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Matto Grosso nos tempos da Independência

Wellington Corlet dos Santos (*) | 05/09/2023 08:20

Há duzentos anos, na Província de Matto Grosso [com dois “t”, segundo a grafia da época] o ambiente em que viviam os nossos antepassados era bem diferente do nosso. Matto Grosso, isolado e distante de tudo e de todos, era um mundo composto por vilas e povoados longínquos, ligados por caminhos terrestres e/ou fluviais que desafiavam as matas, e que eram percorridos por tropas, carroças e carruagens, tracionadas por animais, que demoravam vários meses para viajar do Rio de Janeiro até Cuiabá.

As distâncias eram medidas em léguas ou braças e os pesos em libras, marcos, onças, oitavas e grãos.

A escuridão das noites era rompida apenas pela luz indireta da Lua, ou das fogueiras, tochas, archotes, velas e candeeiros.

A economia era altamente dependente do trabalho escravo e o comércio era realizado com a troca de mercadorias (escambo), com a circulação do ouro, ou com as moedas de ouro, prata e cobre do sistema português dos “Réis”.

Nas ruas, enquanto aguardavam as demoradas notícias do Rio de Janeiro ou Lisboa, as pessoas conversavam sobre “tropeiros”, “pousos”, “varadouros”, “monções”, “batelões”, “correio de Goiás”, “Caminho de Goiás”, “Caminho das Monções”, “Gazeta do Rio”, “Corte”, “Príncipe Regente”, “Vossa Alteza Real”, “Vossa Magestade Imperial”, “Constituição”‖e, principalmente, sobre a “Independência”.

Assim foram os anos da década de 1820: a sociedade, fundamentada no sistema do patriarcado, possuía uma estratificação bem definida, composta pela nobreza, clero, povo (cidadãos livres, civis e militares, índios e mestiços) e os escravos que, se não fossem libertos, eram considerados bens patrimoniais dos seus donos, ou seja, bens semoventes ou simplesmente “peças”. Os índios, se não fossem catequizados e subservientes ao domínio colonizador, eram inimigos ou simplesmente “nada”. Religião, só havia uma, que era a religião oficial: a Cathólica Apostólica Romana, liderada pelos Papas de Roma.

Nesse contexto, entre os anos de 1807 e 1825, o Brasil viveu um dos períodos mais importantes da sua História: as pressões surgidas foram fortes suficientes para que Dom Pedro, o Príncipe Regente, decidisse permanecer no Brasil, fizesse a Independência e fundasse o Império do Brasil, contrariando as decisões das Cortes de Lisboa e a Constituição Portuguesa de 1822.

Por essa época, o Príncipe Regente Dom Pedro, conseguiu manter a unidade territorial, nacional e política do recém criado Império, graças ao apoio das Províncias que lhe foram leais, tendo sido a de Matto Grosso, encabeçada por Cuiabá, uma delas.

A atual cidade de Campo Grande, capital do atual estado de Mato Grosso do Sul, só surgiria cinquenta anos mais tarde. Era apenas uma região a ser desbravada, entre o Rio Pardo (e Varadouro de Camapuã) e o Rio Miranda (e Presídio de Miranda).

O Matto Grosso em 1822

As notícias sobre a proclamação da Independência do Brasil e a aclamação do Príncipe Regente Dom Pedro, como Imperador do Brasil, só chegaram em Cuiabá, na Província de Matto Grosso, na primeira semana, muito provavelmente no domingo (dia 5), de janeiro do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1823. No dia 6 de janeiro, segunda-feira, cantou-se um “Te Deum” na Catedral, pelo acontecimento.

A Província de Matto Grosso, por aquela época, era formada basicamente pelos atuais estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia, fazendo fronteira, ao Sul, com a recém criada “República del Paraguay” (independente em 1811) e, ao Oeste, com o Rio Paraguai e a Região do Alto Peru, do Vice Reinado da Prata que, em 1825 viria a se tornar independente com a denominação “República Boliviana”.

Por qualquer caminho que se fosse, o tempo gasto para se viajar de São Paulo até Cuiabá era, no mínimo, de quatro meses.

Nessas terras, ainda muito desconhecidas e de fronteiras incertas, disputavam espaço e meios para a sobrevivência, diversas populações: os povos autóctones indígenas, europeus castelhanos e portugueses, escravos africanos,

Sobre a Educação, salvo alguns poucos privilegiados que tinham a oportunidade de aprender as primeiras letras ou estudar na Universidade de Coimbra, tais como os filhos das pessoas abastadas, alguns nobres, militares e religiosos, o restante da população era dominado pelo analfabetismo, até mesmo os brancos colonizadores.

Além de Cuiabá, os principais povoamentos na Província de Matto Grosso eram alguns poucos arraiais, vilas, povoados, cidades e guarnições militares [No território do atual estado de MS, registra-se]: Varadouro de Camapuã (atual cidade de Camapuã-MS), Arraial do Biliago (na margem oposta à atual cidade de Coxim-MS), Forte de Nossa Senhora dos Prazeres do Iguatemi, Forte da Nova Coimbra ou Forte de Coimbra, Missão de Nossa Senhora da Misericórdia e Povoação d’Albuquerque, Arraial de Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque “Velho”‖ (atual Ladário-MS), e Arraial de Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque “Novo”‖ (atual Corumbá-MS), Presídio de Miranda ou Presídio de Nossa Senhora do Carmo do Rio Mondego (atual Miranda-MS).

Sobre a Economia no Matto Grosso, o primeiro aspecto a se destacar no início do Século XIX, é que ela era altamente dependente da mineração, que já estava em decadência, e da mão-de-obra escrava. Ela era a principal atividade, sendo a agropecuária secundária, como atividade cuja finalidade era abastecer as necessidades básicas das populações das regiões mineradoras

Por essa época, no Matto Grosso, o comércio era muito realizado por meio do escambo e o dinheiro que circulava era proveniente da Casa da Moeda do Rio de Janeiro e/ou da Casa da Moeda da Bahia.

Segundo [o historiador] Ney Iared Reynaldo, no início do Século XIX, os principais produtos do Matto Grosso eram: feijão, arroz, milho, mandioca, diamantes, sal, madeiras, erva-mate, açúcar, rapadura, melado, aguardente, ouro e bois, sendo os dois últimos os de maior expressão.

Duzentos anos são passados desde a Independência do Brasil e é muito importante que conheçamos os nossos antepassados, a obra deles e a nossa História.

É importante que compreendamos que, na linha do tempo, estamos numa situação intermediária, entre passado e futuro. Não podemos mudar o passado, mas podemos escolher e construir o que pensamos que seja o melhor para as próximas gerações.

(*) Wellington Corlet dos Santos é associado correspondente do IHGMS (Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do SuL).

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