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O “distritão”

Por Michel Temer (*) | 20/02/2015 14:55

Um dos primeiros temas da reforma política é o da forma de eleição dos deputados federais, estaduais e vereadores, escolhidos hoje por voto proporcional. Dele deriva o chamado quociente eleitoral. Se o quociente é de 300 mil votos, o partido que obtém 900 mil votos elege três deputados federais. Não importa a votação de cada candidato, mas o total obtido pela legenda partidária. Em exemplo mais expressivo: se um candidato da legenda faz 1,5 milhão de votos e os demais correligionários 4, 10 ou 20 votos, o partido leva para a Câmara cinco deputados.

É contra essa fórmula que a nossa pregação pelo “distritão” ou voto majoritário se insurge. Esse sistema significa que os mais votados serão eleitos. São Paulo tem 70 deputados que seriam eleitos segundo a ordem de votos obtida. As razões que fundamentam essa forma são de natureza jurídica e política.

Primeiro, a fundamentação jurídica. A Constituição de 1988 adota retumbantemente a democracia como regime de governo. Significa: a maioria pratica os atos de governo, respeitando a minoria.

Nessa concepção o primeiro registro que se deve fazer é que o titular do poder é o povo. Essa é a regra fundante do nosso sistema democrático. Presidentes, governadores, prefeitos, tribunais governam pelo critério da maioria. Os três primeiros se elegem por essa forma, exigindo-se às vezes maioria absoluta. Nos tribunais as decisões judiciárias (que são atos de governo) se dão por maioria de votos. Nas casas legislativas a regra constitucional para eleição das mesas diretoras e das comissões deve obedecer ao princípio da proporcionalidade do maior para o menor.

A única exceção à determinação de que a maioria é que fala em nome do povo se dá no caso do sistema eleitoral ora vigente, que é o critério da proporcionalidade obtido no quociente de votos. Já houve caso concreto de um deputado federal eleito com cerca de 1,5 milhão de votos que conduziu pela legenda mais quatro deputados – um deles com 382 votos (e que residia de fato em outro Estado). Enquanto um candidato de outra legenda com 128 mil votos não foi eleito, em face do chamado quociente eleitoral.

Aqui se impõe a pergunta: quem representava mais corretamente a regra segundo a qual o poder emana do povo, o de 382 ou o de 128 mil votos? Faço esse registro porque o parlamentar que vota a favor ou contra um projeto de lei está praticando ato de governo e agindo em nome do povo. Portanto, a manutenção da proporcionalidade eleitoral partidária para eleição dos deputados viola aquela regra definidora do titular do poder, permitindo que um representante da maioria (128 mil) seja alijado por um representante de inexpressiva minoria (382). Se pudesse haver inconstitucionalidade de norma constitucional, diríamos que esta fere o princípio basilar do nosso sistema. Mas não há. Daí por que precisamos modificar a regra constitucional para obedecer ao princípio da maioria.

Hoje o sistema proporcional prestigia o partido político em detrimento da vontade da maioria popular. Entre dois valores constitucionais, vontade majoritária e partido político, deve prevalecer o primeiro. A contradita a essa tese é a de que a nossa fórmula desvaloriza os partidos políticos. Digo que não. Primeiro, o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela fidelidade partidária daqueles que são eleitos pela legenda e na emenda constitucional que vier a estabelecer o voto majoritário artigo seguinte estabeleceria a fidelidade como critério. Ou seja, o mandato continuaria a ser do partido. Outro fundamento jurídico para esta tese é a do artigo 14 da Constituição, que define o voto como direto e secreto e com valor igual para todos. Ora, a proporcionalidade desiguala o voto do eleitor. Não é igual o voto dado para quem teve 128 mil e para aquele que teve 382.

Além da razão jurídica, há razões políticas que amparam o “distritão”. Fala-se muito na eliminação das coligações partidárias. Qual o objetivo delas no sistema proporcional? É aumentar os votos das legendas para efeito de ocupação de cadeiras na casa legislativa. Adotado o voto majoritário, os partidos não terão interesse nas coligações. Outro dado: quando o partido organiza a sua chapa de deputados federais, que pode ser uma vez e meia o número de cadeiras que cabem ao Estado, vai procurar candidatos que às vezes não têm mais que 500 votos apenas para engordar o quociente partidário. Ou, então, busca uma figura muito popular e fora dos quadros partidários que possa trazer 1,5 milhão ou 2 milhões de votos.

A proposta não impede tais cidadãos de concorrer. Poderão fazê-lo e eleger-se, mas não levarão consigo deputados que não tiveram votos ensejadores da maioria. Outra vantagem é que se hoje o partido (tomo o exemplo de São Paulo) pode apresentar 105 candidatos, e o faz, com vista ao quociente eleitoral, deixará de fazê-lo. Será certo que os partidos meditarão sobre quantas vagas poderão obter. Se forem cinco ou seis, o partido não lançará mais que 12 ou 15 candidatos, tornando mais programáticas suas falas, no rádio e na televisão e no material de propaganda, e menos caras as campanhas eleitorais.

Outras soluções podem ser debatidas para as eleições de deputados estaduais e vereadores, cujas características são distintas dos deputados federais. Estes não são representantes do povo do Estado (papel dos senadores). Representam o povo brasileiro domiciliado eleitoralmente no Estado e legislam para todo o País, avaliando as aspirações do povo brasileiro de seu “distritão” (Estado).

Essas são algumas ideias que ofereço para continuar o debate da reforma política. O momento é agora. Não devemos mais postergar a votação dessa importante matéria para aprimorar nossa democracia e reaproximar partidos políticos do povo.

(*) Michel Temer é vice-presidente da República

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