mestrando no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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