Facebook tenta se reinventar
Desde 2017, o CEO da Facebook, Mark Zuckerberg, falava cada vez mais a respeito de como a distribuição de postagens na plataforma não favorecia o tipo de interação que a empresa desejava, com foco excessivo em produtos, marcas e notícias. O Facebook passou de ser uma plataforma largamente voltada ao compartilhamento de momentos pessoais, animais de estimação, festas e eventos, e algum conteúdo político mais focado, para se tornar uma guerra de trincheiras na qual ideologias políticas vagas precisam ser defendidas de modo sistemático e contínuo. Mudanças foram anunciadas recentemente visando trazer a plataforma de volta a tempos mais pacíficos.
Não podemos, no entanto, pensar que a utilização do Facebook anteriormente não causava problemas aos usuários. Associações de psicologia mundo afora já reportavam à respeito de como a interação com essa plataforma social favorecia sentimentos de inveja e depressão devido às constantes comparações com a vida social alheia, além de promover um estresse derivado da necessidade constante da manutenção de uma aparência online e da consequente busca por parecer alguém interessante e relevante todo o tempo, algo quase impossível na vida real.
No entanto, o foco do problema mudou entre 2016 e 2017, em meio a uma intensificação global das disputas políticas dentro de vários temas, estimuladas pela busca de afirmação de poder por parte de diferentes atores, grupos e movimentos que tentam avançar seu domínio ideológico em relação à sociedade, sejam eles do alinhamento político que forem.
Isso gerou um crescente investimento no Facebook enquanto arena ideológica, fomentando o fenômeno das fake news, que nada mais são do que uma constatação por parte desses atores políticos de que não é necessário fazer uso de dados reais para gerar reações viscerais em seus seguidores, bastando engajar com seus medos e ansiedades. O custo da mentira é pequeno, pois as pessoas fazem qualquer negócio para evitar o sentimento humilhante de estarem erradas em público, então mesmo que uma notícia se prove falsa, sempre já existe uma nova a caminho, e a atenção migra para outro tema deixando apenas um rastro de destruição no caminho.
Isso foi visto como positivo pela Facebook. O foco da plataforma sempre foi fazer com que as pessoas a acessassem o máximo o possível, passando o máximo de tempo dentro de seu jardim murado, tanto que empregam alguns dos melhores engenheiros de software do mundo para responder a essa pergunta de como manter um usuário alguns segundos a mais que seja na plataforma, potencialmente o expondo a uma nova propaganda ou mantendo outra em constante exibição.
Dentro do campo dos games para celular já é há muito sabido que gerar certo grau de desconforto para o jogador faz com que ele gaste mais dinheiro com as micro-transações oferecidas, pois é gerada uma vontade de se livrar do incômodo apresentado ao mesmo tempo que se quer continuar dentro do jogo. O Facebook apenas replicou isso em uma escala muito maior. Deixe seus usuários incomodados, estressados, pensando em responder a aquela postagem de alinhamento ideológico contrário ao seu mesmo quando está desligado da plataforma. Patrocinadores pagam cada vez mais caro para anunciar na plataforma.
Mas por quanto tempo você pode realisticamente manter as pessoas nesse estado? Alguns continuariam, até por já terem transformado suas vidas para se encaixarem no entorno desses conflitos, preenchendo necessidades e insuficiências pessoais com batalhas ideológicas que pareçam relevantes. No entorno desses usuários, no entanto, existem outros cujo interesse é mais voltado à realidade cotidiana, por exemplo, acompanhar o que fazem os amigos, a que eventos vão, como estão seus filhos, entre outras coisas. Essas pessoas ficaram cansadas do constante conflito político e cada vez mais abandonam a plataforma ou limitam seu uso.
Zuckerberg anunciou que a mudança de foco da empresa em 2018 seria voltado ao bem-estar de seus usuários, buscando tirar a prioridade do conteúdo político e dar mais ênfase para “o que realmente importa”, como família, animais de estimação, seriados, passeios e afins. Percebe-se o a seriedade da situação quando se lê mais à frente em sua postagem que o próprio CEO afirma que o lucro da Facebook vai cair como consequência da mudança, mas que lhe parece um movimento importante no longo prazo.
Inauguramos este ano com a promessa de uma nova era de paz dentro da maior rede social do mundo. Infelizmente, essa quietude vem com data de validade prevista, durando até o momento em que parecer lucrativo ao mercado reinserir a todos em um guerra ideológica global, quando a Facebook certamente não irá hesitar em mudar todo seu sistema novamente.
(*) Mark W. Datysgeld é mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP), especialista nos temas da Governança da Internet e no impacto da tecnologia na formação de políticas públicas e privadas. É fundador do curso Governance Primer, iniciativa gratuita de ensino de Governança da Internet na América Latina. Toda sua produção está disponível em: www.markwd.website.