O RPG, migrações e a construção da educação geográfica
O período de isolamento social devido à pandemia de covid-19 reforçou situações-problema que já eram vistas rotineiramente na educação. Expandiu os desafios – que já não são poucos – e obrigou docentes a se adaptarem a uma nova realidade que foge do que fora aplicado até então em sala de aula.
Desenvolver atividades cativantes e criativas sempre foi um dos principais pontos motivadores da minha vocação docente, assim como da de muitos outros professores. Unir o gosto do aprender e construir conhecimentos geográficos à paixão por jogos foi um dos principais catalisadores para pensar uma alternativa para atividades durante o período de ensino remoto nas escolas. Assim, escolhi o jogo que melhor formou meus gostos e minha criatividade durante a infância e adolescência, o RPG (role play game, ou jogo de papéis, em tradução livre).
O RPG se apresenta para a Geografia como uma ferramenta promissora de aplicação dos conhecimentos escolares da disciplina. A capacidade quase infinita de criação de histórias, de situações-problemas e de simulação de questões reais do cotidiano permite a aplicação dos conteúdos geográficos em aventuras que podem tratar de temas ligados à preservação de biomas, ao desenvolvimento de cidades e a vilarejos e a conflitos sociais. É possível tratar dos mais diversos temas que se fazem presentes no dia a dia dos alunos, aproximando os saberes de sala de aula aquilo que eles enxergam na sua vida.
Tendo em vista o RPG como um simulacro da realidade posto em um jogo, um teatro de improviso no qual saberes específicos podem e devem ser utilizados, os alunos se veem no dever de estimular seu senso cooperativo e criativo. A narrativa se constrói em parceria. E, nesse ponto, o distanciamento social se apresentou como barreira. Então, como desenvolver novamente o potencial do RPG durante o ensino remoto?
Ao estudar as diversas modalidades de um jogo de RPG, nota-se que a versão de mesa não é a única forma de aplicar a atividade, que requer criatividade, pesquisa, liderança e cooperação. É também possível aplicá-lo por meio de uma Aventura Solo. Essa é uma categoria do jogo em que o aluno, por meio de regras simples, pode jogar sozinho. Essa modalidade oferece uma alternativa plausível para a aplicação de uma narrativa cativante e dentro do tempo hábil de uma aula.
Desenvolvi a atividade para alunos do segundo ano do ensino médio, no Instituto Estadual Riachuelo, em Capão da Canoa. A narrativa foi construída com o tema dos processos migratórios, mais especificamente sobre a história dos refugiados.
O desenvolvimento desse jogo estimulou, em certa medida, a capacidade de autonomia dos alunos para buscar respostas e reforçar sua confiança em tomadas de decisão. O livro-jogo permite que o aluno seja parte ativa da resolução das situações da narrativa e assuma o protagonismo do desenvolvimento da história exposta.
Ao realizarem o jogo, os alunos das turmas em que a atividade fora aplicada relataram achar a proposta divertida e estimulante. Mais da metade dos alunos que a realizaram se sentiram estimulados a procurar mais sobre o tema e sobre os personagens da história. O RPG de Aventura Solo apresentou uma proposta conforme a qual o aluno se vê na obrigação a se tornar protagonista daquilo que está sendo construído na narrativa e, assim, desenvolve maior curiosidade e sensação de pertencimento em relação ao conteúdo.
O RPG reforça o ponto de que os alunos podem construir conhecimentos e solucionar problemas. Essas situações, contudo, precisam fazer sentido para a sua realidade. Os jogos podem, assim, combater a falta de interesse de participação nas aulas. Com técnica e finalidade clara, a Aventura Solo é uma ferramenta que potencializa o processo de ensino-aprendizagem da Geografia e estimula o protagonismo do aluno ao transformá-lo em um agente pesquisador e pertencente à história desenvolvida.
A Aventura Solo pode também servir como ferramenta-chave para o reestímulo ao processo criativo e de aprendizado perdido ou reduzido durante o distanciamento social. Por meio dela, é possível reforçar a representatividade do cotidiano e da realidade dos alunos nas atividades escolares. A Aventura Solo se mostrou uma considerável alternativa para o estudo de problemas que dizem também respeito aos alunos, sendo eles protagonistas de suas histórias dentro e fora de sala de aula.
(*) Gabriel Moraes Vianna é licenciado em Geografia e bacharel em Ciência e Tecnologia.