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O papel da Organização Mundial da Saúde no combate ao coronavírus

Denilson Bandeira Coêlho (*) | 25/04/2020 14:18

A Organização Mundial da Saúde (OMS) foi criada em 1948 no período pós-segunda guerra mundial como um órgão integrante do Sistema da Organização das Nações Unidas (ONU). O principal objetivo é implementar o conceito de saúde que abrange um estado de bem-estar físico, mental e social e não meramente a falta de doença e enfermidade. A atual conjuntura suscitou um amplo debate acerca da responsabilidade de governos e agências internacionais no combate à disseminação da Covid-19. Sob a perspectiva da Diplomacia da Saúde Global é importante analisar como os mecanismos de accountability da OMS influenciam o comportamento político dos Estados-Membros. Notadamente quanto aos princípios de responsabilidade mútua, transparência e informação compartilhada.

A partir dessa abordagem três questões merecem reflexão.

A primeira questão se refere ao impacto epistemológico da pesquisa científica nas health communities. A possibilidade de ressurgimento do vírus foi prevista por cientistas renomados como Dennis Carroll (ex-Diretor da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional - USAID) e Vincent Cheng et al (Universidade de Hong Kong). Em 2007, um artigo publicado pela Associação Americana de Microbiologia concluiu que a presença de um grande reservatório do vírus SARS-Cov no sul da China era uma espécie de bomba relógio e não devia ser ignorado. Dada a emissão prévia de sinais de alerta, cabe-nos indagar se o conhecimento acumulado foi transferido por meio de cooperação técnica e em que extensão protocolos clínico e epidemiológico foram difundidos entre especialistas do setor. Ao que parece, em plena era da globalização os estudos prospectivos não foram adotados como referência de políticas públicas universais. Em parte, isso decore de falhas de coordenação multilateral e de ações mutuamente responsivas, às quais, se implantadas, poderiam impedir o maior drama civilizacional desde o holocausto.

A segunda questão é sobre o modelo da diplomacia cuja missão é a de intervir em cenários críticos, especialmente nos continentes africano e asiático. Embora tenha atuado com médicos chineses na identificação da epidemia regional a OMS não engendrou um sistema de monitoramento in loco a ponto de garantir transparência ao trabalho de investigação feito em Wuhan. Na prática a atuação remota por videoconferência não permitiu a contestação de eventos que se revelaram centrais:  i) A replicação de um tweet onde autoridades chinesas sustentaram não haver transmissão entre humanos, ii) a discrepância no número de casos e iii) a morosidade na política de reclusão, estabelecida nove dias após o incremento do contágio. Assim como ocorreu na emergência do vírus Ebola (2014-2015), a orientação centrada em medidas básicas de contenção revelou-se insuficiente ante regimes não democráticos.

A terceira questão diz respeito ao tempo decorrido para o anúncio do fenômeno da pandemia. A declaração foi divulgada em 11/03/2020, cerca de três meses após o primeiro caso na China. A metodologia se baseia no número de países afetados. Neste dia havia cerca de 120 mil pessoas infectadas em 113 países (Fonte: WHO, 2020). Considerando a burocracia dos parlamentos e do executivo para formular novos programas de proteção à saúde pública, a antecipação ao efeito spread é um fator dos mais relevantes. Em contexto de crise, o compartilhamento de informações permite a uniformidade de estratégias e de avaliação ex ante que tendem a minorar o impacto da infecção. Empiricamente se observa situação oposta. Em âmbito nacional, por exemplo, Itália, Espanha, França, Alemanha e Inglaterra introduziram regras distintas para regulamentar a atividade econômica e o isolamento social. Nos Estados Unidos, observa-se significativa divisão ideológica entre democratas e republicanos, onde os primeiros aprovaram mais rapidamente leis locais como o shelter-in-place enquanto os últimos demonstraram resistência ao alegarem suposto cerceamento dos direitos civis e da liberdade individual. A implementação de diferentes paradigmas de tratamento é a prova de que a compreensão dos postulados pregados pela OMS requer mais tempo e disciplina para serem incorporados.

Não há dúvida que o papel dos organismos multilaterais é fundamental para as relações internacionais e para o desenvolvimento da sociedade. Entretanto, o momento atual indica a necessidade de redefinir procedimentos essenciais para a proteção da vida humana. A história demonstra que os processos de aprendizado nem sempre são transferidos entre governos e culturas.

(*) Denilson Bandeira Coêlho é mestre e doutor em Ciência Política. Professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.

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