Lula preso e governando?
O Instituto Datafolha publicou pesquisa de intenção de voto para presidente da República, a primeira após a condenação em primeira instância de Lula, mostrando que ele lidera em todos os cenários. Expressei em carta que os números mostram a força do ex-presidente, apesar de não ser possível uma avaliação mais detalhada por região, faixa etária e de renda. Impedido de concorrer, seus votos, hoje, vão majoritariamente para brancos e nulos, e não para outro candidato, mesmo dentro do PT. Sua rejeição vem em queda, ao contrário da dos concorrentes diretos. Essa pesquisa pode não funcionar como previsão eleitoral, mas é um excelente termômetro social do momento.
No dia seguinte, foi divulgado um resultado complementar, mostrando que 54% dos entrevistados responderam sim quando perguntados se o ex-presidente deveria ser preso, contrapondo-se com os 40% dos que responderam não.
Além da especulação sobre o propósito de serem divulgados dois resultados aparentemente conflitantes em momentos distintos e com ênfases que caracterizam posições políticas institucionais, houve muita ironia em comentários de redes sociais e sites de notícia. A contestação foi que os resultados do Datafolha mostram uma maioria que pretende eleger Lula presidente ao mesmo tempo em que quer vê-lo atrás das grades. Porém, não se trata do mesmo voto ou do mesmo eleitor. Nas simulações de segundo turno, a soma das intenções e preferências indica que cerca de 20% dos eleitores não vota em nenhum candidato ou não sabe ainda em quem votar. Quando a pergunta foi sobre se Lula deve ou não ser preso, a porcentagem dos sem opinião é de apenas 5%, o que justifica a aparente contradição. Cerca de 15% dos eleitores não possuem candidato, mas têm convicção da culpa de Lula. Os números fecham, é claro, dentro da margem de erro, mostrando que há menos indecisos quanto ao processo judicial do que em relação ao processo político-eleitoral.
Assumindo que não houve direcionamento na pesquisa feita e a seriedade com que um instituto como o Datafolha segue seus protocolos e amostragem, esse é um dado muito expressivo. Seriam mais de 20 milhões de pessoas, considerando a base de cerca de 145 milhões de eleitores atuais, que apostam na Justiça e não na política, como se uma fosse independente da outra. À medida que os números absolutos ficam menores, cresce sua incerteza face aos “dois pontos porcentuais de erro, para cima ou para baixo” da pesquisa realizada. Não há – pelo menos no que foi divulgado e publicado – informações sobre a distribuição desses 15%, mas é de se supor que correspondam a uma faixa muito incomodada com a política como um todo, tipicamente de status social maior, tanto em relação a escolaridade e renda, quanto à posição geo-socioetnográfica que ocupa, termo este concebido como o lugar onde habita e de onde vê a sociedade, combinado com o enfrentamento de obstáculos para chegar onde está.
Por outro lado, a pesquisa apenas reafirma a dicotomia que vem se consolidando no país desde as eleições de 2014, com pequenas flutuações de lado a lado. Com a aproximação do pleito real, a evolução da economia e as consequências de julgamentos o quadro todo pode mudar.
Por Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador do IPBEN-Unesp de Rio Claro (*)