Mudanças climáticas e o aprofundamento de desigualdades
Uma das secas mais intensas já registradas na história do país, recordes de calor no Canadá e frio extremo no sul do Brasil. As cheias históricas de 2021 no norte do país que fizeram o Rio Negro ultrapassar a enchente de 2012, a maior até então. Fenômenos recentes que inundaram os noticiários nos últimos meses e têm se tornado cada vez mais presentes no nosso cotidiano. Já não há mais dúvidas de que as mudanças climáticas têm intensificado fenômenos climáticos e provocado eventos extremos em todo o mundo. Em recente artigo publicado na revista Nature, a pesquisadora Luciana Gatti e colaboradores indicam que parte da Amazônia já atingiu o “tipping point”, ou seja, parte da floresta já emite mais CO2 do que absorve. Tais questões trazem à tona a importância da discussão sobre a crise climática em âmbito nacional e internacional.
A cidade de Anamã, no Estado do Amazonas, foi totalmente inundada pela cheia do Rio Negro em 2021. A subida das águas, inclusive, fez com que o hospital da cidade tivesse atendimentos suspensos e provocou dificuldades e atrasos na vacinação contra a covid-19 em várias regiões do estado. A pandemia que afetou de maneira ampla o Amazonas – gerando números alarmantes e uma crise de saúde que encontrou seu auge no início de 2021 – também atualiza questões e demonstra como uma pandemia e o evento extremo da cheia podem gerar crises de grande magnitude.
Desse modo, a intensificação das mudanças climáticas se torna um problema social capaz de aprofundar questões como migrações, moradia, saúde e segurança alimentar. Somado a isso, um evento como a cheia de 2021 demonstra o quanto eventos climáticos extremos, assim como a própria pandemia, são amplificadores de desigualdades. Isso porque as mudanças climáticas e seus eventos extremos não atingem a todos da mesma maneira.
Dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas indicam que populações localizadas em climas tropicais e de maior vulnerabilidade socioeconômica serão as mais atingidas pelos danos climáticos.
A ideia de justiça climática está relacionada ao fato de que grupos sociais distintos possuem diferentes responsabilidades sobre o consumo de recursos naturais, bem como são desiguais os efeitos sentidos pelas alterações ambientais.
Apesar de o Brasil, desde 2009, contar com uma Política Nacional sobre Mudanças do Clima, pouco se tem avançado em políticas públicas nessa temática nacionalmente nos últimos anos. Iniciativas como “Governadores pelo Clima” e governadores do consórcio Amazônia Legal têm buscado movimentar a elaboração de políticas climáticas no Brasil. Apesar de inovadoras, essas estratégias ainda não têm um desenvolvimento efetivo no país.
Diante desse cenário – apesar da atenção internacional que a Amazônia recebe quando o assunto é mudanças do clima –, ainda se discute pouco sobre como as comunidades locais têm lidado com esses fenômenos.
No caso da Amazônia, as comunidades ribeirinhas têm enfrentado eventos extremos cada vez mais frequentes: as cheias e secas atingiram níveis recordes nas últimas décadas. Assim, as próprias comunidades têm elaborado práticas de enfrentamento a esses eventos.
Exemplos disso são o uso de macacos hidráulicos e boias para elevação das casas em períodos de cheia e a construção de casas e hortas flutuantes.
Apesar do protagonismo comunitário na busca de soluções, entretanto, estas ainda não têm integrado a formulação de políticas públicas para o clima no país. A líder indígena Wapichana Sinéia do Vale, única brasileira a participar da Cúpula dos Líderes sobre o Clima em abril de 2021, destacou a importância da participação indígena na discussão sobre as mudanças climáticas, destacando que: “Quando falamos de floresta em pé, falamos também da manutenção dessas florestas que é feita pelos povos indígenas. […] Esses estudos têm nos apontado o aquecimento da água, os peixes regionais que já estão sumindo. A questão da mudança climática não vai chegar, ela já chegou nas comunidades indígenas”.
Wapichana, na Cúpula do Clima, afirma que povos indígenas são “doutores nas questões do meio ambiente”, reforçando a relevância e a importância de ampliar olhares quando o assunto são as mudanças do clima. A construção de políticas e estratégias para enfrentamento às mudanças climáticas deve passar tanto pelo reconhecimento das desigualdades que desafiam nosso país quanto pelo protagonismo comunitário e os conhecimentos tradicionais e indígenas, de modo a ampliar possibilidades e alternativas aos eventos extremos.
(*) Júlia Menin é doutoranda em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFRGS. É integrante do Grupo de Pesquisa TEMAS – Tecnologia Meio Ambiente e Sociedade e membro da rede Conexões Amazônicas.
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