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Livre iniciativa? Mas e o coletivo?

Ângelo Rabelo (*) | 10/04/2023 08:10

A notícia veiculada em todos os meios comunicando o arquivamento do Projeto de Lei 069/2023 que propunha a restrição da monocultura, a exemplo de soja e cana, no Pantanal deve merecer uma reflexão em respeito a propositura do saudoso Dep Estadual Amarildo Cruz, a sociedade e o nosso futuro.

A história de Mato Grosso do Sul, e o seu desenvolvimento, é marcada por atos de coragem, especialmente pelos visionários. A capacidade de tomar decisões e enfrentar as reações dos que, na ignorância dos fatos, reagem, demonstra a maturidade e a responsabilidade com o coletivo.

Diante de tantos desafios na área do Meio Ambiente, tomar a decisão de criar um Parque de Proteção à Natureza, restringir a pesca em lugares sensíveis e aprovar uma Lei do PSA (Pagamento por Serviços Ambientais) são decisões que sobrepõem o privado em benefício do coletivo.

Uma decisão histórica, em 1977, dividiu o então Mato Grosso em dois e fraturou ao meio  o bioma Pantanal. Somente após 20 anos conseguimos sentar juntos no Refúgio Ecológico Caiman, local que dá nome a “Carta Caiman", com a presença na época dos dois Governadores (MS e MT), que em decisão inédita, se propuseram a conduzir o futuro do bioma de forma integrada como Patrimônio Nacional, lapidado na nossa Constituição. Infelizmente,  dos compromissos assumidos, pouco evoluímos nestas tratativas conjuntas e cada Estado segue tomando decisões fragmentadas.

Recentemente, mesmo detendo 1/3 do bioma, o Mato Grosso deu um passo importante para o futuro aprovando na Assembleia a Lei 11.861/2022 que assegura melhores condições para pecuária e restringe o que ameaça o bioma, a exemplo da soja e da cana. A nova Lei foi fruto de um amplo debate onde a ciência e a sociedade foram ouvidas.

Já no Mato Grosso do Sul tropeçamos na história em detrimento do interesse coletivo assegurado na Constituição. Motivado pela justificativa de assegurar “a livre iniciativa”, a CCJR, Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembléia Legislativa de MS pautou numa decisão prematura o arquivamento do Projeto de Lei, encampado pelo Deputado Pedro Kemp.

Poderíamos ter aberto uma ampla discussão com a ciência onde o estado detém inúmeras universidades altamente qualificadas e com a Sociedade Civil organizada, onde inúmeros programas hoje asseguram a proteção da pecuária como Abpo, da biodiversidade e o ecoturismo. A necessidade indiscutível do debate, deve ocorre simplesmente pelo direito de todos escolherem o futuro do nosso Estado, no que tange especialmente ao seu maior ativo ambiental, o bioma Pantanal. Este é o papel emblemático e histórico da nossa casa de leis, a Assembleia Legislativa.

Foi esta energia legítima, que em 1982, motivou o então governador visionário, Pedro Pedrossian, a impedir o Projeto Bodoquena que permitiria o plantio de cana de açúcar e a instalação de usina de álcool na região de Miranda. Não foi somente coragem, mas também o privilégio, como visionário , de poder olhar o futuro do Estado. Um legado!  Cabe registrar que esta região em pauta, atualmente, cria mais de 150 mil cabeças de gado. Possui uma das mais altas biodiversidades e, provavelmente, a maior concentração de onças pintadas do mundo. Ela poderá, a curto prazo, receber por “Crédito de Biodiversidade”, uma nova moeda verde depois do carbono.

Cabe esclarecer a todos que o ZEE(Zoneamento Ecológico/ Econômico), Lei 3.839 de 28/12/2009, citado também na motivação do arquivamento do Projeto de Lei 069/2023, apenas norteia e subsidia as tomadas de decisões na gestão territorial para o desenvolvimento. Ele inclusive, ouvindo a ciência, orienta política agrícola alinhado com

Bacias Hidrográficas. Este foi um avanço de MS ante MT, que ainda não aprovou o seu ZEE. Portanto o ZEE não impõe restrições . Não se justifica igualmente usá-lo como justificativa para o arquivamento do Projeto de Lei 069/2023. Alguém leu? Se tivessem, a PL seguiria o trâmite, afinal, a recomendação do documento para a planície e o Chaco é clara: pecuária extensiva.

Vou finalizar, citando Manoel de Barros:

“Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo”.

Quem dera, cada um de nós, reconhecesse a preciosidade do que temos em conjunto e tratar o Pantanal como o nosso mais belo compartilhado quintal.

(*) Ângelo Rabelo é presidente do IHP (Instituto Homem Pantaneiro).

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