Lei da Alienação Parental e a pedagogia da ameaça
A Lei da Alienação Parental (LAP) foi proposta em resposta a alegados excessos da Lei Maria da Penha, e aprovada com singular rapidez, desconsiderando ressalvas apresentadas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e do Conselho Federal de Psicologia (CFP). A promessa de preservar as crianças dos conflitos parentais, garantindo o direito pleno à convivência – já prevista na Lei da Guarda Compartilhada – era sedutora.
Passados 13 anos da implementação, não há indícios de que a Lei da Alienação Parental tenha contribuído para a redução de comportamentos presentes em situações de desavença parental. Seus “efeitos pedagógicos”, porém, são evidentes.
A Lei da Alienação Parental “educa” o olhar dos(as) operadores(as) de direito para desconsiderarem a realidade material – quem executa os cuidados com a criança e sofrerá impacto das decisões cotidianas –, fundamentando suas decisões em um cenário de equilíbrio parental raramente existente.
“Educa” vítimas de violência para aceitar a guarda compartilhada, desistir de medidas protetivas e representações criminais. Apesar dos exercícios retóricos para dissociar a LAP do criador do conceito de “alienação parental”, a solução de conflito prevista na lei baseia-se na “terapia da ameaça”, proposta por Richard Gardner.
Paira sobre as mães a ameaça de que insistir em acusações que não resultem em condenação penal pode causar a perda permanente da guarda e redução do convívio com seus filhos. Crianças e adolescentes também estão sob ameaça de ter a guarda “terapeuticamente” revertida para o genitor, caso resistam à convivência.
A lei “educa” conselheiros(as) tutelares, professores(as), pediatras, pais, mães, psicólogos e demais agentes de proteção para o descrédito aos relatos das crianças, que passam a ser vistos como potencial indicador de manipulação, sobretudo nas situações em que há conflitos familiares.
Mesmo quando não há suspeita de abuso, os efeitos pedagógicos se fazem sentir: a lei “educa” o genitor rejeitado para a desresponsabilização. Ao atribuir o comportamento arredio dos filhos apenas à “má influência” do cuidador primário – geralmente a mãe –, dificulta reflexões sobre sua própria dinâmica de cuidado e afeto.
No Direito de Família, as sentenças não extinguem a possibilidade de rediscussão judicial de guarda, alimentos, convivência, alienação parental. A LAP contribui para multiplicar processos judiciais, com os respectivos honorários advocatícios e de perícia, enquanto uma das partes tiver recursos financeiros para a batalha. A sobrecarga do sistema judicial foi tamanha que a Lei 14.340/2022 passou a incluir a possibilidade de designação judicial de peritos a serem pagos pelas partes.
Os recursos financeiros e emocionais drenados da unidade familiar durante o processo oferecem terreno propício para violência vicária, cujo reconhecimento ainda é incipiente na tradição jurídica brasileira, embora pesquisas qualitativas apontem sua ocorrência.
O aspecto econômico talvez ajude a explicar por que categorias profissionais que se beneficiam da lei (advogados familiaristas, peritos judiciais) mantêm inescusável apego à Lei da Alienação Parental, a despeito do consenso sobre seus efeitos nefastos, reconhecidos pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), pelo Consórcio Maria da Penha, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem) e pela própria Organização das Nações Unidas (ONU).
Diante do comprovado viés de gênero da legislação, dos casos de reversão de guarda após acusação de abuso sexual, e até assassinatos de crianças associados à aplicação da Lei da Alienação Parental, os obstinados beneficiários da lei se encastelam em duas trincheiras retóricas: 1) casos de abuso são minoria e não podem balizar a legislação no Direito de Família; 2) a lei da alienação parental tem efeitos pedagógicos.
É importante ressaltar que, embora minoritários, os casos de abuso infrafamiliar estão na gênese do conceito de “alienação parental”, proposto no final do século 20 pelo psiquiatra e perito judicial Richard Gardner. Gardner partiu de pressupostos como a naturalização do contato sexual entre crianças e adultos, a persistente desqualificação das mulheres como “histéricas” e defesa da “terapia da ameaça”.
Os efeitos devastadores da terapia da ameaça são amplamente documentados, tendo levado ao descrédito internacional e revogação de dispositivos similares. Não há reformulação possível para a Lei da Alienação Parental. Seu destino é a revogação.
(*) Ela Wiecko Volkmer de Castilho é professora da UnB (Universidade de Brasília).
(*) Fabiana Cristina Severi é professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP
(*) Maria Clara Marques Fagundes é integrante do grupo Grupo de Pesquisa Maternidade: Saúde da Mulher e Saúde da Criança da UFF (Universidade Federal Fluminense)
(*) Nathálya Oliveira Ananias é pesquisadora integrante do grupo Direito, Gênero e Famílias da UnB.