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O valor do mar: uma riqueza (in)finita

Alexander Turra e Tássia Biazon (*) | 13/07/2021 08:30

Viver é uma dádiva. Mas do ponto de vista ecológico e sociológico, viver tem um custo, pois pressupõe o uso de diferentes tipos de recursos, seja para produzir alimentos, vestimentas, medicamentos, combustíveis e produtos eletrônicos. Além de recursos, dependemos de condições ambientais que tornam a vida e as atividades humanas possíveis.

E qual é a origem desses recursos e condições? A natureza, com toda a sua diversidade de vidas e de ecossistemas. A natureza nos oferece os bens, que são recursos, e os serviços ecossistêmicos, que geram as condições que nos beneficiam, como regulação climática, controle de doenças e depuração de poluentes.

Cada ecossistema tem suas particularidades – como a mata atlântica, o manguezal e o mar profundo – e oferece um conjunto variado de bens e serviços. De acordo com estudo publicado por Robert Costanza e colaboradores, em 2014, os valores dos serviços ecossistêmicos do planeta foram estimados entre 125 e 145 trilhões de dólares por ano. E cerca de 60% desses benefícios são providos pelas zonas costeiras e oceânicas. Imaginem… se tivéssemos que pagar por esses bens e serviços não teríamos de onde tirar, pois o Produto Interno Bruto Global de 2014 somava apenas 79 trilhões de dólares. A seguir, vamos compreender um pouco mais os recursos e condições que geram o que chamamos de economia do mar.

Instituída em 2005, a Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM) considera “todos os recursos vivos e não vivos existentes nas águas sobrejacentes ao leito do mar, no leito do mar e seu subsolo, bem como nas áreas costeiras adjacentes, cujo aproveitamento sustentável é relevante sob os pontos de vista econômico, social e ecológico”. Os recursos vivos estão associados diretamente à biodiversidade, como os recursos pesqueiros e os biotecnológicos, como moléculas ativas utilizadas em medicamentos, cosméticos e alimentos. Os recursos não vivos compreendem, por exemplo, os minérios e as fontes de energia.

Além da divisão entre recursos vivos e não vivos, eles também são classificados em renováveis e não renováveis. A principal diferença entre ambos é a escala de tempo de sua produção ou sua capacidade de regeneração. Os renováveis são produzidos ou recuperam-se em um período compatível com a escala de tempo ecológico, que nós conseguimos registrar, como recursos pesqueiros, água e madeira. Já os não renováveis têm um tempo de formação lento, que ultrapassa muito a escala de tempo da vida humana, estando associados à escala de tempo geológico, como recursos minerais, petróleo e gás natural. Esses não se renovam a ponto de podermos extraí-los novamente da natureza. Por essa mesma lógica, a biodiversidade de mar profundo, que possui taxas de crescimento lento, maturação reprodutiva tardia e baixa produção de descendentes, equivale a um recurso vivo, mas pode também ser entendida como um recurso não ou pouco renovável.

A PNRM também considera como recursos do mar atividades de aquicultura, turísticas, esportivas e recreativas. Entretanto, essas atividades são, na verdade, serviços ecossistêmicos que, por sua vez, dependem diretamente da qualidade e do funcionamento dos ecossistemas costeiros e marinhos. Dentre os serviços há algumas subdivisões, como serviços de regulação e suporte, provisão e culturais, as quais serão exemplificadas a seguir, conforme os princípios utilizados na Avaliação Ecossistêmica do Milênio pelas Nações Unidas.

Os serviços de regulação e suporte podem ser considerados os mais basilares ou primordiais. Um exemplo é a regulação do clima. O oceano cobre 71% da superfície terrestre, o que possibilita uma importante interação com a atmosfera, que consequentemente influencia os padrões de chuva no planeta como um todo. Boa parte do carbono atmosférico é dissolvida na água do mar e acaba por ser armazenada na biodiversidade ou no sedimento marinho. Além disso, as correntes oceânicas transportam calor dos trópicos aos polos, contribuindo para amenizar o clima global. De forma semelhante, esses serviços promovem a purificação da água por meio de processos como diluição, oxigenação, filtração, remineralização e decomposição de materiais. Por exemplo, os manguezais, zonas de transição dos rios com os mares, realizam o aprisionamento de sedimento, matéria orgânica e poluentes. Além disso, ambientes costeiros funcionam como berçários para peixes e invertebrados.

Os serviços de provisão confundem-se com os recursos extraídos do mar. Eles podem ser divididos em provisão de alimentos, armazenamento e abastecimento de água e materiais biotecnológicos e biocombustíveis. Quanto ao alimento, estes podem ser obtidos por meio da pesca artesanal ou industrial. Mas há também como obtê-los “sem pescar”, por meio da aquicultura, que é o cultivo de organismos aquáticos, incluindo peixes, crustáceos, moluscos e algas. Quanto ao fornecimento de água, o oceano é um grande reservatório, contendo cerca de 97% da água do Planeta, a qual pode ser captada e depois processada em usinas de dessalinização. Dentre os produtos biotecnológicos há uma extensa gama de usos, que inclui medicamentos (drogas, cosméticos) e recursos industriais (farinha de peixe, algas). A produção de energia pode ser feita a partir da madeira de manguezais e combustíveis extraídos de algas, mas também a partir do vento, ondas e marés. O oceano também é rota de um dos principais meios de transporte, já que 90% de toda a carga que circula no mundo navega pelo oceano afora.

Por fim, os serviços culturais correspondem a benefícios não materiais, como o prazer de caminhar na praia ao som das ondas, de avistar uma baleia saltando ou mesmo do conforto espiritual ao contemplar o horizonte azul. Esses serviços são divididos em valores simbólicos e estéticos, recreação e turismo e efeitos cognitivos. Os valores simbólicos e estéticos relacionam-se à exaltação de paisagens, habitats ou espécies – um exemplo é o conhecimento ecológico dos povos do mar. Quanto à recreação e ao turismo, o ambiente marinho proporciona oportunidades de relaxamento, esporte e diversão – imagine se o Brasil não tivesse mar? Os efeitos cognitivos estão associados à percepção do quanto esses ambientes e suas formas de vida influenciam a ciência e a humanidade.

Aqui buscamos aprofundar a conexão do ser humano com o ambiente marinho. Embora a maioria de nós esteja fisicamente distante dele, a sua importância é muito presente na vida de todos.

(*) Alexander Turra é professor do Instituto Oceanográfico (IO) da USP.

(*) Tássia Biazon é pesquisadora da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano.

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