Estradas para Planície
Durante muitos anos, na década de 80, na luta contra a caça e o tráfico no Pantanal, as velhas Toyotas bandeirantes da Polícia Florestal, resistiam dias perdidos na planície. Após a cimbra, inúmeras batidas de estradas nos levavam, na dúvida, a ficar parados. A inexistência de estradas, dificultava em muito, nossa missão de proteger a gente pantaneira e acabar com a insegurança.
Assisti, em 2020, a dificuldade do Corpo de Bombeiros e do Prevfogo chegar aos locais de combate ao fogo, e certamente, isto contribuiu para o agravamento da situação. Ainda hoje, após 40 anos, as estradas não existem. Na polêmica discussão, das “obra das estradas” no Pantanal, é indiscutível o mérito desta conquista esperada há 100 anos.
Não tenho dúvidas em afirmar que ser penalizado pelo isolamento e inacessibilidade ainda em 2023, não somente de estradas, mas também da comunicação, consolida a sensação de abandono pelo povo pantaneiro. As estradas nunca saíram da borda do Pantanal, sempre restritas e temerosas aos desafios de enfrentar a planície e suas águas.
Estradas servem para escoar a produção e reabastecer de tudo, assegurando conforto e segurança as famílias. E também podem servir como corta fogo. Este isolamento sempre impactou de forma brutal o custo da produção da pecuária na planície.
Com a evolução da produção pecuária no planalto, como o confinamento e o novilho precoce, foi impossível ser competitivo e, como consequência na planície, a redução do rebanho e empobrecimento foi evidente. O acidente do Taquari acabou de sangrar está batalha pela sobrevivência na planície.
A decisão política a respeito de fazer estradas, trouxe uma renovação de esperança e sobrevida aos pantaneiros. Não temos dúvidas em apoiar esta iniciativa. Nenhuma ONG se mobilizou contra. Nossa abordagem limita-se apenas a a expetativa de que de fato as “estradas” sejam para os “pantaneiros”. Devem ser precedidas das devidas licenças ambientais, óbvio, que assegurem os fluxos e movimentos das águas que renovam os pastos e inúmeros processos ecológicos. Elas devem unir e aproximar os pantaneiros e não criar um conflito entre áreas inundadas e outras secas.
A dinâmica das águas e sua condição natural deve ser respeitada. Tampouco estás estradas devem ser para aventura, como rali, competição de tiros, caça ou rotas do crime. Os pantaneiros devem ser ouvidos e definir as regras de uso. As regras não devem ser pautadas no simples princípio legal do direito de “ir e vir”.
Ir a planície é um privilégio, um lugar para convidados, não intrusos, aventureiros, especuladores. Um lugar onde a natureza foi protegida 3 séculos e um lugar de paz, pouca gente e boa índole. Eles souberam produzir sem destruir, sem modificar além dos limites. Nunca ousaram a enfrentar a natureza e sua força. Lidar com a cheia e seca extrema é comum a esta gente e sempre o fizeram com sabedoria herdade dos avós!
A riqueza da biodiversidade não pode ser apropriada para outros interesses que não sejam o de proteger o homem pantaneiro da planície. Está riqueza oriunda desta cultura deve ser monetizada e eles receberem para que sigam protegendo.
O Pantanal não deve ser colocada numa redoma, deve seguir sua trajetória de produção, cria e recria. Aprimorar as regras é uma necessidade a exemplo do manejo do fogo e desmatamento. A vida silvestre será protegida pela cultura e não pelas leis. Sem os pantaneiros não teríamos controlado a caça e o tráfico. O Homem Pantaneiro deve validar estás “estradas”. Ele traz na pele a marca do sol, das comitivas, nos traços da face, o misto do índio, bugre. No falar e olhar, o jeito dos bichos. Nesta fusão de vários seres e saberes, ele saberá nortear os caminhos. As comitivas seguirão existindo!
(*) Coronel Ângelo Rabelo é ex comandante da Polícia Militar Ambiental e presidente do Instituto Homem Pantaneiro